Saudade de festa faz demanda por buffet disparar, mas falta mão de obra

Empresários reativam negócios parados por 20 meses; inflação impacta custos, e agora orçamento só vale por 10 dias

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Brasília

Laura Estima, 58 anos, logo percebeu que alguma coisa estava mudando nos hábitos da clientela da Doces de Laura. "Desde a metade de outubro, a encomenda deixou de ser de bolos pequenos, de um ou dois quilos, e passou a ser de seis quilos, diz a gaúcha, que fundou a doceria há 28 anos na Vila Madalena, zona oeste da capital paulista.

"Da mesma maneira, os docinhos, que nem eram encomendados, começaram a sair, dois centos de uma vez. Sinal de que as pessoas estão aglomerando de novo, as festas voltaram", comemora.

O avanço da vacinação combinado ao fim das restrições de capacidade, que trouxe junto a liberação das pistas de dança, está gerando um aumento expressivo no número de festas que ficaram suspensas durante a pandemia.

São aniversários, casamentos, bodas e até a saudosa "festa da firma", que volta a acontecer depois da temporada de home office.

"Todo mundo enlouqueceu atrás de festa", diz Ricardo Dias, 52, presidente da Abrafesta (Associação Brasileira de Eventos).

"É como se as comportas de uma represa tivessem sido abertas: o pessoal está querendo orçamento em cinco minutos", diz ele, que vê as festas menores, porém mais requintadas.

Mulher loira e menino estão deitados em piscina de bolinhas coloridas
Waldirene Colosso de Sá Freire e o filho Matheus, de 6 anos, no buffet infantil Bumble Bee, em São Bernardo do Campo (SP): festa precisou ser suspensa depois que o pai e o menino contraíram Covid-19 - Zanone Fraissat/Folhapress

Guilherme Campos, 59, diretor do Sebrae São Paulo, confirma que os eventos estão voltando com tudo –a maior parte do setor é formada por microempreendedores e pequenas empresas. "Existe muita procura e diversos locais estão sem datas disponíveis, especialmente os abertos e arejados, em meio à natureza", diz ele.

Os casamentos têm tido grande demanda, depois de enfrentar vários adiamentos nos últimos 20 meses, seguidos por eventos corporativos e festas infantis.

"O pessoal quer recuperar os momentos com colegas de trabalho, família e amigos".

Até antes da pandemia, o setor movimentava ao ano cerca de R$ 17 bilhões em eventos sociais e R$ 250 bilhões em eventos corporativos, como feiras e congressos, segundo levantamento do Instituto Locomotiva para a Abrafesta. Nas contas da associação, eram cerca de 300 mil empresas.

"Acredito que metade desse total fechou as portas nestes quase dois anos de restrições", afirma Dias.

Quem continuou no mercado, porém, precisa enfrentar dois grandes problemas: a inflação acelerada, que exige um esforço maior em colocar preço nas comemorações, e a falta de mão de obra especializada. E, eventualmente, escassez de insumos, como flores.

Floricultores de Holambra, maior polo produtor e distribuidor de flores do país, viraram hortifruticultures durante a pendemia, conta Dias, lembrando a extensa cadeia de profissionais especializados que envolve a realização de uma festa.

"Somos especialistas em logística e planejamento. Para fazer um evento acontecer, é preciso pensar desde a cozinha e o serviço, com garçom e bartender, até o gerador para garantir a energia, selecionar quem vai fazer a montagem da estrutura e a decoração, quem será responsável pelos equipamentos de áudio e vídeo, pela segurança", afirma Dias.

"As engrenagens dessa cadeia se quebraram durante a pandemia, porque grande parte desses profissionais foi fazer outra coisa, já que 85% da mão de obra é formada por freelancers".

Na ânsia de voltar a trabalhar, muitos fornecedores não estão repassando o aumento de custos, de mão de obra e insumos. "Neste cenário, vamos ver parte dos eventos não sendo entregues, é difícil executar sem reajustar preços", afirma Dias.

Nível etílico avança após a pandemia

Vinicius Rojo, 45, da Rojo Gastronomia, já teve que declinar de alguns eventos pela falta de tempo hábil. "Na última segunda-feira [8], o pessoal de um banco me ligou pedindo uma festa para quarta-feira [10]", diz o empresário, que tem recebido pedidos de orçamento até na véspera da festa.

Para o próximo dia 22, Rojo vai atender uma grande consultoria que vai dar uma festa da firma diferente: serão quatro eventos, para 25 pessoas cada um, realizados simultaneamente na casa de cada um dos sócios da empresa, uma multinacional.

"Isso gera um enorme custo operacional, mas percebo que as empresas europeias ainda querem evitar muita gente junta", diz o empresário.

Em dois grandes eventos de Réveillon da sua programação, porém, a aglomeração é certa: em um condomínio de luxo no interior de São Paulo, para 1.500 pessoas, e uma festa em um clube em Angra dos Reis (RJ), para 1.000 convidados.

A demanda etílica das festas cresceu: Rojo calcula 20% a mais de álcool nas festas do pós-pandemia.

Os custos também subiram muito em relação a 20 meses atrás: inflação de 40% na comida e de 20% na mão de obra, segundo Rojo.

"Eu só consigo passar uma pequena parte disso para o cliente, algo entre 5% e 10%", diz. "A nossa operação está complexa: os eventos são muitos, mas de menor porte, falta profissional e a margem está bem mais apertada do que antes".

Festas infantis também voltaram. Será no Bumble Bee SBC, em 26 de novembro, a festa de aniversário que Matheus, 6, não pôde realizar em 24 de setembro. Ele e o pai foram diagnosticados com Covid horas antes da festa.

"Meu chão fugiu", diz empresária Waldirene Colosso de Sá Freire, 42, mãe de Matheus.

