Brasil é refém de subsídios e governo não apresenta soluções concretas, diz Marcos Lisboa

Economista defende abertura comercial e reforma tributária, mas vê falta de avanço do Executivo

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Brasília

A decisão da Ford de encerrar suas fábricas no Brasil fez usuários de redes sociais resgatarem um vídeo do economista Marcos Lisboa dizendo, em evento patrocinado pela Volkswagen, que a crise enfrentada pelo setor automotivo se deve ao fato de o governo sempre atender às demandas das montadoras.

O presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e colunista da Folha diz hoje que a fala, gravada em setembro de 2016, continua atual. Ele considera o país refém dos subsídios e diz que o Brasil deveria, em vez disso, se voltar à abertura comercial e à simplificação do sistema tributário para diminuir o custo de se produzir no país.

Apesar disso, ele não vê liderança ou clareza do Executivo para implementar essas reformas. "Uma das dificuldades que o país vive é que o governo não consegue apresentar propostas concretas para temas tão importantes", afirma.

Setor que tradicionalmente recebe atenção especial do governo por conta do valor agregado à economia e do impacto sobre o emprego, a indústria automotiva foi beneficiada com R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais da União entre 2000 e 2021, em valores corrigidos pela inflação.

O presidente do Insper, Marcos Lisboa - Zanone Fraissat/Folhapress

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Folha - O senhor disse em palestra de 2016 que a crise do setor automotivo tinha como causa o governo atender a todos os pleitos das empresas. Essa avaliação continua válida? Sim, o fechamento de fábricas de automóveis no Brasil não deveria ser uma surpresa. Tivemos uma política para o setor, durante muitos anos, de estimular a criação de fábricas de automóveis e equipamentos no Brasil, mas o problema é que a produção de automóvel e da indústria, em geral, requer escala. E isso não é viável numa economia do tamanho do Brasil. Você não consegue uma cadeia completa, ainda mais em automóveis, cuja venda é bastante pequena. E mais ainda no nosso caso, pois temos uma economia fechada, com menor acesso à tecnologia e, portanto, menos eficiente.

A crise no setor vem de longa data e era previsível que várias unidades se tornariam inviáveis. Só não eram antes pela quantidade de subsídios, então ficamos reféns de dar incentivos para preservar a produção de algo não eficiente no país.

E os subsídios não têm se mostrado suficientes para compensar... Não, porque as empresas não querem esse sistema tributário confuso e esse ambiente de negócios disfuncional. Nossas regras não são minimamente uniformes entre os diversos entes. Além disso, tributamos de forma muito diferente os diversos produtos. Tem uma série deles que pagam pouco imposto, mas outros que pagam muito —como a energia elétrica, que acaba onerando a indústria.

Por causa dessas distorções, foram concedidos subsídios e benefícios. E sem muito critério, de forma descentralizada, privilegiando quem tem acesso aos gabinetes oficiais. E aí, em vez de corrigir os problemas, você tenta tapar esse buraco com subsídios.

Estamos em processo de desindustrialização? O que está matando a indústria são essas políticas fiscais equivocadas que garantem resultados a curto prazo, mas a médio e longo prazos destroem a indústria. Com essa miopia da política industrial brasileira, você fecha a economia, impede acesso a tecnologias mais modernas e dá estímulo com pouca avaliação achando que só montar uma fábrica dá certo.

É a política mal feita para proteger a indústria que está matando a indústria. O governo errou muito, mas lideranças do setor privado também defenderam uma agenda muito equivocada e agora estão pagando o preço.

O que fazer com os subsídios para o setor automotivo agora? Criamos uma armadilha. Esse tipo de política fracassada cria empresas e setores ineficientes, que não são competitivos nem viáveis. Mas você investiu capital e pessoas que estão empregadas. Como faz? É o velho drama da Zona Franca de Manaus, que custa um Bolsa Família por ano. A mesma coisa com estaleiros. Tentamos fazer, deu errado, os navios são caros, não é sustentável. Mas tem dinheiro alocado, tem gente trabalhando lá. Então é muito difícil sair da sinuca em que nos colocamos nos últimos 15 anos.

O que resta a ser feito, então? Progressivamente, uma abertura comercial permitindo maior comércio exterior. Para que o Brasil possa importar o que outros países fazem melhor, e para que o Brasil exporte o que faz bem. Isso já viabilizou experiências como a da Embraer. Segundo, fazer uma reforma tributária e acabar com essa quantidade de regras. Essas seriam as duas principais reformas, mas deveriam ser progressivas para as empresas se ajustarem a uma realidade que se mostraria melhor para o país.

Há possibilidade de o atual governo conseguir implementar essas reformas? Até agora, o governo não disse que reforma quer fazer. Qual a reforma tributária que ele propõe? Tinha uma discussão sobre CPMF ou imposto sobre pagamentos, que ia e voltava —e ainda bem que não foi posta à mesa, porque seria um retrocesso. Tinha uma proposta na Câmara [que fundia PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS] e o governo veio com outra bem mais modesta [que funde PIS e Cofins].

Afinal de contas, qual a agenda do governo? No comércio exterior, tem uma pauta de abertura de economia posta há anos. O governo falou várias vezes que ia tocar essa agenda. Dois anos depois, o que aconteceu? Nada. A privatização, o que apareceu de concreto?

Uma das dificuldades que o país vive é que o governo não consegue apresentar propostas concretas para temas tão importantes para o país avançar em pontos que já estão postos desde o governo Temer. E acho que, pela falta de liderança atual, o país vai continuar crescendo pouco.

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