A ascensão e a queda do império de Philip Green, dono da Topshop

Grupo Arcadia pediu concordata na semana passada; carreira de executivo foi marcada por negócios audaciosos e impiedosos

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Jonathan Eley
Londres

A entrada da Arcadia em concordata na segunda-feira (30) à noite é o último ato de três décadas nas quais seu proprietário, Philip Green, atraiu admiração e fortes críticas por sua abordagem combativa dos negócios.

O grupo, cujas marcas incluem Topshop, Burton e Wallis, disse na sexta-feira (27) que estava "trabalhando em diversas opções de contingência" depois que a pandemia de coronavírus atingiu duramente seus negócios já em dificuldades. Mas depois de um fim de semana de expectativas ela se tornou a vítima mais famosa da crise atual no setor de varejo.

A carreira de sir Philip, que começou quando ele vendeu o estoque excedente de uma loja chamada Bond Street Bandit, será lembrada principalmente por seus negócios ao mesmo tempo audaciosos e impiedosos. Ele tomou grandes decisões com rapidez e muitas vezes convenceu os apoiadores --que iam dos sigilosos gêmeos Barclay a importantes bancos— a emprestar prontamente enormes quantias.

Philip Green durante desfile na Semana de moda de Londres - Andrew Cowie - 17.fev.2013/AFP

No início, suas medidas ousadas foram recompensadas com retornos rápidos e muitas vezes espetaculares. A divisão da Sears, que ele dominou em 1999, resultou em um lucro de quase 300 milhões de libras esterlinas (R$ 2,1 bilhões na cotação atual), enquanto o refinanciamento da Arcadia em 2005 resultou em um dividendo de 1,2 bilhão de libras (R$ 8,4 bilhões), livres de impostos, para a família Green.

A capacidade de sir Philip como varejista é discutida com mais empenho. "Essa ideia de que ele tinha um toque de Midas é absurda", disse uma pessoa que trabalhou com ele. "Ele não é nada estratégico, não tem um plano em longo prazo."

Essa pessoa acrescentou: "Ele é um comerciante de roupas. Compra as coisas barato e as vende mais caro. É muito bom nisso e teve grande sucesso".

Outra pessoa que se chocou com o magnata diversas vezes ao longo dos anos disse que ele pareceu "relaxar e ordenhar a vaca" depois que sua segunda tentativa de comprar a Marks & Spencer, em 2004, não teve sucesso.

Comentaristas do varejo dizem que havia pouco investimento nas principais marcas da Arcadia —Topshop, Burton e Wallis—, cuja participação de mercado caiu acentuadamente depois de seus tempos áureos no início dos anos 2000.

Logo da Topshop em loja nas ruas de Londres - Simon Dawson/Reuters

Sir Philip foi eliminado do comércio eletrônico devido ao grande investimento necessário, permitindo que rivais como Asos e Boohoo conquistassem parcelas de mercado entre os jovens consumidores.

Enquanto isso, no mercado principal, as marcas da Arcadia foram solapadas em preços por outras como Primark e enfrentaram o ataque da concorrência quando H&M e Zara se expandiram no Reino Unido. Suas tentativas de abrir lojas no exterior tiveram resultados mistos.

Conforme o declínio da Arcadia ganhava impulso, executivos graduados e potenciais novos contratados ficaram menos dispostos a aceitar sua personalidade abrasiva.

A atitude de sir Philip em relação a banqueiros, fornecedores, funcionários, analistas e jornalistas "definitivamente teve um efeito" sobre o recrutamento, disse o ex-sócio, acrescentando que ele dependia cada vez mais de antigos braços-direitos como Ian Grabiner, executivo-chefe da Arcadia desde 2009.

"[Essas pessoas] podiam estar preparadas para encarar as dificuldades, mas isso não quer dizer que fossem as melhores para dirigir essas marcas", disse a pessoa.

A reputação de sir Philip também foi prejudicada pelos meses de duras recriminações que se seguiram ao colapso da BHS em 2016. Ele adquiriu o grupo em 2000, mas o vendeu ao falido serial Dominic Chappell por 1 libra apenas 13 meses antes do colapso.

