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Força da Amazon, Mercado Livre e Shein leva varejo brasileiro a rever estratégias

Reestruturações de dívidas e fusões ganharam força nos últimos meses, em meio à forte concorrência do setor

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Rachel Gamarski Giovanna Bellotti Azevedo Leda Alvim
Bloomberg

O chacoalhão no varejo global finalmente alcançou o Brasil, onde as empresas deram início a um processo de reestruturação e consolidação em meio à forte concorrência de gigantes estrangeiras como Amazon, Mercado Livre e Shein.

Embora o e-commerce tenha remodelado o varejo nos EUA e na Europa mesmo antes da pandemia, um conjunto de circunstâncias econômicas, financeiras e logísticas tinha mantido o Brasil isolado dessa tendência.

Isso significa que as reestruturações de dívidas, fusões e mudanças estratégicas que impactaram o setor em outros lugares ocorrem agora em algumas das maiores redes brasileiras.

SÃO PAULO SP, BRASIL, 23-11-2023 - BLACK FRIDAY - A unidade das Casas Bahia na Marginal do Tietê ficará aberta por 24 horas para vendas da Black Friday. (Foto: Ronny Santos/Folhapress, MERCADO) - Folhapress

Marcelo Noronha, CEO do Bradesco, apontou o varejo como um dos segmentos mais fracos da economia brasileira no momento. "Setor que está sofrendo um pouco mais hoje é o varejo, tem mais desafios", disse ele na quinta-feira (2).

No domingo, o Grupo Casas Bahia — uma das redes de varejo mais populares do país — apresentou um plano de recuperação extrajudicial para reescalonar cerca de R$ 4,1 bilhões em pagamentos de dívidas.

O crédito ficou mais caro desde a implosão da Americanas em um escândalo de fraude contábil no ano passado, o que colocou o setor como um todo sob escrutínio.

Há também uma onda crescente de fusões. A Petz concordou em ser comprada pela rival Cobasi no mês passado. Em fevereiro, a Arezzo comprou o Grupo Soma em uma tentativa de criar um gigante do varejo.

Do seu lado, os executivos do setor de varejo dizem que estão lidando com as consequências.

Não há a necessidade de "fechamento de mais unidades, isso tem a ver com processo de lojas que estavam muito deficitárias. Fechamos as lojas e tem uma série de outras que vamos acompanhando no processo de UTI", disse Elcio Ito, diretor financeiro da Casas Bahia, em entrevista na segunda-feira. "A gente não tem previsão de fechar mais lojas, pode ser que aconteça pontualmente. A grande parte do trabalho fizemos ano passado."

O acordo da Arezzo pela Soma está sendo finalizado com desconto de 20% desde seu anúncio no início deste ano. Mas as empresas, que obtiveram lucro em 2023, estão "confiantes no crescimento do setor do varejo para este ano", afirmaram em comentário à Bloomberg News.

Uma vez dominado por grandes empresas com apoio de bilionários, o setor de varejo no Brasil opera sob pilhas de dívidas. Muitas operadoras locais que gastaram muito em plataformas digitais para competir com gigantes globais do e-commerce agora estão sendo pressionadas pelas grandes empresas asiáticas de fast fashion, como a Shein e a Shopee.

"Empresas estrangeiras como Amazon e Shopee têm financiamento e as empresas locais não", disse João Pedro Soares, analista do Citigroup, em entrevista. "Cenário de juros criou um mercado com os locais que não era para ter existido. Locais cresceram muito mas não pelo negócio, eles pegaram uma onda. E agora eles estão sofrendo."

A Americanas, uma empresa quase centenária controlada por Jorge Paulo Lemann e outros dois bilionários, entrou com pedido de recuperação judicial em janeiro de 2023. "A Amazon e o Mercado Livre se beneficiaram muito com a saída de um player como a Americanas", disse Renato Donatti, analista da Fitch Ratings. "Os balanços foram prejudicados e as empresas estão implementando mudanças que levarão a uma recuperação lenta."

