Suspender emendas do relator ameaça contratos sobre dados da Previdência, diz INSS

Instituto afirma que não há risco para pagamentos ou atendimentos, mas diz que bloqueio das verbas agrava dificuldade de honrar contratos

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Brasília

A suspensão da execução de verbas ligadas às emendas do relator não atinge apenas as negociações do governo Jair Bolsonaro (sem partido) com o Congresso.

Em ofícios enviados ao Ministério da Economia, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) apontou que pode deixar de cumprir com contratos de ações estratégicas, como da Dataprev, empresa pública que mantém toda a base de dados da Previdência.

Aplicativo Meu INSS - Gabriel Cabral/Folhapress

Esse impacto ocorre porque R$ 350 milhões em verbas de emendas do relator foram incorporadas ao orçamento do instituto para cobrir despesas discricionárias, como contratação de serviços.​

Em outros ministérios, os recursos são aplicados principalmente em convênios e obras.

A execução dessas emendas, chamadas de RP9, está suspensa desde o dia 5 por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Relatora de ação sobre o caso, a ministra Rosa Weber defende que não há transparência nos repasses destas verbas, o que violaria princípios constitucionais da "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

A decisão de Rosa foi seguida por sete dos dez atuais ministros da corte. Apenas dois votaram contra.

O instituto disse à Folha que não há risco de interromper pagamentos ou atendimentos.

O INSS estimou ao Ministério da Economia que terá perda de R$ 95,7 milhões com a decisão do STF, pois já havia programado a execução de uma série de despesas, "o que trará grandes problemas nos trabalhos de encerramento do presente exercício orçamentário".

O presidente do Instituto, José Carlos Oliveira, pediu à equipe do ministro Paulo Guedes "urgência na análise e adoção de providências", segundo ofícios assinados no dia 9 e obtidos pela Folha. "Haja vista os graves prejuízos que a suspensão em questão ocasionará a este instituto", afirmou ainda Oliveira.

Em nota técnica também enviada à Economia, o INSS disse que já pediu crédito suplementar para cumprir com os seus contratos e que a suspensão das emendas do relator agrava as dificuldades de pagamentos.

"Esse quadro geral, mais que apontar para os impactos no cumprimento de contratos, explicita a repercussão negativa na capacidade da autarquia em cumprir seu papel público de atender aos milhões de brasileiros aos quais o órgão presta serviços e que, em última instância, são também os legítimos mantenedores do Fundo do Regime Geral da Previdência Social [FRGPS]", afirmou o instituto.

O órgão apontou que pode deixar de pagar a Dataprev, empresa "responsável pelo processamento das despesas com benefícios previdenciários do FRGPS, e que gera o pagamento à clientela previdenciária".

O instituto disse à pasta de Guedes que cortará repasses de despesas com o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e de contratos com os Correios, caso as verbas sigam bloqueadas.

O órgão também vê dificuldades para remanejar recursos entre as suas ações orçamentárias para cumprir com gastos de unidades administrativas. Isso porque a decisão do STF impediria que o relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), assinasse essa transferência das verbas.

Em nota enviada à Folha, o INSS adotou tom diferente daquele apresentado ao ministério. Disse que a "dificuldade financeira" do instituto "não tem relação alguma com o que ocorre no STF".

O instituto apontou que precisa de R$ 300 milhões para fechar o orçamento até o fim de 2021.

"O recurso financeiro para garantir a manutenção de todas as atividades do órgão já está sendo buscado e negociado com os entes responsáveis (no caso, a Secretaria de Orçamento Federal). Isso deve ser acertado na próxima reunião com a Junta de Execução Orçamentária", afirmou o INSS, em nota.

O órgão também afirmou que jamais deixou de atender o público ou suspender serviços. "Não há motivo algum para que isso ocorra agora."

Essas emendas RP9 têm sido manejadas por governistas com apoio do Palácio do Planalto às vésperas de votações importantes para o Executivo.

Em 2020, cerca de R$ 20 bilhões foram reservados para os gastos que são indicados pelo relator-geral do Orçamento, após as negociações políticas. O valor para 2021 é R$ 16,85 bilhões, sendo que R$ 9,31 bilhões foram empenhados até a decisão do Supremo.

Mas nas costuras do Orçamento, uma parte dos recursos acaba sendo aplicada para gastos ordinários de órgãos ou em ações que não atendem ao interesse específico de um parlamentar.

Em 2020, por exemplo, a Fiocruz recebeu R$ 260 milhões das emendas do relator para ações de combate à Covid-19. ​

O INSS já empenhou R$ 316 milhões das verbas autorizadas de emenda do relator e pagou R$ 245,26 milhões. Ou seja, o órgão ainda tem crédito que deseja usar para fechar as contas do ano.

Questionado sobre a suspensão das emendas e o alerta do INSS, o Ministério da Economia disse que ainda depende de uma decisão final do STF para "se manifestar sobre seus potenciais impactos".

A decisão do STF referendou uma liminar (decisão provisória). O mérito da ação contra as emendas do relator ainda não foi analisado pela corte.

De acordo com técnicos do Legislativo, o Congresso poderia remanejar os recursos que hoje estão reservados para emendas do relator. Assim a verba não ficaria parada.

A estratégia em discussão no Congresso após a decisão do STF é destinar esse dinheiro para uma outra classificação dentro do Orçamento, como a chamada RP2, código de despesas do governo.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), avaliou que, em um primeiro momento, a suspensão não fortaleceria o governo.

"Como o RP9 [código de emenda de relator] está suspenso, ele vai ficar num vácuo. Agora, se acabar com a RP9, aí vai tudo para RP2 [código de despesa discricionária do governo], e fortalece o governo", disse.

Ao ser transferida para o código de despesa discricionária, a verba de emendas entra na mesma contabilidade que gastos para funcionamento da máquina pública. Com isso, nem sequer será tornado público o valor negociado com parlamentares.

O diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto, afirmou que a decisão pode acabar dando ainda menos transparência às negociações de emendas.

"Hoje a gente não sabe que parlamentar originou aquela emenda. Quanto foi liberado? A gente não sabe. O que pode acontecer é o Congresso transformar tudo isso em RP2. Vai ficar pior ainda."

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