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Luca Belli

Dia da Proteção de Dados evoca trauma do nazismo e questiona abuso de informações pessoais

Data, celebrada nesta sexta (28), lembra que consciência da importância do tema para a sociedade, a economia e a democracia ainda é desafio

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Luca Belli

Professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio

O dia 28 de janeiro é o Dia da Proteção de Dados. Essa tradição começou na Europa em 2006, mas tem suas origens no dia da assinatura do primeiro tratado internacional sobre proteção de dados: a Convenção para a Proteção de Indivíduos com Relação ao Processamento Automático de Dados Pessoais, comumente referida como "Convenção 108."

O dia 28 de janeiro marca a data em que a Convenção 108 foi aberta para assinatura entre os 47 estados membros do Conselho da Europa em 1981. Ela é o primeiro (e único!) instrumento juridicamente vinculante do mundo sobre proteção de dados pessoais.

É importante salientar que, ao definir princípios, regras e obrigações sobre a proteção de dados, o objetivo primordial da Convenção 108 é "garantir o respeito aos direitos e liberdades fundamentais e, em particular, o direito à privacidade", como destaca o artigo 1 do tratado desde 1981 até sua versão modernizada em 2018.

Ilustração proteção de dados
Ilustração proteção de dados - Pixabay

Então, já em 1981, era evidente que a proteção de dados pessoais era essencial para garantir "em particular", mas não somente o direito à privacidade, entre os direitos fundamentais protegidos.

Por que, na Europa dos anos 1980, onde smartphones, plataformas digitais, manipulação online e internet eram ainda desconhecidos, já era tão evidente que o (ab)uso de dados pessoais poderia afetar uma ampla gama de direitos fundamentais, inclusive a liberdade de expressão, a liberdade de movimento, a liberdade de associação e o direito à não discriminação?

Não à toa a Convenção foi elaborada para um grupo de estados nos quais a lembrança dos horrores da Segunda Guerra Mundial era ainda viva. Tal lembrança incluía a consciência de que o uso de dados pessoais pelos regimes nazista e fascista foi essencial para identificar cidadãos de origem semita, discriminar minorias "indesejáveis" e opositores, e deportá-los para campos de concentração onde seriam exterminados.

É sempre bom lembrar que a eficiência nazifascista na localização e deportação foi possível, em larga medida, graças a alguns dos primeiros exemplos abusivos de análises de big data.

Como destacava Willy Heideiger, executivo da Dehomag, subsidiária da IBM que processava dados da população alemã por conta do governo nazista, tal processamento permitia "classificar com grande precisão a população alemã, baseado em múltiplas caraterísticas".

Lembre-se que uma de tais "classificações" era a identificação de pessoas por suas caraterísticas raciais, étnicas, religiosas e médicas, para se alcançar uma limpeza eugênica.

Por causa de seu valor simbólico e normativo, desde 1981 a Convenção 108 inspirou a criação de inúmeras leis nacionais, bem além das fronteiras europeias. Em 2006, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa decidiu lançar o "Dia da Proteção de Dados", para celebrar a importância do assunto.

Esta recorrência agora é comemorada globalmente. A enorme expansão de países com leis sobre a proteção de dados pessoais contribuiu para difundir essa tradição, para além da regulação. Até o Congresso dos EUA, apesar de ainda não ter aprovado uma lei geral de proteção de dados, em 2009 declarou o 28 de janeiro como o "Dia nacional da privacidade de dados".

Embora não tenha um dia nacional da proteção de dados, o Brasil registrou enormes avanços normativos e institucionais sobre o tema. Além da adoção da Lei Geral sobre Proteção de Dados (mais conhecida sob o acrônimo LGPD) em 2018 e sua completa entrada em vigor em agosto de 2021, foi criada uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados, e o direito à proteção de dados foi consagrado na Constituição Federal pelo Congresso em outubro de 2021.

Todavia, é também essencial lembrar os enormes desafios que ainda existem antes de alcançar aquela que o Professor Stefano Rodotà, um dos ​pais dos estudos sobre ​proteção de dados, chamava de "cultura de proteção de dados", entendida como a consciência difundida na população da relevância da proteção de dados para o bom funcionamento da sociedade, da economia e da democracia.

A proteção de dados ainda precisa de um enorme esforço, sobretudo pedagógico e institucional, para se tornar uma realidade no Brasil. Uma boa maneira para o Congresso Nacional sinalizar seu apoio a esse assunto crucial seria a institucionalização do "Dia da proteção de dados" no Brasil!

Ao comemorar a proteção de dados, brasileiros e brasileiras precisam celebrar a chegada de mais direitos para os indivíduos, regras mais previsíveis para empresas, e mais credibilidade pelos estados e pelas sociedades que adotam regulação que permite o uso, mas proíbe o abuso de dados pessoais.

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