Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Bancos devem descarbonizar seus investimentos, diz gerente da IFC no Brasil

Para Carlos Leiria Pinto, alinhamento da economia aos princípios ESG passa pelo sistema financeiro

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Belo Horizonte

"Eu acho que é precisamente o sistema financeiro que vai dar o contributo mais importante para que os países e as suas economias possam se alinhar com o Acordo de Paris". A afirmação é de Carlos Leiria Pinto, gerente-geral da IFC (International Finance Corporation) no Brasil, braço de desenvolvimento do Banco Mundial voltado ao setor privado.

Em entrevista à Folha, ele diz que os bancos precisam se comprometer com a descarbonização de seus portfólios. No entanto, mais importante do que simplesmente restringir o investimento em setores poluentes, é preciso dar incentivos para que os agentes econômicos atuem de forma mais sustentável.

"Se não houver, de fato, um marco regulatório, não vamos chegar lá. Mas só um marco regulatório não é suficiente", afirma.

Retrato de homem tirado da tela do computador
Carlos Leiria Pinto, 59, é gerente geral no Brasil da IFC (International Finance Corporation). Nascido em Portugal, é formado em engenharia civil pelo Instituto Superior Técnica e tem MBA com concentração em administração de negócios pela Universidade Nova Lisboa. Atuou como membro do conselho de administração do Banco Montepio e presidente da empresa de administração de recursos de terceiros Montepio Valor, em Portugal - Marlene Bergamo/Folhapress

No ano fiscal encerrado em julho de 2021, a IFC bateu recorde de investimentos no Brasil: foram US$ 2,85 bilhões (R$ 15,9 bilhões) em projetos no país. Em alguns deles, a instituição vinculou o custo do crédito ao cumprimento de metas ambientais.

Um dos financiamentos foi para a Corsan, empresa de saneamento do Rio Grande do Sul. A métrica de sustentabilidade que condicionou o preço do crédito se baseou no desperdício de água: se a companhia conseguir reduzir a perda de 44% para 35%, o spread da IFC –​diferença entre a taxa de captação e o que ela cobra em empréstimos– reduz.

"A nossa aproximação e a nossa estratégia são sempre pelos incentivos positivos", diz.

Os bancos têm um papel importante para o desenvolvimento de uma economia verde. Como o senhor vê a atuação do setor financeiro hoje em relação aos princípios ESG [ambiental, social e governança, na sigla em inglês]?

Eu acho que é precisamente o sistema financeiro que vai dar o contributo mais importante para que os países e as suas economias possam se alinhar com o Acordo de Paris. E por quê? Porque os bancos são quem dão crédito.

Eles condicionam os investimentos e, portanto, se os bancos estiverem alinhados à pauta ESG em função do Acordo de Paris, eles automaticamente estarão alinhando toda a economia nesse sentido.

O que é preciso explicar —e não só ao sistema financeiro, mas a todo o universo econômico— é que isso é uma oportunidade de negócio. Não é uma restrição, não é uma dificuldade, não é um obstáculo. É uma oportunidade de negócio.

Nós da IFC fizemos um cálculo do que é a dimensão do mercado verde no mundo até 2030. É algo em torno de US$ 23 trilhões [R$ 128,6 trilhões]. Se focarmos apenas no Brasil, é US$ 1,3 trilhão [R$ 7,3 trilhões] que podem ser investidos.

Isso vai ser investido em transportes sustentáveis, energias renováveis, em melhor eficiência energética e, finalmente, numa área ainda muito ignorada, muito desconhecida, que é o que nós chamamos de edifícios sustentáveis.

Se nós estivermos falando apenas de infraestrutura urbana sustentável, esse volume é de US$ 760 bilhões [R$ 4,2 trilhões]. Isso é um mercado, tem que ser visto como uma enorme oportunidade de negócio.

Recentemente o Banco Central anunciou uma série de medidas de sustentabilidade, alterando, entre outras coisas, as regras de gerenciamento de risco social, ambiental e climático. Como o sr. avaliou?

Parecem medidas muito interessantes. No fundo, essas normativas pretendem trazer para dentro do marco regulatório brasileiro os conceitos de risco social, ambiental e climático. Isso é muito inovador e em nada está atrasado em relação aos países mais avançados. Se nós olharmos a regulação europeia, não há tanta diferença.

O que está acontecendo, por exemplo, com o Banco Central Europeu é, de alguma forma, o que o Banco Central do Brasil também está querendo fazer. O BC está seguindo as melhores práticas que estão sendo implementadas na União Europeia.

O BC também fez uma coisa curiosa: a criação do Bureau Verde, que tem a ver com a especificidade do país.

O Brasil tem biomas naturais únicos no mundo, e isso faz com que o Banco Central tenha a compreensão de que o crédito ao agronegócio é muito mais importante aqui do que na Alemanha, Inglaterra ou nos Estados Unidos. Requer um cuidado especial.

