De cada 3 servidores federais, 1 está em trabalho remoto por causa de pandemia

Em junho, 106 mil foram deslocados para atuar de casa; apenas 6 ministérios têm plano de retomada

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Brasília

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) insiste na volta ao trabalho, um em cada três funcionários públicos federais atua de forma remota em razão da pandemia do novo coronavírus. Ao todo, são 106 mil servidores em home office como forma de proteção.

O levantamento feito pela Folha não leva em conta 277,7 mil servidores da rede federal de educação—universidades e demais instituições de ensino— que estão em casa por causa das suspensões das aulas.

Se somados os dois grupos —cerca de 600 mil servidores na ativa—, o número total chega a 380 mil, o que representa 67% da força de trabalho da União.

O presidente Jair Bolsonaro caminha no gramado do Palácio da Alvorada para acompanhar a cerimônia de descerramento da bandeira. Ele está em isolamento após ter sido diagnosticado com Covid-19
O presidente Jair Bolsonaro caminha no gramado do Palácio da Alvorada para acompanhar a cerimônia de descerramento da bandeira. Ele está em isolamento após ter sido diagnosticado com Covid-19 - Pedro Ladeira/Folhapress

Para a maioria dos servidores ainda não há prazo para volta a seus postos. Dos 23 ministérios, apenas 6 têm planos para retomada das atividades presenciais —desses, 3 já em curso.

Outras 11 pastas ou estão com protocolos em elaboração ou ainda não fizeram nenhum tipo de planejamento. Seis não se manifestaram.

Em todo o governo, em junho, 6.000 servidores foram afastados por estarem infectatos pela Covid-19 ou tiveram contato com quem teve a doença. Outros 5 mil estão licenciados por motivos de saúde não especificados.

Dos 3.400 servidores ligados à Presidência da República, 108 (3,8%) foram afastados após testarem positivo. Desses, 77 já estão recuperados e 31 casos, em acompanhamento.

Um dos casos mais recentes é o do próprio presidente. Bolsonaro foi diagnosticado com o vírus na terça-feira (7) e despacha do Palácio do Alvorada, residência oficial.

Desde o início da crise, o presidente foi contra o isolamento e não determinou, de maneira obrigatória, o distanciamento social no serviço público.

Para representantes de sindicatos ouvidos pela Folha, a posição levou ao crescimento de casos no setor público e colocou em risco servidores e colaboradores.

"É uma irresponsabilidade muito grande. O presidente não dá exemplo. Ele continua colocando em risco servidores. Era necessário aumentar o isolamento no entorno do presidente", afirmou Oton Pereira Neves, secretário-geral do Sindsep-DF (Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Distrito Federal).

Em março, quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretou pandemia mundial por causa do novo coronavírus, eram 18,2 mil servidores afastados. Três meses depois, o número cresceu 540%.

Se comparado, o número de afastados dos seus locais de trabalho no serviço público é muito superior ao do restante do país. A média nacional, segundo a PNAD Covid-19, é de 13,3% da população ocupada.

Apesar do alto índice de trabalho remoto, o número de denúncias sobre a falta de segurança no trabalho tem aumentado. Só no Distrito Federal, entidades entraram com 22 reclamações no MPT (Ministério Público do Trabalho) contra ministérios e autarquias.

Em maio, o MPF (Ministério Público Federal) e o MPT ajuizaram ação civil pública contra a União para que seja instituída norma tornando obrigatório o teletrabalho na administração pública federal enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública decorrente da Covid-19.

Atualmente, o Executivo Federal determina o trabalho a distância apenas para os servidores do grupo de risco ou que convivam com pessoas nessa situação e deixa a critério das autoridades máximas de cada órgão a deliberação de home office para os demais servidores.

O pedido foi rejeitado pela Justiça Federal de Brasília, sob o argumento de que a solicitação foi feita de forma generalizada, sem levar em conta as peculiaridades de cada setor ou região do país.

Nas denúncias de servidores ao MPT, há relatos que vão desde a falta de limpeza e EPIs (equipamentos de proteção individuais) a gestores realizando reuniões em salas fechadas, com mais de cinco pessoas, sem usar máscaras de proteção.

A Folha conversou com servidores dos Ministérios da Saúde e da Educação. Em ambas as pastas, os gestores sinalizaram que devem retomar as atividades presenciais ainda neste mês.

No FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), um assessor que pediu para não ser identificado por temer retaliações afirmou que participou de reunião com o presidente do órgão, Marcelo Lopes da Ponte, na qual o gestor estava sem máscara.

A situação, segundo o relato, é corriqueira. O FNDE quer obrigar aos servidores o retorno ao trabalho na segunda quinzena de julho.

De acordo com Neves, do Sindsep-DF, até o momento, o fundo não apresentou um plano que respeite as recomendações de distanciamento. "O servidor não tem segurança para retomar seu posto de trabalho."

Em nota, o FNDE afirmou que "tem empreendido esforços para garantia das medidas de prevenção, com vistas à saúde, vida e dignidade de toda a força de trabalho autarquia".

Em relação às máscaras, o órgão disse que foi disponibilizado produto descartável para distribuição no imediato momento de acesso ao edifício, caso o colaborador ou eventual visitante não possua. Porém, o FNDE não se manifestou sobre o relato do servidor.

No Ministério da Saúde, os relatos colhidos pela Folha são similares. Os funcionários dizem que há pressão de gestores para a volta do trabalho presencial.

Servidores contam que é comum ver a cúpula da pasta circular no prédio sem máscara. Virou rotina, por exemplo, cenas do ministro interino da pasta, Eduardo Pazzuelo, sem máscara em eventos no Planalto.

No último dia 30, enquanto o Brasil registrava mais de 1,3 milhão de casos da Covid-19 e 58,3 mil mortes, o ministro circulou no evento para celebrar a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial sem máscara e cumprimentando políticos com apertos de mão, o que não é recomendado por autoridades em saúde pública.

"O desnorteamento que o Brasil viveu no combate à pandemia se refletiu no serviço público", afirmou Rudinei Marques presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado.

"Demoramos muito para afastar nossos servidores dos seus locais de trabalho e, agora, há uma pressão para o retorno sem nenhum tipo de planejamento", disse.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou até a conclusão deste texto.

A SGP (Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal) do Ministério da Economia afirmou que cabe a cada gestor ou área criar procedimentos e rotinas tanto para o trabalho remoto quanto para o retorno às atividades presenciais.

Em comunicado interno, o SGP divulgou diretrizes gerais sobre o trabalho em tempos de pandemia.

O documento, de 22 de junho, diz que os órgãos têm autonomia para conduzir o processo de organização das atividades presenciais levando em consideração a natureza das atividades e a situação do município onde está localizado.

O SGP recomenda o uso de máscara e distanciamento social de, no mínimo, um metro dentro do ambiente de trabalho. Não há nenhum tipo de punição ao gestor que não cumprir as orientações.

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