Empresário lança celular para conservadores contra big techs

'Freedom Phone' custa US$ 500 e foi fabricado na China

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Jack Nicas
Nova York | The New York Times

Foi uma apresentação para um público politicamente polarizado. Erik Finman, um rapaz de 22 anos que se autointitula o mais jovem milionário em bitcoins do mundo, postou um vídeo no Twitter de um novo smartphone que, segundo ele, libertaria os americanos de seus "dominadores, as big techs".

Seu vídeo vistoso, postado em julho, tinha música animada, bandeiras americanas e referências aos ex-presidentes Abraham Lincoln e Donald Trump. Analistas conservadores apoiaram o Freedom Phone [Telefone da Liberdade] de Finman, e seu vídeo conseguiu 1,8 milhão de visitas. Finman logo recebeu milhares de encomendas do aparelho de US$ 500 (R$ 2.590).

Então veio a parte difícil: produzir e entregar os telefones. Primeiro, ele recebeu críticas iniciais negativas a um plano de simplesmente colocar seu software em um telefone chinês barato. Depois havia o trabalho nada glamuroso de enviar os aparelhos, contratar agentes de serviço ao cliente, recolher impostos sobre as vendas e lidar com órgãos reguladores.

"Eu senti que estava praticamente preparado para qualquer coisa", disse ele. "Mas acho que é meio como quando você deseja a paz mundial, no sentido de que não pensa que vai acontecer."

O fundador da ClearCellular, Michael Proper, parceiro de Erik Finman no Freedom Phone - Kim Raff/The New York Times

Até para as startups mais largamente financiadas é difícil competir com as gigantes da indústria de tecnologia, que dominam seus mercados e são avaliadas em trilhões de dólares. Finman fazia parte de uma indústria crescente de tecnologia de direita que encara o desafio, de qualquer modo, contando mais com a aversão de seus clientes conservadores pelo Vale do Silício do que com conhecimento ou experiência.

Existem provedores de nuvem hospedando sites de direita, um chamado site de vídeo de liberdade de expressão competindo com o YouTube e pelo menos sete redes sociais conservadoras que tentam competir com o Facebook.

A rede social de direita Parler, fundada pela megadoadora conservadora Rebekah Mercer, esteve lutando pela sobrevivência no início do ano, depois que Apple, Google e Amazon retiraram seus serviços. Outra empresa de rede social popular entre a extrema direita, Gab, tem lutado para crescer sem um lugar nas lojas de aplicativos da Apple ou do Google. E Gettr, uma rede social criada por veteranos do governo Trump, foi imediatamente hackeada.

Finman, que tem cabelo tingido de loiro e barba castanha que delineia o queixo, se autodenomina um agente de mudança tanto para a tecnologia quanto para a política republicana.

Em entrevista descontraída enquanto saboreava kebabs de cordeiro num restaurante turco em Nova York, ele falou sobre a política britânica; citou o imperador romano Marco Aurélio e o estilista alemão Karl Lagerfeld; e explicou por que acha "patético" o Partido Republicano moderno. Os líderes do partido reclamam da censura das big techs, disse ele, mas pouco fazem a respeito.

Em 2014, a revista New York descreveu Finman como um jovem de 16 anos dos arredores de Coeur d'Alene, em Idaho, que tinha enriquecido alguns anos antes, quando gastou em bitcoins US$ 1.000 (R$ 5.180) que ganhou de presente de sua avó.

Em 2017, sua fortuna chegou a US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhão), e ele postava fotos online posando com celebridades do YouTube, entrando e saindo de jatos particulares e queimando notas de US$ 100 (R$ 517). Mas ele se cansou da cena da criptomoeda.

"Na verdade, odeio falar sobre bitcoin", disse ele. "É como 'Rolling Stones, toquem os sucessos'."

Ele mergulhou na política. Disse que aos 12 anos se considerava um libertário. (Foi em um comício de Ron Paul, o ex-candidato presidencial, que alguém lhe falou pela primeira vez sobre bitcoins.) Mas sua política mudou em 2016, quando Trump chegou ao cenário político nacional.

Nos anos seguintes, disse Finman, ficou preocupado com o que via como o Vale do Silício censurando as vozes conservadoras. Ele também identificou uma oportunidade de negócios em outros republicanos que compartilhavam suas preocupações. Então visou a dominação da Apple e do Google e tentou criar um novo smartphone de direita.

"A política é o novo passatempo nacional, baby", disse Finman. "Mesmo coisas apolíticas como uma porcaria de travesseiro acabam se tornando políticas", acrescentou, referindo-se a Mike Lindell, fundador do MyPillow, que propagou mentiras sobre as eleições de 2020.

Para fazer um smartphone, porém, ele tinha que contar com o Google. O software Android da empresa já funciona com milhões de aplicativos, e o Google faz uma versão gratuita e aberta do software para os desenvolvedores modificarem. Então Finman contratou engenheiros para retirar qualquer sinal do Google e enchê-lo de aplicativos de redes sociais e veículos de notícias conservadores. Em seguida, carregou o software em telefones que comprou da China.

