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Sob risco de judicialização, MP que abre caminho para privatizar Eletrobras vai à sanção

A operação é prioridade para Guedes, que ainda não conseguiu destravar seu plano de vender estatais

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Brasília

A Câmara aprovou nesta segunda-feira (21), por 258 votos a favor e 136 contrários, a medida provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras. A proposta, porém, é alvo de questionamentos, que devem parar na Justiça. O projeto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O avanço do aval para a privatização da Eletrobras representa uma vitória da agenda do ministro Paulo Guedes (Economia). Para isso, porém, o governo teve que ceder à pressão de congressistas e empresas do setor de energia. A desestatização da companhia é uma das principais prioridades de Guedes, que ainda não conseguiu destravar seu plano de vender empresas públicas.

Plenário da câmara preparado pra votação remota, em março de 2020 - Pedro Ladeira - 25.mar.2020/Folhapress

A discussão da privatização da Eletrobras começou durante o governo do então presidente Michel Temer (MDB), que não conseguiu aprovar a medida no Congresso.

O ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) foi à Câmara após a votação do texto principal da medida provisória. Ele se reuniu rapidamente com o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), e seguiu com o deputado ao plenário. Questionado sobre se o governo estaria preparando uma medida de racionamento, o ministro negou e disse: "vocês vão se decepcionar".

Segundo ele, uma das medidas será uma MP para "dar segurança jurídica na governança da crise hídrica." Essa MP sobre a crise na geração de energia em 2021 está em estudo pelo governo e aguardou a conclusão da proposta relacionada à Eletrobras.

O objetivo inicial da medida provisória analisada nesta segunda pela Câmara era possibilitar o aumento de capital da Eletrobras por meio da diluição da participação da União no controle da empresa. A ideia era que a companhia lançasse ações com direito a voto (ordinárias), diminuindo para cerca de 45% a fatia que a União tem hoje na elétrica. A MP permite ainda que a União faça uma oferta secundária de ações, vendendo sua própria participação na empresa.

No entanto, tanto na Câmara como no Senado o texto ganhou vários jabutis (mudanças que não estavam na versão original da proposta) que, segundo a União pela Energia, que reúne entidades do setor elétrico, poderão ter um custo de até R$ 84 bilhões, além de piorar a percepção de segurança jurídica entre investidores. O governo diz que, apesar dos jabutis, haverá redução no preço de energia e chama a proposta de modernização no setor elétrico.

O principal jabuti e que corre risco de judicialização está no mesmo parágrafo que estabelece o aumento de capital da Eletrobras. O trecho é considerado, por críticos à proposta, uma reserva de mercado para a contratação de termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas em regiões do país, além de prorrogar os contratos do Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) por 20 anos.

Pelo novo texto, serão distribuídos 1 GW para a Região Nordeste, 2,5 GW para a Região Norte, 2,5 GW para a Região Centro-Oeste e 2 GW para a Região Sudeste. No fim de maio, a Câmara chegou a aprovar uma versão que previa 6 GW. Essa contratação, portanto, foi ampliada no Senado na semana passada e confirmada nesta segunda pela Câmara.

A instalação desses empreendimentos gera polêmicas. Enquanto alguns dizem que a pulverização dos projetos no interior do Brasil favorece a economia nacional, outros afirmam que eles contrariam a lógica econômica, já que vão exigir investimentos bilionários na construção de gasodutos e linhas de transmissão apenas para favorecer grupos privados que atuam especificamente nesses locais do país.

André Soares de Freitas Bueno, membro da comissão de energia da OAB-SP, critica o texto e afirma que a MP incluiu vários temas que não têm relação com o aumento de capital da Eletrobras.

“O mais desastroso é uma reserva de mercado para contratação de térmicas a gás em determinadas regiões do país”, afirma. “Basicamente, redutos dos deputados e senadores. É uma festa para todo mundo. O governo está forçando a construção de termelétricas onde não tem gás, não tem gasoduto e nem linha de transmissão. Quem ganhar o leilão vai ter que arcar com esse custo, que será repassado aos consumidores."

Na avaliação dele, o risco de judicialização é grande, pois a medida contraria o princípio de modicidade tarifária. “Tudo o que o governo faz é para garantir a melhor tarifa para o consumidor. Quando você desvirtua, você destrói esse princípio básico e os consumidores pagam mais caro sem nenhuma racionalidade técnica.”

