Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Brasil deveria ser a primeira nação neutra em carbono, diz presidente da Roland Berger

Segundo António Bernardo, o país tem potencial para liderar dentro de um novo modelo econômico

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Belo Horizonte

A pandemia e a crise do clima estão causando grandes mudanças no modelo de desenvolvimento econômico, e o Brasil tem potencial para ser um dos países vencedores. Quem faz essa afirmação é António Bernardo, presidente da consultoria internacional Roland Berger no Brasil.

Em entrevista à Folha, ele diz que o país deveria se esforçar para ser o primeiro a atingir a neutralidade de carbono. "Isso seria uma meta fantástica. Quase todos os países, principalmente na Europa, estão colocando 2050 como prazo para a neutralidade", diz.

António Bernardo, presidente da Roland Berger Brasil, na sede da empresa em São Paulo, em 2018 - Karime Xavier/Folhapress

Para Bernardo, o Brasil pode ser líder em tudo que é relacionado a indústrias sustentáveis, mas é preciso que o setor privado tenha um papel diferente.

Segundo ele, as companhias ainda estão apenas no discurso do ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança), apesar de algumas boas exceções.

"Ainda falta profundidade, ou seja, analisar claramente toda a cadeia de valor", afirma. "Temos que ir para o próximo nível, que é realmente mexer no modelo de negócio. As empresas com uma verdadeira orientação para a sustentabilidade terão melhor retorno no médio prazo."

Como o senhor enxerga o atual cenário econômico global e qual o potencial do Brasil?

O que temos visto é que a pandemia e as mudanças climáticas estão causando grandes mudanças nos modelos econômicos e sociais. Há uma nova vaga emergindo e o Brasil pode sair vencedor.

O Brasil deveria ser um dos primeiros a atingir a neutralidade de carbono. Isso seria uma meta fantástica. Quase todos os países, principalmente na Europa, estão colocando 2050 como prazo para a neutralidade. O Brasil deveria ser o primeiro, ou um dos primeiros países, a atingir esse objetivo.

O Brasil tem sido criticado internacionalmente pela atuação do governo na questão ambiental. Ainda existe ceticismo dos investidores?

Existe. Os investidores ainda estão céticos sobre o posicionamento do Brasil face a essas questões de mudanças climáticas e transição energética. Claro que eles veem a diferença entre um grupo de empresas que já tem uma visão estratégica e que podem ter vantagens competitivas. Mas também veem um sistema político pouco proativo sobre esses aspectos.

Há um ceticismo pela questão da Amazônia e as notícias que saem sobre o desmatamento. Ao contrário de outros países, esse é o principal desafio do Brasil para a descarbonização.

Existe a necessidade de criar um consenso nacional sobre três ou quatro grandes questões, e essa certamente seria uma delas. Os investidores estão na expectativa de ter essa confirmação. Por um lado, eles consideram que o país tem potencial para ser líder nesse modelo de desenvolvimento, mas ainda não enxergam um consenso nacional sobre isso.

Quais são essas grandes questões a que o senhor se refere?

Uma questão muito importante é o crescimento econômico. O Brasil tem que crescer acima de 5% ao ano nos próximos 20 anos. Esse crescimento passa por um aumento drástico do PIB per capita, que está quase congelado há anos. A terceira meta é a redução da desigualdade. Se o Brasil não tiver uma classe média forte, será difícil ter um crescimento econômico sustentável.

Outra questão é o aumento da produtividade com investimento em inovação, e um quinto aspecto é a meta de neutralidade de carbono. O Brasil deveria se esforçar para ser o primeiro, ou um dos primeiros, a atingir a neutralidade. Há muito potencial para que isso aconteça.

Como se chega lá? Com um papel diferente do Estado, sendo mais estratégico. Um Estado menor e melhor. Mas, sobretudo, um papel diferente das empresas.

O senhor menciona um crescimento acima de 5% ao ano. No Brasil, é possível conciliar esse avanço ao respeito a questões climáticas?

As mudanças climáticas e as oportunidades que vão existir na transição energética vão criar novos negócios, onde o Brasil pode ser um player global muito importante. Eu acredito que o país pode ser um dos mais competitivos em hidrogênio verde, como já é em renováveis. Em tudo o que é relacionado a indústrias sustentáveis, o Brasil pode ser líder.

Qual seria o papel das empresas nesse novo modelo?

O papel delas é fundamental, não só nos aspectos econômicos, mas também nos aspectos sociais e na influência para que o sistema político entenda quais são os programas de médio e longo prazo que criam riqueza no país.

As companhias podem ter uma contribuição muito grande nessa influência, assim como na abertura da economia e nas privatizações. Para isso, as federações e confederações devem se transformar. Elas precisam ser verdadeiros think tanks, independentes dos governos e com um papel de reforço da competitividade e da inovação.