"Na semana do aniversário, meu irmão, que trabalha comigo, começou a ter sintomas. Eu já tinha feito o teste e deu negativo. Mas, no dia da festa, meu marido começou a sentir febre. Depois do exame, ele e meu filho entraram imediatamente em quarentena", diz.

Naquele dia, precisou correr para avisar os 50 convidados que a festa estava cancelada –inclusive parte da família que estava vindo de Campinas (SP).

Só faltou o fotógrafo, o único a chegar à festa, justamente quando o pessoal do buffet já estava de saída. "Mas todos foram muito gentis e atenciosos comigo, não cobraram nada pela suspensão".

Passado o susto e com todos da família a salvo, chegou a hora de tratar a frustração do filho e dos amiguinhos dele, com a festa finalmente agendada.

"Agora estamos empolgados de novo", conta.

Marcel Biazon, 46, sócio do buffet infantil Bumble Bee SBC, em São Bernardo do Campo (SP), diz que já tem metade da demanda de antes. Ele segurou os preços no nível pré-pandemia para atrair a clientela. Mas, para os eventos no ano que vem, já reajustou a tabela em 10%.

"Precisamos manter o nível de qualidade, principalmente da comida, o nosso maior atrativo, já que tudo disparou", afirma o empresário, que começou a colocar um período de validade nos orçamentos: 15 dias, algo que não existia antes.

"Os preços estão subindo quase semanalmente", diz Biazon, que também precisou demitir quase metade da equipe durante a pandemia.

O buffet que virou carrinho

A devastação provocada pela Covid-19 nos negócios de eventos forçou parte dos empresários a buscar alternativas para continuar trabalhando neste período. No final, a alternativa se mostrou mais viável que o próprio buffet. Foi o que aconteceu com a empresária Miriam Catibi, 40, ex-dona do Fiorello, em Higienópolis, na capital paulista.

Na pandemia, ela criou com a sócia Luíza Helena Fioravanti, 44, o Recomendo Quitutes, um marketplace com indicação de fornecedores de bolos, tortas, doces e salgados, que já forneciam para o buffet.

Também aproveitaram para testar, fora do ambiente do buffet, a popularidade dos carrinhos gourmet que serviam no Fiorello comida preparada na hora —risotos, massas, crepes, tapiocas, pizzas etc. A aceitação surpreendeu.

"Os eventos corporativos vieram com tudo", diz Miriam. "Mas também temos demanda para aniversários, batizados, primeira comunhão", afirma a empresária, que no mês passado vendeu o Fiorello para o grupo de eventos DellOrso.

Elas mal estão dando conta de atender a demanda pelos carrinhos gourmet, cujo preço do serviço varia de R$ 50 a R$ 200 por pessoa. Mas estão atentas à inflação galopante. "Nosso orçamento vale no máximo por dez dias", diz Luíza.

A empresária Ana Cristina Macias, 47, também mudou de rumos com a pandemia. Ela teve que fechar seu restaurante, Mami Chef, e abriu um buffet de comida saudável, o Mami Bistrô.

No começo da pandemia, tentou vender marmitas por um aplicativo mas não deu certo por causa das taxas, altas demais. Mudou para um concorrente e o negócio deslanchou.

Nos últimos dois meses, porém, com o retorno gradual aos escritórios, viu que a demanda pelas marmitas caiu. "Foi a chance de investir nos eventos corporativos", afirma.

A agenda de Ana Cristina está lotada de festas de confraternização e amigo secreto, que variam de 50 a 150 pessoas cada uma. "É o momento de comemorar a vida, depois de todo esse tsunami".

casal de noivos caminha em igreja decorada com flores
Maiaty e Fábio se casam na igreja Nossa Senhora do Brasil em 6 de novembro, na capital paulista - Divulgação

Noivos marcaram três datas para casar

E foi em 6 de novembro que a odontopediatra Maiaty Scigliano, 32 anos, e o policial militar Fábio Vedovato, 31, conseguiram comemorar.

Depois de quatro anos juntos, decidiram que a pandemia não iria pará-los. Ainda em junho de 2020, marcaram a data do casamento para maio de 2021.

"Queria muito me casar no mês das noivas", diz Maiaty. "Mas cada vez que eu via o [governador de São Paulo, João] Doria na TV, dizendo que as restrições continuavam, eu ficava frustrada", afirma. "Eu não iria me arrumar toda, convidar nossas famílias e amigos, para uma cerimônia de 45 minutos na igreja. A gente queria festa".

De 8 de maio, o casamento foi remarcado para 2 de outubro. "Conforme foi chegando perto da data e as restrições continuavam, a gente já estava pensando em desistir de se casar este ano e remarcar a cerimônia para o ano que vem", diz Fábio.

"Mas aí descobrimos que teríamos que pagar uma multa de 40% com alguns fornecedores", diz Maiaty. O casamento tinha que acontecer em 2021.

Uma nova data foi confirmada com todos os fornecedores: 6 de novembro. Para a alegria de Maiaty e Fábio, finalmente, as pistas de dança foram liberadas em 1º de novembro no estado de São Paulo. A festa aconteceu no buffet Fiorello, para 150 convidados.

O casal providenciou, na recepção, três lacinhos para serem distribuídos entre os convidados: verde, amarelo e vermelho. Cada um deveria escolher um laço de acordo com o nível de contato que quisesse manter na festa, sendo verde abraço liberado, amarelo, com moderação, e vermelho, sem contato.

"Faltou lacinho verde para todo mundo", diz Maiaty, lembrando que apenas duas mulheres grávidas decidiram pelo lacinho vermelho. "Fizemos para proteger os convidados, principalmente os idosos, mas todos estavam com muita saudade de aproximação".

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