Custo do Tesouro para se endividar sobe 71% em 2021 com precatórios e risco fiscal

Taxas aceleraram após Guedes citar meteoro, as dívidas reconhecidas pela Justiça, e começar discussão para flexibilizar sentenças

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Brasília

Os preços pagos pelo Tesouro Nacional para pegar novo dinheiro emprestado chegam a subir 71% neste ano com investidores exigindo mais por preocupações com a inflação, as contas públicas e a proposta do governo para driblar o teto de gastos.

O aumento nas taxas acelerou desde que o ministro Paulo Guedes (Economia) mencionou um meteoro de despesas não previstas.

A declaração, em 30 de julho, fazia referência aos precatórios —dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça e que o governo tenta deixar de pagar integralmente em 2022 para abrir espaço para outras despesas.

Desde que Guedes mencionou o meteoro e deu o pontapé na discussão dos precatórios, a elevação nas taxas das novas emissões subiu 29% (em pouco mais de três meses).

As taxas no dia anterior à declaração haviam ficado em 9,3% ao ano. Nos leilões mais recentes, atingiram a marca de 12% —a maior desde 2018.

Os números são observados no título indicado pelo Tesouro para verificar as expectativas de longo prazo do mercado, as NTN-F (Notas do Tesouro Nacional, série F) com vencimento de dez anos. Os demais papéis também apresentam elevação no período.

A elevação tem ligação direta com as informações sobre as contas públicas, de acordo com o próprio Tesouro.

"A gente teve um movimento expressivo nos juros, com alta considerável. Ela basicamente traduz o noticiário fiscal, intenso e com muitas incertezas", afirmou o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Luis Felipe Vital, em entrevista recente sobre os números.

A turbulência se intensificou no mês passado com a iniciativa do governo de mudar a correção do teto de gastos (que limita o aumento das despesas) e com a indicação de Guedes de que poderia pedir uma licença para furar a regra constitucional de forma a atender as demandas da classe política.

O drible no teto de gastos gerou uma debandada na equipe de Guedes.

Quatro secretários pediram demissão logo após a manobra ser apresentada ao Congresso, inclusive os chefes do Tesouro Nacional e da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento.

As medidas em discussão se refletiram também em outros indicadores. Desde que Guedes mencionou o meteoro, a Bolsa caiu 16% e o real caiu 9% frente ao dólar.

O CDS (Credit Default Swap, indicador de risco-país) do Brasil apresentou alta de 10,8% durante a última semana de outubro sobre o mês anterior, alcançando o valor de 228 pontos.

Enquanto isso, todos os outros países acompanhados pelo Tesouro tiveram melhora —são eles Chile (queda de 4,2%, para 84 pontos), México (queda de 6,1%, para 95), Colômbia (queda de 9%, para 153) e Peru (queda de 19,9%, para 84).

Como consequência do humor do mercado, o Tesouro teve que ajustar leilões, reduzindo lotes em alguns casos para não pagar tão caro e aguardar momentos de maior estabilidade do mercado.

Cristiano Corrêa, professor de finanças e coordenador do curso de administração da escola de negócios Ibmec, afirmou que o mercado está reagindo à incerteza do imbróglio fiscal brasileiro e também aos receios que o não pagamento dos precatórios desperta em relação a outros compromissos do governo —como a própria dívida pública.

"A gente percebe que o mercado cobra pela ineficiência do governo em resolver o impasse do teto de gastos e dos precatórios", disse. "O medo do investidor é que isso [não pagamento] abra portas para acontecer em outras esferas", afirmou.

Fernando Hadba, responsável pela área de renda fixa da empresa de análises financeiras Eleven Financial, apontou um conjunto de fatores influenciando as taxas. Entre eles, as expectativas de maiores inflação e juros, o que é alimentado pela previsão de mais despesas geradas por medidas como a PEC dos precatórios.

"O compromisso de ser austero com uma inflação mais baixa perdeu um pouco da credibilidade. Eu reajo, como? Ah, agora você [governo] quer emitir mais um título de renda fixa? Eu [investidor] só aceito com a taxa de juros mais alta", afirmou.

Apesar do crescimento das taxas, Habda disse que os números indicam que o mercado estaria esperando uma inflação média anual acima de 6% para os próximos dez anos —o que indica, em parte, um exagero na precificação dos papéis.

"Há uma incerteza, e na incerteza as pessoas exigem um prêmio maior. Às vezes, exageram", afirmou.

A elevação nos leilões de títulos contribui para elevar o custo médio da dívida do Tesouro como um todo, que chegou a 7,79% ao ano em setembro. O total da dívida pública federal em estoque é de R$ 5,4 trilhões.

Procurado, o Tesouro mencionou que há uma série de fatores elevando as taxas, mas citou três motivos em particular.

O primeiro é a alta dos juros em diversas economias para contenção de pressões inflacionárias. O segundo é o aumento do ciclo de alta da política monetária especificamente no Brasil. E o terceiro são as discussões sobre expansão da política fiscal no país, com impacto nas expectativas dos investidores.

"Nos últimos meses, observou-se tendência de aumento nas taxas de juros ao longo de toda a curva de títulos públicos federais, refletindo em aumento nas taxas dos leilões e nas estatísticas de custo médio da dívida", afirmou o Tesouro.

"O Tesouro Nacional monitora permanentemente o mercado de títulos públicos e conta com flexibilidade para ajustar sua atuação em momentos de maior volatilidade, com destaque para sua política de manutenção de disponibilidades de caixa (o colchão da dívida) em montantes confortáveis", disse.

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