As empresas têm tanta força na economia que, se estiverem juntas, podem influenciar e condicionar positivamente o sistema político.

O senhor acredita que as empresas abririam mão de uma parte de seus lucros em prol de um desenvolvimento mais justo?

Eu fiquei muito impressionado com um grupo relevante de empresários com o qual eu falei. Eles acham que esse modelo [de acumulação] está exaurido, que acabou. Se não reduzir a desigualdade, se não criar uma classe média mais forte e redistribuir a riqueza, o mercado não vai se desenvolver com o potencial que existe. Eu senti uma grande abertura, não só das empresas, mas até dos empresários em nível pessoal.

Mas ainda estamos numa pandemia onde os bilionários ficaram mais bilionários e uma parte da população voltou a passar fome. Quando o empresariado fala isso, não gera um certo ceticismo?

Acho que pode gerar, mas isso tem sido bem entendido. Eu estava falando com esses empresários e notei que eles tinham essa visão estratégica e vontade de mudar. Eles acham que o desenvolvimento do país, neste momento, não é tanto [pelo caminho de] acumular mais riqueza, mas de redistribuir melhor.

Eu vejo uma visão estratégica moderna, com empresários que não têm só o objetivo de enriquecer, mas de contribuir para a melhoria da sociedade. Seria uma pena se o Brasil não conseguisse congregar essas vontades para ter um impacto ainda maior no sistema econômico e social.

Esse movimento das empresas está acontecendo na proporção e na velocidade adequadas?

Não está. Há pequenos grupos pioneiros que estão falando, mas precisa haver uma dimensão maior. As federações e confederações podem ter um papel importante, mas é necessário que elas mudem a maneira de atuar e sejam independentes do governo.

Essas entidades deveriam criar com esses principais empresários um movimento, que não é um movimento político. Acho que o embrião está lançado, agora é preciso ganhar corpo. O Brasil, em 2030, pode ser um país vencedor.

O senhor mencionou a questão da neutralidade de carbono, mas recentemente vimos um aumento expressivo nas taxas de desmatamento. Essa tendência precisaria ser contornada. Há perspectiva para isso?

É indispensável. A pressão positiva desse movimento [empresarial] vai ter um papel muito importante. Mesmo no agronegócio, as empresas já começam a demonstrar que querem sustentabilidade, porque, se não for assim, os produtos [que elas vendem] deixarão de ser aceitos.

Como o senhor vê essa onda ESG? Está só no discurso ou o compromisso é real?

De um modo geral, ainda está em termos de comunicação, de relações públicas. Há um conjunto de empresas que já avançou, mas é a minoria. Ainda falta profundidade, ou seja, analisar claramente toda a cadeia de valor e entender o que precisa ser feito para melhorar em termos ambientais, sociais e de diversidade, entre outros.

Temos que ir para o próximo nível, que é realmente mexer no modelo de negócio. As empresas com uma verdadeira orientação para a sustentabilidade terão melhor retorno no médio prazo, os funcionários vão preferir trabalhar com elas e o próprio mercado de capitais vai dar mais apoio.

Isso é outra coisa importante, o papel dos bancos no ESG. Eles terão de analisar seus portfólios e ter coragem de não dar crédito ou aumentar as taxas para as empresas que não implementam essa agenda. Os bancos são grandes indutores da transformação das empresas.

O Estado também não teria um papel de indutor dessas questões?

Acho que sim, mas não precisa ser um Estado pesado. Esse Estado estratégico, como eu chamo, tem esse papel de regulador, incentivador e fiscalizador.

Como o senhor avalia o setor privado brasileiro na comparação com a Europa, tendo em vista esse novo modelo econômico?

A Europa definiu a sustentabilidade e a transição energética como o tema para liderar nos próximos 20 anos. Sob o ponto de vista de inovação, a União Europeia tem ficado um pouco atrás dos Estados Unidos e da China, mas agora decidiu que é o momento de liderar em alguma coisa.

Nos próximos três anos, só Portugal, Espanha e Itália vão investir algo como 400 bilhões de euros [R$ 2,5 trilhões] nesses programas de transformação econômica e social. Só esses três países.

O Brasil está numa fase inicial. Nós vemos algumas empresas mais avançadas e conscientes desses aspectos, mas há um grande gap [lacuna] em relação ao resto das companhias.


RAIO-X

António Bernardo, 62

Presidente da consultoria internacional Roland Berger no Brasil e responsável pelos escritórios de Portugal, México e Angola. Nascido em Portugal, passou pela Comissão Europeia e foi diretor de finanças corporativas no Deutsche Bank - Investment Bank. É também membro da diretoria da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha.

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