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Ex-mulher de Bezos não consegue doar fortuna que prometeu

Lucro crescente da Amazon tornou-se problema para filantropia de MacKenzie Scott

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Nicholas Kulish David Gelles
The New York Times

MacKenzie Scott prometeu que doaria sua fortuna “até esvaziar o cofre”. Mas isso se provou mais difícil do que ela esperava.

Scott fez essa promessa em 2019, depois de se divorciar de Jeff Bezos. Na época, sua parte do patrimônio do casal, por volta de 4% das ações da Amazon, foi avaliada em cerca de US$ 36 bilhões (R$ 183,1 bilhões).

Graças à disparada no valor das ações da companhia, a fortuna de Scott está crescendo mais rápido do que ela consegue doá-la. Ainda que tenha feito doações em valor de mais de US$ 8 bilhões (R$ 40,6 bilhões) nos últimos 11 meses, primariamente por meio de subvenções diretas a organizações sem fins lucrativos, hoje ela é mais rica que nunca, com um patrimônio superior a US$ 60 bilhões (R$ 305,2 bilhões).

MacKenzie Scott durante evento em Berlim, Alemanha - Jorg Carstensen - 23.abr.18/AFP

Em 2020, um ano de incríveis necessidades, Scott doou cerca de US$ 6 bilhões (R$ 30,5 bilhões), para 500 organizações. Agora, pela terceira vez em menos de um ano, Scott anunciou uma nova rodada de doações, em valor combinado de US$ 2,74 bilhões (R$ 13,9 bilhões), o que demonstra que sua dedicação a desembolsar rapidamente sua fortuna não diminuiu.

As doações mais recentes beneficiarão 286 organizações, entre as quais grandes universidades, fundações artísticas distintas e grupos sem fins lucrativos que trabalham para combater a injustiça racial e a violência doméstica. Entre os recebedores de doações –cujo valor médio é de pouco menos de US$ 10 milhões (R$ 50,8 milhões)– estão o Alaska Native Heritage Center, o Broward College, da Flórida, e o Jazz at Lincoln Center.

Ao desembolsar seus bilhões, Scott expressou alguma ambivalência sobre sua fortuna e a origem do dinheiro, escrevendo em seu blog que “seria melhor que riqueza desproporcional não ficasse concentrada nas mãos de poucos”.

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A ampla variedade de doações, e a maneira pela qual foram anunciadas, reflete a abordagem muito heterodoxa de Scott com relação à filantropia. Ainda que seu patrimônio líquido hoje exceda a dotação da Bill and Melinda Gates Foundation, a maior organização de caridade do planeta, Scott não demonstrou interesse por montar uma estrutura formal para administrar suas doações.

Ela não estabeleceu uma fundação, o que requereria documentação extensa e registro junto às autoridades, e talvez uma equipe numerosa. Em lugar disso, em três ocasiões dos últimos 11 meses, ela postou mensagens no site Medium, fazendo algumas reflexões sobre filantropia e as causas que apoia, e anunciou doações de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) ou mais.

Embora especialistas em filantropia elogiem a generosidade de Scott, a escala de suas doações gerou apelos por mais transparência.

“Mackenzie Scott é uma pessoa agindo em modo privado, mas está desempenhando um papel público”, disse Maribel Morey, diretora executiva e fundadora do Instituto de Ciências Sociais de Miami. “Da mesma forma que um juiz precisa explicar a lógica de suas decisões, ou que um senador precisa responder aos seus eleitores, um filantropo deve explicações ao público sobre como e por que chegou às suas decisões.

Pouco se sabe sobre como Scott seleciona as organizações a que faz doações, e não existe método formal para que organizações solicitem verbas. Em lugar disso, a maioria dos recebedores de doações é notificada sobre a situação quando eles são contatados por representantes de Scott, em muitos casos empregados do Bridgespan Group, uma consultoria sem fins lucrativos, e informados de que estão sendo considerados para uma doação considerável, de fonte anônima. As organizações têm de jurar sigilo, inicialmente, mas são autorizadas a falar sobre o dinheiro quando a mensagem de Scott sobre a doação é postada.

Porque Scott não tem uma fundação, ao menos parte de suas contribuições são realizadas por meio de um fundo assessorado por doadores, um veículo controvertido que facilita algumas doações de caridade.

É uma abordagem inovadora para a filantropia, e o objetivo parece ser proteger a privacidade da doadora, que Scott guarda zelosamente. Scott não concedeu entrevistas recentes à mídia, e seu círculo de amigos e assessores é muito fechado. Ela revelou alguma coisa sobre sua vida pessoal este ano, ao anunciar seu casamento com Dan Jewett, professor de química na escola de seus filhos.

Na sua mais recente rodada de doações, Scott não mencionou as quantias dadas a cada organização, mas sua mensagem de blog incluía uma lista dos beneficiários. Entre eles havia organizações de arte conhecidas, como o Apollo Theater e o Ballet Hispánico. O Dance Theater of Harlem, que recebeu US$ 10 milhões (R$ 50,8 milhões), disse que essa era a maior doação de sua história.

Scott também dinheiro a instituições de ensino superior, entre as quais algumas escolas da Universidade da Califórnia e da Universidade do Texas; a organizações que batalham pela justiça racial, como a Race Forward e a Borealis Philanthropy; a organizações cujo foco é a igualdade de gêneros e o combate à violência doméstica; e a diversas outras organizações sem fins lucrativos, entre as quais o Authors League Fund, que ajuda escritores que enfrentam necessidades financeiras, e a Afrika Tikkun, que trabalha para pôr fim à pobreza infantil na África do Sul.

E embora de muitas maneiras Scott esteja virando de cabeça para baixo a maneira pela qual a filantropia costumava funcionar nas últimas décadas, ela também fez doações a diversas organizações estabelecidas da comunidade de filantropia.

Como em suas mensagens públicas anteriores, a postagem mais recente de Scott em seu blog é uma reflexão pessoal sobre privilégio, necessidade e responsabilidade. Ela afirmou que sua esperança era “reduzir a ênfase nas vozes privilegiadas e ceder o foco a outros”.

Deixando de lado a maneira pela qual muitas fundações operam, Scott disse que suas doações não se destinavam a programas específicos. “Porque acreditamos que as equipes com experiência na linha de frente dos desafios saberão melhor como colocar o dinheiro em uso da melhor maneira, nós as encorajamos a gastá-lo como escolherem”, ela escreveu.

Como em mensagens anteriores, Scott incluiu uma referência literária, dessa vez ao poeta sufi Rumi.

Scott parece ciente de que sua fortuna vasta e crescente foi tornada possível pela Amazon, uma empresa que há muito enfrenta escrutínio pelas condições de trabalho precárias que impõe ao seu pessoal, e pelas diversas mudanças que promoveu na economia, em muitos momentos centralizando a riqueza e o poder, ao fazê-lo.

“Eu, Dan e uma constelação de pesquisadores, administradores e conselheiros, estamos todos tentando doar uma fortuna que foi criada por sistemas que precisam mudar”, ela escreveu.

Mas em sua mais recente leva de doações, Morey viu poucas indicações de que Scott estivesse usando sua riqueza para contrabalançar a influência da Amazon.

“É realmente essencial que qualquer filantropo lide com as desigualdades na criação da riqueza”, ela disse. “Se você quer ser uma voz importante no combate à desigualdade, precisa encarar a maximização de lucros da Amazon no setor privado”.

Tradizido originamente do inglês por Paulo Migliacci  

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