Descrição de chapéu The New York Times

Senhas esquecidas impedem milionários de usar fortunas em bitcoins

Dos 18,5 milhões de bitcoins existentes, cerca de 20% que atualmente valem cerca de US$ 140 bi parecem estar em carteiras perdidas

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San Francisco | The New York Times

Stefan Thomas, um programador alemão que vive em San Francisco, na Califórnia, tem mais duas chances de descobrir uma senha que vale, nesta semana, cerca de US$ 220 milhões (R$ 1,1 bilhão).

A senha permitirá que ele destrave um pequeno disco rígido, conhecido como IronKey, que contém as chaves privativas de uma carteira digital com 7.002 bitcoins. Embora o preço da bitcoin tenha caído acentuadamente na segunda-feira (11), ainda está 50% acima de um mês atrás, quando ultrapassou seu pico histórico anterior de US$ 20 mil (R$ 106 mil).

O problema é que Thomas perdeu há anos o papel em que escreveu a senha de seu IronKey, que dá aos usuários dez chances antes de confiscar e criptografar seu conteúdo para sempre. Ele já experimentou oito de suas senhas mais usadas, sem sucesso.

Stefan Thomas in San Francisco on Dec. 23, 2020. Thomas, a programmer, owns 7,002 Bitcoin that he cannot access because he lost the password to his digital wallet
Stefan Thomas em San Francisco; Thomas, um programador, tem 7.002 bitcoins que não pode acessar por ter perdido sua senha - Nicholas Albrecht/The New York Times

"Eu ficava deitado na cama pensando nelas", disse Thomas. "Então ia para o computador com alguma nova estratégia, não funcionava e eu ficava novamente desesperado."

A bitcoin, que está numa fase extremamente volátil há oito meses, tornou vários de seus proprietários muito ricos em um curto período de tempo, mesmo enquanto a pandemia de coronavírus devastava a economia mundial.

Mas a natureza incomum da criptomoeda também significa que muitas pessoas ficam impedidas de acessar suas fortunas porque esquecem a senha. Elas foram obrigadas a assistir impotentes enquanto o preço subia e caía drasticamente, incapazes de resgatar sua riqueza digital.

Dos 18,5 milhões de bitcoins existentes, cerca de 20% –que atualmente valem cerca de US$ 140 bilhões (R$ 742,8 bilhões)– parecem estar em carteiras perdidas, segundo a firma de dados de criptomoedas Chainalysis. A empresa Wallet Recovery Services (serviço de recuperação de carteiras), que ajuda a encontrar senhas digitais perdidas, disse que recebeu 70 pedidos de ajuda por dia de pessoas que querem recuperar seus bens, o triplo do mês passado.

Os donos de bitcoins que estão com suas carteiras bloqueadas falam sobre dias e noites infindáveis de frustração enquanto tentam acessar suas fortunas, sem êxito. Muitos possuem as moedas desde os primórdios da bitcoin, há uma década, quando ninguém confiava que ela valeria alguma coisa.

"Ao longo dos anos, eu diria que passei centenas de horas tentando recuperar o acesso a essas carteiras", disse Brad Yasar, empresário em Los Angeles que tem alguns computadores desktop que guardam centenas de bitcoins que ele criou, ou garimpou, durante os primeiros tempos da tecnologia. Enquanto essas bitcoins valem hoje centenas de milhões de dólares, ele perdeu suas senhas há muitos anos e colocou os drives que as contêm em sacos selados a vácuo e fora de vista.

"Não quero ser lembrado todos os dias de que o que eu tenho hoje é uma fração do que eu poderia ter e perdi", disse ele.

O dilema é um duro lembrete das bases tecnológicas incomuns da bitcoin, que a diferenciam do dinheiro normal e lhe dão algumas de suas qualidades mais valorizadas e arriscadas. Com contas bancárias tradicionais e carteiras online, bancos como Wells Fargo e outras companhias financeiras como PayPal podem fornecer às pessoas as senhas de suas contas ou redefinir senhas esquecidas.

Stefan Thomas in San Francisco on Dec. 23, 2020. Thomas, a programmer, owns 7,002 Bitcoin that he cannot access because he lost the password to his digital wallet. (Nicholas Albrecht/The New York Times)
Stefan Thomas em San Francisco; Thomas, um programador, tem 7.002 bitcoins que não pode acessar por ter perdido sua senha - Nicholas Albrecht/The New York Times

Mas a bitcoin não tem uma empresa para fornecer ou armazenar as senhas. O criador da moeda virtual, uma figura obscura conhecida como Satoshi Nakamoto, disse que a ideia central da bitcoin era permitir que qualquer pessoa no mundo abrisse uma conta bancária digital e guardasse o dinheiro de forma que nenhum governo pudesse impedir ou regular.

Isso se torna possível pela estrutura da bitcoin, que é governada por uma rede de computadores que concordaram em seguir um software contendo todas as regras da criptomoeda. O software inclui um algoritmo complexo que possibilita criar um endereço, e uma senha privada associada que só é conhecida pela pessoa que criou a carteira.