O Google e a Apple não quiseram comentar.

Para lançar o telefone, ele gravou um infomercial no qual classificou as empresas de tecnologia como inimigas do estilo de vida americano.

"Imagine se Mark Zuckerberg banisse Martin Luther King ou Abraham Lincoln", disse ele no vídeo. "O curso da história teria sido modificado para sempre."

Ao mesmo tempo, uma série de personalidades de direita lançou o telefone para seus seguidores. Elas ganhariam US$ 50 (R$ 260) para cada cliente que usasse seus códigos de desconto.

Milhares de pessoas compraram o telefone de US$ 500 (R$ 2.590). Outras, incluindo alguns conservadores, rapidamente criticaram a oferta.

"Não é um mau instinto", disse Zachary Graves, especialista em políticas de tecnologia da Lincoln Network, um grupo de pensadores libertário. "Mas quando vi o vídeo pela primeira vez, esperava que eles dissessem 'Ao vivo de Nova York, é sábado à noite!'" [em referência ao programa humorístico Saturday Night Live].

Rapidamente, os meios de comunicação informaram que o Freedom Phone era baseado em um aparelho de baixo custo da Umidigi, fabricante chinês que usava chips que se mostraram vulneráveis a hacks. Finman, que comercializou o aparelho como "o melhor telefone do mundo", ficou na defensiva.

Numa entrevista em julho, Finman admitiu que a Umidigi fez o telefone, mas ainda disse que tinha "100%" de certeza de que era mais seguro do que o iPhone mais recente. A Apple tem dezenas de milhares de engenheiros. Finman disse que empregou 15 pessoas em Utah e Idaho.

Ele afirmou que não se surpreendeu com as críticas, mas ficou decepcionado com as vendas. Isso o deixou diante de responsabilidades que não havia planejado, incluindo a certificação pela Comissão Federal de Comunicações (FCC) e regras especiais para o envio de dispositivos com baterias de lítio. Ele contratou moradores de sua cidade natal em Idaho para trabalhar num centro improvisado de atendimento ao cliente e lutou para resolver os problemas de impostos sobre vendas.

Um mês após o lançamento do telefone, Finman encontrou uma solução: vender o telefone de outra pessoa e atuar como fachada da marca. Assim como Trump vendeu bifes Trump e vodca Trump sem administrar uma fazenda de gado ou uma destilaria, Finman se livrou da difícil tarefa de realmente administrar uma fábrica de telefones.

"Quando as coisas ficarem difíceis, traga o pessoal de 50 e poucos anos", disse Finman. "Eles podem ser os que passam noites sem dormir."

Ele se associou a uma empresa de 13 anos em Orem, Utah, chamada ClearCellular, que já havia criado um telefone desconectado da Apple e do Google. A empresa também tinha experiência com logística, frete e atendimento ao cliente.

As empresas adicionaram os papéis de parede American Flag e aplicativos conservadores ao dispositivo da ClearCellular e o chamaram de Freedom Phone. Finman disse que o telefone também tem sua "PatriApp Store", embora a ClearCellular forneça o suporte tecnológico para a loja de aplicativos.
Finman receberá uma porcentagem, mas eles não dizem quanto.

As avaliações do novo telefone não foram positivas. O site de análise de produtos CNET disse que o dispositivo de US$ 500 (R$ 2.590) parecia "quase igual a um telefone Android de US$ 200 [R$ 1.035]".

Michael Proper, 46, fundador da ClearCellular, disse que Finman estava "realmente construindo uma marca". Criar uma companhia telefônica é ambicioso, e "não apenas software, segurança, hardware, mas cadeia de suprimentos, estoque e capitalização", acrescentou. A força de Finman é "estar conectado com pessoas na comunidade da liberdade".

Finman disse que teve cerca de 12 mil pedidos do "telefone da liberdade", gerando uma receita de cerca de US$ 6 milhões (R$ 31 milhões) em pouco mais de sete semanas. Finman e Proper disseram que ainda têm cerca de 8.000 aparelhos para enviar. Finman se recusou a conectar o The New York Times a qualquer cliente.

Finman disse que Proper "é como meu Phil Knight, e o Freedom Phone é como os Jordans", referindo-se ao cofundador da Nike que ajudou a transformar os tênis de Michael Jordan em um sucesso cultural e comercial.

O acordo liberou Finman para se concentrar menos em administrar uma companhia telefônica e mais em construir uma operação política. Em entrevista por telefone na semana passada de Washington, onde se reuniu com potenciais investidores, ele disse que o Freedom Phone poderia enfrentar os liberais, além de libertar seus clientes das big techs.

Ele explicou que durante as eleições pretende fazer o Freedom Phone direcionar os usuários para as seções eleitorais próximas. E quer criar um feed de notícias no telefone onde possa promover artigos conservadores.

"Eu vejo isso absolutamente como uma das ferramentas políticas definitivas", afirmou. "Todo mundo tem um no bolso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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