Campanhas com diversidade geram mais retorno do que críticas, afirmam analistas

Burger King diz que 70% aprovaram comercial com crianças falando sobre casais homoafetivos

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São Paulo

Campanhas em prol da diversidade realizadas por empresas em junho, mês orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer —pessoas de gênero fluido—, intersexuais, assexuais e outros), foram exaltadas por apoiadores, ao mesmo tempo em que sofreram críticas de conservadores.

Para especialistas da área de publicidade, quando campanhas mais ousadas são criadas, ou ações de maior impacto feitas, é inevitável que consumidores que discordam vão se manifestar. Mas isso, dizem, também bem-vindo.

“Se você se posiciona como marca que quer estimular tolerância e tem clientes que não apoiam isso, na mesma medida em que você perde relacionamento com esses consumidores, que não são tão interessantes, ganha com os que estão alinhados”, afirma Silas Colombo, fundador da Motim, aceleradora de reputação empresarial.

No último dia 28, o Burger King lançou campanha com filhos de pais LGBTQIA+ comentando como é ter dois pais ou duas mães e o que pensam sobre casais homoafetivos e pessoas transgênero. Para elas, é tudo natural. Ao final, a campanha afirma que “se eles conseguem, você consegue”.

O Burger King afirmou que análises preliminares realizadas pela rede indicam que mais de 70% dos entrevistados apoiam a causa e a campanha. Disse ainda não ter registrado impacto nas vendas.

Mas a campanha também rendeu críticas. Uma escola de Pernambuco, disse que a rede estaria colocando crianças “sob ataque”. O apresentar da Rede TV! Sikêra Jr. também criticou a campanha em seu programa, o Alerta Nacional, afirmando que "essa raça desgraçada que quer que a gente aceite que a criança... deixe as crianças, rapaz", o que fez a atração perder patrocinadores.

Em nota, o Burger King afirmou que "trabalha de forma consistente reforçando o compromisso com a diversidade e a inclusão", e que o público alvo da campanha eram os adultos. A empresa também reforça que "objetivo era falar sobre amor, inclusão e respeito acima de tudo.”

No ano passado, o anúncio de programa de trainee apenas para pessoas negras no Magazine Luiza também dividiu opiniões.

Patricia Pugas, diretora-executiva de gestão de pessoas da empresa, afirmou a iniciativa foi discutida com juristas, ONGs e o Ministério Público do Trabalho, e que, seis meses após a entrada dos trainees, pode dizer "com convicção que o programa foi uma excelente decisão”.

Em junho, foi a vez da Leite Moça virar alvo nas redes sociais após a substituir a tradicional camponesa nos rótulos da embalagem por mulheres negras, gordas, magras e mais velhas, inspiradas em histórias de brasileiras. Como nos outros exemplos acima, houve apoio e críticas.

Para Fabio Mariano Borges, professor do mestrado profissional em Comportamento do Consumidor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), mesmo com o risco de críticas, é melhor que as empresas expressem seus posicionamentos sobre pautas como diversidade sexual, igualdade de gênero e racismo antes que sejam cobradas pelos clientes.

“Ficar calado é um posicionamento, e dos piores”, afirma. É o chamado silêncio ensurdecedor, expressão usada para se referir à falta de posicionamento de pessoas e marcas.

O mercado também aumentou a pressão por posicionamentos. Fundos que investem em negócios pautados por ESG –boas práticas ambientais, sociais e de governança– alocam recursos em empresas ligadas a esses temas, e companhias que adotam esses compromissos passam a cobrá-los de seus fornecedores.

Colombo ressalta que as empresas não precisam dizer que fazem parte de determinado movimento, como a causa gay —principalmente quando seu segmento de atuação não é focado naquele determinado grupo, já que isso poderia alienar outros tipos de consumidores.

A melhor estratégia, defende, é se mostrar um aliado da causa, e pautar comunicações pela exaltação da diversidade.

Propagandas educativas, que deixem claro por que a companhia acredita ser importante falar daquele assunto, também ajudam a tornar a mensagem mais palatável para quem ainda é resistente a essas lutas, diz Marcelo Chianello, diretor de recursos humanos da Adventures, Inc, que trabalha com estratégias de branding.

“Quando você discute respeito, cuidado e amor ao ser humano, é inevitável que a grande maioria vai achar que [a propaganda] tem todo o valor”, afirma.

Há o risco, porém, do discurso não condizer com a prática. Os consumidores estão atentos ao chamado rainbow washing, quando negócios e pessoas que não são ligados à pauta de diversidade, nem têm ações afirmativas sobre ela, se vendem como entusiastas do movimento, apenas para agradar ao público.

Um exemplo são empresas que não tocam no tema na diversidade ao longo do ano, mas colocam as cores do arco-íris em seus logos durante o mês de junho.

"Há cinco anos, as empresas no Brasil questionavam muito por que elas deveriam investir em diversidade. Hoje elas não questionam mais, mas não sabem como fazer", diz Carine Roos, diretora-executiva da consultoria de diversidade Newa.

Ela afirma que os funcionários das companhias percebem rapidamente quando a mensagem não tem respaldo naquilo que eles vivenciam no dia a dia. “Por exemplo, uma funcionária poderia falar que o marketing é lindo, mas que sua esposa não pode ser colocada como sua dependente no plano de saúde corporativo. Essas incongruências vão ser geradas e é pior para a empresa”, diz.

Pesquisas já mostraram que ter pessoas de orientação sexual variada e com deficiência, negros e mulheres no quadro de funcionários e em posições de chefia ajuda o negócio a ser mais rentável. Um estudo da McKinsey com 700 empresas do Brasil, Chile, Peru, Argentina, Colômbia e Panamá mostrou que aquelas percebidas pelos funcionários como tendo diversidade de gênero tinham 93% mais chances de superar o desempenho financeiro de suas concorrentes.

Ainda segundo o estudo, ambientes corporativos que permitam diversidade têm funcionários mais satisfeitos, que desejam permanecer mais tempo no emprego e com vontade de ascender dentro da empresa. Nessas companhias, 63% dos funcionários dizem estar felizes no trabalho, contra 31% em negócios que não são comprometidos com a diversidade.

Campanhas e iniciativas de apoio à diversidade

Burger King
Campanha lançada em 28 de junho mostra crianças dando impressões sobre ter famílias com membros da comunidade LGBTQIA+ e como enxergam casais homoafetivos e pessoas transgênero. A peça afirma: “Não sabe como explicar LGBTQIA+ para crianças? Aprenda com eles”

Pantys
A empresa de roupa íntima absorvente lançou uma cueca com tecido absorvente para “pessoas que menstruam”. Na campanha, três homens transexuais contam suas experiências com menstruação. Segundo a sócia-fundadora Emily Ewell, a empresa percebeu a invisibilidade dos homens trans e a importância de se posicionar. “Menstruação não tem gênero”.

Leite Moça
A tradicional camponesa da embalagem foi substituída por mulheres negras, gordas, magras e mais velhas, inspiradas em histórias de brasileiras

Magazine Luiza
Lançou, no ano passado, um trainees apenas para pessoas negras. O programa teve 22,5 mil inscritos, mais do que os 18 mil habituais, e selecionou 19 profissionais

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