Esse Bureau Verde pretende ser um instrumento, uma plataforma que integra toda a informação cadastral e legal para ajudar os bancos quando tiverem de fazer a análise de um crédito ao agronegócio.

Dessa forma poderão acessar toda a informação para tomar uma melhor decisão. Esse sim é um produto singular do Brasil e parece-me uma ideia extremamente interessante.

Mas é preciso muito mais. É necessário que o setor integre isso, compreenda e faça o buy-in [compra] de toda essa história.

Diante da gravidade da crise climática, algumas pessoas argumentam que é preciso parar de investir em setores poluentes. O sr. acha que os bancos deveriam se comprometer com a descarbonização de seus portfólios?

Sim, claro. Eu tenho uma posição que é: mais [importante] do que proibir é orientar. Aonde o banco vai ter mais benefício? Ao financiar uma indústria poluente ou ao incentivar essa indústria, eventualmente, a melhorar a forma como trabalha?

Um exemplo paradigmático vem do que aconteceu com Brumadinho. Você acha que os bancos que estavam por trás disso ficaram bem? Ficaram mal, perderam dinheiro, os acionistas perderam muito dinheiro.

Os bancos percebem que é uma questão de sustentabilidade, mas porque a sustentabilidade é quem gera o melhor negócio.

Vou lhe dar um exemplo. Nós desenvolvemos uma certificação para edifícios sustentáveis chamada Edge. Na versão mais básica, um edifício que consiga provar uma redução no consumo de água e de energia em 20% já tem direito à certificação.

Nós estamos trabalhando com um banco que está ganhando competência na gestão de risco de construções sustentáveis, está promovendo isso junto aos incorporadores brasileiros.

O que vai acontecer? Um incorporador que chegar a esse banco com um projeto de um shopping center, ou de um hotel, ou de um galpão e não tiver certificação, fica na fila do crédito. Mas, se tiver na fila, vai ter um fast track [faixa rápida] e, provavelmente, o banco vai dar um financiamento mais barato, porque deseja financiar construções sustentáveis..

Portanto, é um incentivo positivo, que não é proibir. É dizer: "Incorporador, você traz um projeto sustentável e eu te dou um spread mais barato". Esse é um caminho.

A descarbonização dos investimentos via regulamentação, ou proibição, seria menos interessante do que por um sistema de mercado?

São os dois. Se não houver, de fato, um marco regulatório, não vamos chegar lá. Mas só um marco regulatório não é suficiente.

O Brasil, apesar de tudo, tem uma legislação ambiental muito sofisticada, porém a Amazônia continua a queimar e a ficar desflorestada. Ou seja, não é só a legislação que basta, é preciso que os agentes econômicos estejam incentivados positivamente a mudarem as suas atitudes.

Se você pensar nos grandes exportadores de carne brasileiros, são potencialmente grandes causadores de desmatamento por meio do gado que compram indiretamente. Eles já perceberam que isso não pode continuar.

Os grandes mercados compradores querem ter a certeza que esse exportador não está implicado no desmatamento. Então eles próprios [agem], porque entendem que a sua sustentabilidade a médio e longo prazos vai depender de que sejam capazes de demonstrar que têm uma rastreabilidade de todo o seu gado.

Acha que essa descarbonização do setor financeiro deve ganhar corpo no curto prazo aqui no Brasil?

Ela já está acontecendo. No ano passado, cerca de 21% do crédito concedido no Brasil já tinha um componente climático. Ainda não é fabuloso, mas também podemos ver o lado do copo meio cheio. Antes não havia nada e hoje já há 21%. Qual é o desafio? Fazer isso crescer mais.

Nós também investimos e somos parceiros neste desafio. Para dar um exemplo, nós financiamos a Corsan, empresa de água e saneamento do Rio Grande do Sul. Fizemos um produto verde que se chama sustainability-linked loan, que é um empréstimo linkado a um KPI [indicador de performance] de sustentabilidade.

Hoje 44% da água que a Corsan trata e capta não é faturada, é perdida no sistema de distribuição. Fizemos um empréstimo para a empresa fazer os investimentos na renovação da rede, mas demos um KPI de redução da perda d'água. O objetivo é que, no fim, essas perdas passem de 44% para 35%.

Ainda é muito alto, mas só essa diferença já é muito grande. Se eles conseguirem fazer isso, o nosso spread se reduz. Ou seja, o custo financeiro para a empresa reduz. A nossa aproximação, a nossa estratégia, é sempre pelos incentivos positivos.

Um dos focos da IFC é o combate ao greenwashing [propaganda enganosa verde]. Como a instituição está enfrentando isso?

Temos que estar, todos os agentes, extremamente comprometidos em evitar o greenwashing. Nós geramos documentos e pretendemos divulgá-los para todos os países. O greenwashing se combate com regras uniformes, standards [padrões] e com auditorias credíveis. Isso é importante. É importante haver auditorias que certifiquem o cumprimento de determinados requisitos.

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