O software também permite que a rede bitcoin confirme a precisão da senha para permitir transações, sem ver ou saber a senha propriamente. Em suma, o sistema possibilita que qualquer pessoa crie uma carteira de bitcoins sem precisar se registrar em uma instituição financeira ou passar por qualquer tipo de verificação de identidade.

Isso tornou a bitcoin popular entre criminosos, que podem usar o dinheiro sem revelar sua identidade. Também atraiu pessoas em países como China e Venezuela, cujos governos autoritários são conhecidos por invadir ou fechar contas bancárias tradicionais.

Mas a estrutura desse sistema não levou em conta como as pessoas têm dificuldade para lembrar e guardar suas senhas em segurança.

Stefan Thomas in San Francisco on Dec. 23, 2020. Thomas, a programmer, owns 7,002 Bitcoin that he cannot access because he lost the password to his digital wallet. (Nicholas Albrecht/The New York Times)
Stefan Thomas em San Francisco; Thomas, um programador, tem 7.002 bitcoins que não pode acessar por ter perdido sua senha - Nicholas Albrecht/The New York Times

"Até investidores sofisticados foram totalmente incapazes de fazer um gerenciamento das senhas privadas", disse Diogo Monica, cofundador da startup Anchorage, que ajuda empresas a cuidar da segurança de criptomoedas. Monica começou a empresa em 2017 depois de ajudar um fundo hedge a recuperar o acesso a uma de suas carteiras de bitcoins.

Thomas, o programador, disse que foi atraído para a bitcoin em parte porque ela estava fora do controle de uma companhia ou de um país. Em 2011, quando ele morava na Suíça, recebeu as 7.002 bitcoins de um fã inicial da moeda, em recompensa por ter feito um vídeo de animação, "O que é a bitcoin?", que apresentou muitas pessoas à tecnologia.

Naquele ano, ele perdeu as senhas da carteira de bitcoins. Desde então, conforme o valor da moeda subiu e caiu e ele não conseguiu pôr as mãos no dinheiro, Thomas criticou a ideia de que as pessoas devem ser seu próprio banco e guardar o próprio dinheiro.

"Toda essa ideia de ser seu próprio banco –deixe-me colocar desta forma: você faz seus próprios sapatos?", disse Thomas. "O motivo de termos bancos é que não queremos lidar com todas essas coisas que os bancos fazem."

Outros fiéis das bitcoins também perceberam as dificuldades de ser seu próprio banco. Alguns terceirizaram o trabalho de guardar as bitcoins para startups e bolsas que garantem as senhas privadas das pilhas de moedas virtuais das pessoas.

Mas alguns desses serviços tiveram os mesmos problemas para manter suas senhas em segurança. Muitas das maiores bolsas de bitcoins ao longo dos anos –incluindo a antes conhecida bolsa Mt. Gox– perderam ou tiveram suas senhas roubadas.

Gabriel Abed, 34, empresário de Barbados, perdeu cerca de 800 bitcoins –que hoje valem aproximadamente US$ 25 milhões(R$ 131,5 milhões)– quando um colega formatou o disco rígido de um laptop que continha as senhas de uma carteira de bitcoins em 2011.

Abed disse que isso não diminuiu seu entusiasmo. Antes da bitcoin, explicou, ele e seus conterrâneos não conseguiam acesso a produtos financeiros digitais como cartões de crédito e contas bancárias que são acessíveis aos americanos. Em Barbados, até ter uma conta no PayPal era quase impossível, disse ele. A natureza aberta da bitcoin lhe deu acesso pleno ao mundo financeiro digital pela primeira vez, afirmou.

"O risco de ser meu próprio banco traz a recompensa de poder acessar livremente meu dinheiro e ser um cidadão do mundo –isso vale a pena", explicou Abed.

Para ele e para Thomas, os prejuízos por lidar mal com as senhas foram em parte atenuados pelos enormes ganhos que tiveram com as bitcoins que conseguiram controlar. As 800 bitcoins que Abed perdeu em 2011 eram apenas uma fração das que ele comprou e vendeu desde então, o que lhe permitiu comprar recentemente um terreno de 40 mil m2 de frente para o mar em Barbados por mais de US$ 25 milhões (R$ 131,5 milhões).

Thomas disse que também conseguiu manter bitcoins suficientes –e lembrar as senhas– para lhe dar mais riquezas do que ele pode gastar. Em 2012, entrou numa startup de criptomoedas, a Ripple, que visava aperfeiçoar a bitcoin. Ele foi recompensado com a moeda nativa da Ripple, conhecida como XRP, que aumentou de valor.

(A Ripple enfrentou recentemente problemas legais, em parte porque os fundadores tinham controle demais da criação e distribuição das moedas XRP.)

Quanto a sua senha perdida e bitcoins inacessíveis, Thomas colocou o IronKey em um local de segurança –ele não conta onde–, para o caso de os criptógrafos encontrarem novas maneiras de desvendar senhas complexas. Mantê-lo à distância o ajuda a não pensar nisso, ele disse.

"Cheguei a um ponto em que eu disse a mim mesmo: 'Deixe isso para trás, para sua própria saúde mental'."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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