Procuradoria vai investigar se Embraer pressiona funcionários a aderir a PDV

Sindicato fala em coação; empresa nega e afirma que processo é voluntário e transparente

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São Paulo

​Em meio a uma das mais severas crises vividas pelo setor aéreo, a Embraer deverá ser investigada pelo Ministério Público do Trabalho sobre suposta pressão que funcionários estariam sofrendo para aderir a um PDV (Plano de Demissão Voluntário).

O prazo para adesão ao programa se encerra nesta quarta-feira (2).

Este é o terceiro PDV que a empresa faz desde julho, e vem sendo marcado por polêmicas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos afirma que funcionários acusam a Embraer de coação para adesão ao programa.

Este é o terceiro PDV da Embraer desde julho
Este é o terceiro PDV da Embraer desde julho - David Becker/Reuters

A empresa nega qualquer pressões e diz que a adesáo é voluntária.

O sindicato chegou a fazer uma consulta informal com representantes do MPT sobre o assunto e está orientando os funcionários a fazerem o mesmo —a Procuradoria recebeu denúncias formais anônimas sobre o caso.

"Após análise realizada pela coordenadoria da PTM [Procuradoria do Trabalho em Município] de São José dos Campos, as denúncias tiveram conexão com um procedimento já existente em face da Embraer, que atualmente está sendo conduzido pela procuradora Ana Farias Hirano", afirmou o órgão.

Esse procedimento é um inquérito já aberto em 2019 contra a fabricante de aviões e cujo tema principal é assédio moral. Além deste, outros sete inquéritos estão abertos no MPT contra a Embraer.

O órgão afirmou que a empresa ainda não foi contactada a respeito das denúncias, mas a procuradora Ana Maria Hirano deverá se manifestar nos autos até a próxima semana.

Os próximos passos dependerão de análise dos fatos e levantamento de informações preliminares. Procurada, a Embraer não comentou se recebeu qualquer notificação sobre o assunto até a conclusão desta reportagem.

As denúncias de trabalhadores apontam que a empresa pôs em licença remunerada, uma das condições elegíveis para adesão ao PDV, funcionários que estavam em férias coletivas, home office ou suspensão temporária do contrato de trabalho como forma de incentivar a adesão.

“Muitos começaram a receber ligações de seus gestores e supervisores, que diziam estar colocando-os em licença remunerada a partir do dia seguinte e avisavam ‘dá uma olhada lá no PDV’. Essas denúncias aumentaram muito durante o final de semana e as pressões para a adesão, ainda que veladas, passaram a acontecer todos os dias por meio de mensagens”, afirmou o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Herbert Claros.

Até o final de 2019, a fabricante de aviões tinha, segundo o seu balanço, 15.901 funcionários apenas no Brasil. O sindicato diz que cerca de 450 empregados já aderiram aos PDVs anteriores.

Funcionários de diferentes áreas da Embraer, que conversaram com a Folha sob a condição de anonimato, contam que se sentiram induzidos pelos chefes a aderirem ao programa. Esse processo de convencimento, afirmam, era feito por mensagens e telefonemas.

Segundo eles, os chefes comentavam que havia risco de demissões no final do ano e que o PDV era uma alternativa melhor para sair da empresa. Outros contam que os chefes avisavam que, caso o funcionário não aderisse ao PDV, não havia como garantir o emprego no futuro.

Em nota, a Embraer afirmou que é importante destacar que o PDV é um processo voluntário e que foi comunicado com transparência e respeito às pessoas, em linha com o código de ética e conduta da empresa.

“Os colaboradores foram informados por meio dos canais oficiais da empresa, que incluem canais digitais utilizados de forma regular para informar sobre qualquer tema relevante aos colaboradores, principalmente aqueles que estão em licença remunerada”, afirmou a companhia.

Outras entidades que representam funcionárias da Embraer, com o Seesp (Sindicato dos Engenheiros do Estados de São Paulo) e o Sindicato dos Metalúrgicos de Botucatu, não receberam reclamações de trabalhadores da empresa.​

Este terceiro plano de demissão voluntária foi anunciado em 18 de agosto, com condições mais vantajosas que os anteriores. Dobra os benefícios previstos nos dois primeiros programas e teve o grupo de funcionários elegíveis ampliados.

Podem aderir, por exemplo, funcionários com 50 anos de idade completos ou mais até o momento de adesão, que estejam em licença remunerada ou que já tenham se aposentado (exceto por invalidez) pelo INSS.

O prazo para o PDV acabava nesta terça-feira (1º), mas foi prorrogado até esta quarta (2), às 17h.

Os PDVs e demissões em setores de transporte se tornaram uma constante na pandemia. O setor aéreo foi especialmente afetado em todo o mundo. Há redução drástica no número de voos e não se vê cenário para compra de aviões nos próximos três anos.

A Embraer, porém, sofreu duplamente nos últimos meses.

Além do impacto da pandemia, a Boeing reincidiu o contrato de compra da área de aviação civil da Embraer em abril deste ano, alegando que a empresa brasileira não teria cumprido todas as suas obrigações para executar a separação da sua linha de aviões regionais. A Embraer nega. Em nota, afirmou na época que a Boeing rescindia indevidamente o acordo global da operação com falsas alegações.

O mercado percebe os contratempos. Entre 1º de janeiro e esta quarta, as ações da companhia registram retração de 61,8%

Em junho, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) anunciou a aprovação de um empréstimo de US$ 300 milhões (atualmente cerca de R$ 1,6 bilhão) para a Embraer. O financiamento era parte de um pacote de crédito oferecido por um consórcio de bancos de até US$ 600 milhões (R$ 3,2 bilhões).

Havia a expectativa entre os funcionários de que esses recursos pudessem garantir empregos, mas, informa a empresa, o crédito visa manter as operações.

“Os financiamentos tomados pela Embraer de bancos privados e públicos nos últimos meses serão aplicados como capital de giro para exportações”, afirmou a Embraer, em nota.

Para o advogado Rodrigo Nunes, sócio trabalhista da da Cascione Pulino Boulos Advogados, adesões aos PDVs que sejam consideradas fruto de uma coação explícita ou velada têm a possibilidade de serem anuladas se submetidas à justiça.

“Nos aspectos do direito do trabalho, é preciso que haja o interesse isento do empregado em aderir a esse plano e, se há algum grau de coação, ainda que tácita, esse PDV tem vício de validade. No caso de um supervisor implicitamente dizer que o funcionário pode ser demitido, é uma forma subjacente de se conduzir para uma situação que não necessariamente é o que o empregado quer”, afirmou.

OUTRO LADO

Em nota, a Embraer afirmou que a indústria aeronáutica foi um dos setores mais impactados pela crise da Covid-19 e, por isso, tem realizado diversos ajustes para se adequar à atual realidade de mercado, sendo o PDV uma das medidas adotadas.

A empresa diz, ainda, que o PDV é um processo voluntário e que foi comunicado com transparência e respeito às pessoas, em linha com o código de ética e conduta da companhia.

“Os colaboradores foram informados por meio dos canais oficiais da empresa, que incluem canais digitais utilizados de forma regular para informar sobre qualquer tema relevante aos colaboradores, principalmente aqueles que estão em licença remunerada”, afirmou em nota.

“Vale lembrar que o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Metalúrgicos de Botucatu aprovaram a proposta do atual PDV. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e de Araraquara, por sua vez, não levaram a proposta para apreciação dos colaboradores”, disse, ainda, a companhia.

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