Mais tarde ele aceitou pagar 363 milhões de libras (R$ 2,5 bilhões) para sustentar seu esquema de aposentadorias subfinanciado, depois de enfrentar acusações de que vendeu a companhia para não enfrentar as obrigações com pensões.

Poucos acreditam que ele teria apetite por mais um período em uma indústria de varejo que mudou fundamentalmente desde que ele começou.

"Obviamente eu não sei com certeza, mas tenho a sensação de que é isso", disse o ex-sócio. "Ele se sente terrivelmente ameaçado pelo fracasso da BHS e simplesmente quer sair."

Tentar recuperar o controle de marcas como Topshop também seria controverso, devido ao impacto que qualquer administração teria sobre os fornecedores, senhorios e o esquema de aposentadorias da Arcadia, que tem um deficit financeiro substancial.

Philip Green ao lado das modelos Kate Moss e Lottie Moss durante desfile da Topshop na semana de moda de Londres - Oliva Harris - 16.fev.2014/Reuters

Sir Philip, hoje com 68 anos, passa a maior parte do tempo em Mônaco e raramente foi visto no Reino Unido desde que as acusações —que ele negou— sobre sua conduta em relação a funcionários se tornaram públicas.

Outra importante figura do varejo que já trabalhou com sir Philip acredita que a opinião de sua mulher, Tina, também proprietária da Arcadia, moldará seu próximo passo.

"Ela vai empurrá-lo numa direção ou noutra. Ela é muito influente nos bastidores e muito comedida", disse ele. "Não importa o que ele faça agora, não poderá vencer."

Sir Philip não quis comentar.


Momentos importantes na carreira de Philip Green

mai.1990 – A rede de moda Amber Day, da qual sir Philip é executivo-chefe, compra a loja de descontos What Every Woman Wants por 47 milhões de libras (R$ 331,4 milhões)

jan.1992 – Sir Philip é obrigado a sair da Amber Day depois de não cumprir as previsões de lucros. Ele nunca mais dirigiria uma companhia de capital aberto

jan.1999 – A compra por 550 milhões de libras (R$ 3,8 bilhões) do grupo de varejo Sears marca a chegada de sir Philip como grande ator no setor

dez.1999 – Abandona a busca pela Marks & Spencer depois de cobertura na imprensa sobre a compra de ações antes da oferta por sua mulher, Tina

mar.2000 – Adquire a BHS por 220 milhões de libras (R$ 1,5 bilhão), dizendo que pode recuperar a empresa em dificuldades

out.2002 – Adquire a Arcadia por 850 milhões de libras (R$ 5,9 bilhões) e imediatamente vende a companhia para sua mulher, que vive no paraíso fiscal de Mônaco

jul.2004 – O conselho da M&S bloqueia sua segunda tentativa de compra, desta vez por 9,1 bilhões de libras (R$ 64,1 bilhões)

out.2005 – Tina Green recebe dividendos de 1,2 bilhão livres de impostos da Arcadia

abr.2009 – A Topshop abre a primeira loja nos EUA, na Broadway em Nova York

dez.2012 – A Leonard Green & Partners, firma de capitais privados de Los Angeles, compra 25% da Topshop, valorizando a marca em 1,4 bilhão de libras

mar.2015 – A BHS é vendida por 1 libra para o veículo de investimentos baseado no Reino Unido Retail Acquisitions, propriedade do ex-falido Dominic Chappell

abr.2016 – A loja de 88 anos BHS fale, afetando 11 mil empregos em 164 lojas

fev.2017 – Sir Philip concorda em pagar 363 milhões de libras (R$ 2,5 bilhões) para sustentar o fundo de pensão da BHS

abr.2019 – Recompra a Topshop por US$ 1 do investidor americano Leonard Green, permitindo que "o conselho da Arcadia enfoque as opções de reestruturação sendo consideradas"

jun.2019 – Acordo com credores da Arcadia é aprovado, cortando aluguéis de lojas

jan.2020 – Acusações de agressão contra sir Philip nos EUA são rejeitadas

mar.2020 – O lockdown pela Covid-19 no Reino Unido fecha todas as lojas da Arcadia

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