Empresas como Magazine Luiza, de propriedade da família bilionária Trajano, e Casas Bahia, viram seu valor de mercado despencar. A GPA, fundada por Abilio Diniz antes de ele perder o controle para um rival francês, vendeu ativos, incluindo sua sede em São Paulo.

No seu auge em 2020, a Magazine Luiza tinha uma capitalização de mercado de R$ 164 bilhões. Mas depois de os juros terem começado a subir no ano seguinte, a varejista viu 90% do seu valor de mercado evaporar, com as suas ações em circulação valendo apenas R$ 10,9 bilhões. O valor de mercado das Americanas, por sua vez, caiu de até R$ 63,8 bilhões para apenas R$ 505 milhões.

O choque no setor de varejo não se limita apenas ao Brasil. O Falabella — o segundo maior grupo varejista do Chile em vendas — está considerando vender vários ativos "importantes" ainda este ano, depois de desinvestir sua participação em shopping.

Toda essa tendência reflete o que aconteceu nos EUA, onde a ascensão da Amazon pressionou marcas que antes dominavam o mercado, como a Sears e a JCPenney, cujas antigas lojas se tornaram espaços de armazenamento para concorrentes do e-commerce.

Mas a ruína do varejo só atingiu o Brasil muito mais tarde, depois que as empresas locais aproveitaram as taxas de juro historicamente baixas para se endividarem, desenvolverem o comércio digital e oferecerem mais crédito aos seus clientes, expandindo os seus braços de empréstimo internos para impulsionar as vendas. A logística também provou ser um desafio maior a ser superado para as empresas internacionais de e-commerce na América Latina comparado com outros países.

"O varejo passou por uma montanha-russa nos últimos quatro ou cinco anos", disse o analista Luiz Felipe Guanais, do BTG Pactual. O aumento da inflação seguido de taxas de juro elevadas prejudicou o consumo e impulsionou os níveis de endividamento, "encolhendo" uma indústria que tradicionalmente tem margens mais baixas, Guanais acrescentou.

As gigantes estrangeiras têm se esforçado para preencher a lacuna, impulsionadas em parte pela redução das barreiras de entrada. Um programa do governo, por exemplo, isenta os impostos de importação em compras de até US$ 50 para empresas participantes, incluindo Shein e Shopee.

Para ganhar tração no Brasil, as empresas asiáticas adotaram um "sabor local", testando lojas pop-up e atraindo vendedores locais, disse Guanais.

No ano passado, a Shein anunciou que investiria US$ 148 milhões em uma parceria com 2.000 fábricas têxteis em todo o Brasil — uma forma de construir sua presença na região.

O Mercado Livre, por sua vez, se consolidou como a maior plataforma de e-commerce do Brasil e não mostra sinais de desaceleração. Ao contrário da Amazon, Shein e Shopee, foca exclusivamente na América Latina. Os lucros da empresa aumentaram no primeiro trimestre, impulsionados em parte pelo forte crescimento do mercado brasileiro.

A companhia, que tem sede no Uruguai, planeja investir quase R$ 23 bilhões no Brasil para abrir centros de distribuição em três estados, para elevar sua infraestrutura e logística no país, onde já tem a vantagem de poder entregar em até 48 horas. "O Mercado Livre é um consolidador", disse Soares, analista do Citi. "Ganhou participação de mercado e aprendeu a navegar no mercado latino."

A tendência para consolidações pode aumentar conforme a concorrência se intensifica — mesmo que a pressão sobre os varejistas locais se dissipe com uma política monetária mais frouxa, uma menor dívida das famílias e uma recuperação nos gastos dos consumidores.

O cenário também pode ficar ainda mais competitivo nos próximos meses, com o aplicativo chinês de e-commerce Temu avaliando planos de operar no Brasil ainda no primeiro semestre desse ano. "Se confirmado, o lançamento da Temu poderá intensificar ainda mais os riscos competitivos para os varejistas locais", disse Vinicius Strano, analista do UBS.

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