Descrição de chapéu
Ricardo Barboza

Ricardo Barboza: Agora sim é preciso cautela na política monetária

Não é óbvio que o Banco Central deveria aumentar a Selic na reunião do Copom desta quarta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ricardo Barboza

Professor da Coppead-UFRJ e mestre pela PUC-Rio

Não são raros os artigos arrogantes no debate econômico. Posicionamentos muitas vezes são vendidos como óbvios, quando na verdade existem custos e benefícios associados a cada política possível.

A maioria dos economistas acredita que o Banco Central deveria aumentar nesta quarta-feira (17) a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, iniciando um ciclo de aperto monetário que deve durar, pelo menos, até o final de 2022.

Não nego que haja motivos compreensíveis por trás da visão majoritária. É fato que a inflação no Brasil está em um patamar incômodo, afetando sobretudo o poder de compra das pessoas de menor renda. O IPCA deve bater 7,5% em junho e encerrar 2021 em 4,5%, sendo que o centro da meta de inflação é de 3,75%.

Copom decide nesta quarta (17) a nova taxa Selic. Na foto, quadro de cotação na Bolsa de Valores - Paulo Whitaker - 24.ago.2015/Reuters

Além disso, sabemos que o controle da inflação depende da boa ancoragem das expectativas —e sempre pode custar caro se a autoridade monetária vier a perder credibilidade.

Nesse sentido, é razoável propor que o guardião do poder de compra da moeda (leia-se, o BC) aumente a Selic nesse contexto. Afinal, o regime monetário que seguimos é o regime de metas para a inflação.

Isto posto, quais são os problemas em efetivarmos a política que emana do atual consenso? Vou elencar apenas alguns pontos, por questões de espaço.

Primeiro, pois a elevação da Selic vai piorar a já combalida situação do mercado de trabalho, que conta atualmente com a maior taxa de desemprego observada no Brasil desde 1976.

Segundo, porque a piora do mercado de trabalho ocorrerá em plena segunda onda da pandemia, que por si só já vai produzir pioras (cuja grandeza desconhecemos) no mercado de trabalho.

Um parêntese: há colegas argumentando que uma alta da taxa Selic pode ter efeitos positivos sobre a atividade econômica, podendo melhorar (ao invés de piorar) a situação do mercado de trabalho. Mas a verdade é que inexistem evidências que sustentem esta hipótese (a rigor, existe um estudo do BIS sobre expansão monetária contracionista, mas para países com dívida externa alta, o que não é o nosso caso).

Terceiro, porque a inflação atual está ligada àquilo que os economistas chamam de “choque de oferta”. Nesses casos, a reação considerada mais adequada costuma ser a de acomodar os efeitos primários desse choque nos intervalos de tolerância do regime de metas e combater apenas os seus efeitos secundários, com foco às medidas de núcleo de inflação —que seguem abaixo da meta de inflação.

Quarto, porque o horizonte relevante de política monetária já está em 2022, segundo o Banco Central. Nesse sentido, é preciso projetar a inflação nesse horizonte, sobretudo os núcleos de inflação.
Recorrendo a modelos de pequeno porte parecidos com o do Banco Central (não são idênticos, pois não sabemos exatamente como o Banco Central constrói as suas projeções), há cenários em que a inflação e os núcleos ficam próximos à meta em 2022, sob Selic constante e com uma ociosidade geral (ou, em economês, “hiato do produto”) maior do que a estimada pelo BC.

Diante disso, não é óbvio que o Banco Central deveria aumentar a Selic na reunião do Copom desta quarta (embora ele já tenha comunicado que vá nessa direção), muito menos sancionar as elevações de taxa de juros precificadas hoje pelo mercado.

Se há um momento que requer muita cautela (para usar o termo que o BC gosta de utilizar) na condução da política monetária, o momento é precisamente esse.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.