Ele afirma também que o governo atropelou atribuições da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia e que elabora as diretrizes para expansão do setor elétrico. “É a EPE que faz essas análise de quanto precisa acrescer de energia, olhando a modicidade. É papel da EPE fazer isso, não do Congresso.”

O parágrafo que traz a obrigação de contratar as termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas foi criticado por sua extensão —são mais de 650 palavras.

A Constituição estipula que o veto parcial somente pode abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Ou seja, se Bolsonaro quisesse vetar o trecho que traz a reserva de mercado, teria que vetar o aumento de capital da empresa, o principal objetivo da medida provisória.

Relator do texto, o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) foi questionado sobre se o extenso parágrafo que trata das concessões de termelétricas tinha objetivo de evitar um veto de Bolsonaro e respondeu: “mais ou menos. Mais ou menos fica mais assegurado que a vontade do congresso vai prevalecer neste assunto.”

Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) lembrou que a norma que rege a técnica legislativa exige que as leis tenham frases curtas e concisas, para serem claras, e que, para serem lógicas, devem restringir o conteúdo de cada artigo a um único assunto ou princípio, expressando por meio dos parágrafos, incisos, alíneas e itens as discriminações e enumerações pertinentes.

Na avaliação dele, o parágrafo “é o perfeito exemplo de má técnica legislativa”. “Mais grave do que isso, a questão de técnica legislativa, nesse caso, está longe de ser um mero erro. Ela se presta a ferir uma regra basilar da Constituição da República, que é a relativa ao veto presidencial.”

Em resposta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o parágrafo extenso está de acordo com o regimento da Casa. "Agora, como ele não fere o preceito regimental que abale a questão de ordem impetrada, não tenho outra alternativa senão negar a questão de ordem."

Partidos da oposição já sinalizaram que devem entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar barrar a privatização. A articulação envolve bancadas da Câmara e do Senado.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, informou ainda que o partido irá apresentar um projeto de decreto legislativo ao Congresso para que haja um referendo sobre a desestatização da Eletrobras.

A proposta aprovada atropela o Ibama e a Funai para dar início à construção de uma linha de energia elétrica de alta tensão na terra indígena waimiri-atroari (Amazonas e Roraima). O texto diz que, uma vez que concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), fica a União autorizada a iniciar as obras do Linhão de Tucuruí. O caminho comum é que a Funai e o Ibama emitam parecer quando esse plano fica pronto.

Numa vitória do governo, a Câmara derrubou um pedido da bancada do Piauí. O Senado havia previsto que o estado receberia uma indenização de aproximadamente R$ 260 milhões pela privatização da Cepisa (Companhia Energética do Piauí).

Também foi derrubado o jabuti que determinava que, a partir de julho de 2026, todos os consumidores poderiam optar pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica. Pelo texto, haveria uma redução gradual da demanda mínima para essa escolha livre. Essa medida será discutida em outro projeto na Câmara.

Os deputados aprovaram, por acordo, um destaque que autoriza a participação do Exército Brasileiro nos projetos do programa de revitalização dos recursos hídricos das bacias do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba. ​

A MP foi enviada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de fevereiro. Foi uma sinalização ao mercado de que a agenda liberal de Guedes segue de pé.

Embora tenha se manifestado contra a privatização da Eletrobras durante a campanha, Bolsonaro passou a defender a medida. Nesta quarta (16), o presidente disse que haverá um "caos energético" no Brasil sem a aprovação da MP da privatização.

A expectativa é que União arrecade cerca de R$ 60 bilhões com a operação. Para aprovar a privatização, o governo aceitou ficar com uma fatia menor desse valor, e conceder uma parcela maior para políticas no setor de energia.

Entenda a MP da Eletrobras

  • Dilui a participação da União no controle da Eletrobras
  • Eletrobras poderá lançar ações com direito a voto, sem que a União acompanhe esse aumento de capital. Com isso, a União deve ficar com cerca de 45% de participação na empresa
  • União poderá fazer oferta secundária de ações e vender fatia na Eletrobras
  • MP contempla contratação de termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas em regiões do país
  • Serão distribuídos 1 GW para a Região Nordeste, 2,5 GW para a Região Norte, 2,5 GW para a Região Centro-Oeste e 2 GW para a Região Sudeste
  • Texto prorroga os contratos do Proinfra (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica)
  • Proposta atropela o Ibama e a Funai para dar início à construção de uma linha de energia elétrica de alta tensão na terra indígena waimiri-atroari (Amazonas e Roraima)
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