Descrição de chapéu Governo Biden inflação

Inflação inédita em 40 anos surpreende os EUA e vira meme

Preços subiram 7% em 2021; salto nos preços espanta os mais jovens

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Washington

Steven Kamin se surpreendeu ao receber uma carta da concessionária de automóveis. Em vez de oferecer novos carros, a loja queria comprar de volta seu veículo.

"Queriam pagar pelo meu Toyota Corolla mais do que paguei por ele quando o comprei em 2017", comenta ele, que é economista e ex-diretor de Finanças Internacionais do Fed, o banco central americano.

Kamin estuda a situação da inflação nos EUA, que vive um momento inédito em 40 anos: o país fechou 2021 com taxa anual de 7%, algo não visto desde 1982. Assim, a geração que chega aos 30 anos agora no país passou a vida em mundo com certa estabilidade nos preços: a inflação anual oscilava na faixa de 1,6% a 3,4% desde 1991, e atingiu 4,1% apenas em 2007.

pessoas olham carro preto e carro branco em frente a loja
Consumidores avaliam carros usados em loja em Miami - Chandan Khanna - 12.jan.2022/AFP

A gasolina, por exemplo, estava abaixo de US$ 3 o galão (3,6 litros) desde 2015. Historicamente, o preço médio nunca passou de US$ 4. Agora, está em torno de US$ 3,40, segundo dados do Departamento de Energia.

Já o preço de 1 libra (454 gramas) de carne bovina moída atingiu preço médio de US$ 4,71 em novembro de 2021, o maior valor desde o início da série histórica, em 1984, segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho.

Com a alta de preços, intensificada ao longo de 2021, a inflação em si virou tema de conversas, postagens em redes sociais e brincadeiras nos EUA, por ser algo pouco frequente no país. Há duas semanas, o New York Times publicou uma reportagem sobre a inflação que lembra uma chamada do programa "Globo Repórter": o que é, como te afeta e como lidar com o problema.

A principal causa apontada para a alta de preços são os efeitos da pandemia: a paralisação de atividades para conter a circulação do vírus, assim como a falta de trabalhadores que tiveram de ficar afastados por estarem contaminados ou que não queriam se expor a riscos, geraram uma série de atrasos na produção e na entrega de produtos, que ainda não foi plenamente resolvida.

A alta no preço dos carros, por exemplo, é fruto da falta de peças, especialmente chips. Boa parte deles vem de fábricas da Ásia, em países que tiveram fortes ondas de Covid.

"Inflação é um problema real, muitas pessoas estão sendo atingidas por ela. Mas um terço da inflação na América é consequência do preço dos automóveis", disse o presidente Joe Biden, em discurso na sexta (28). O preço médio dos carros usados subiu 36% nos últimos 12 meses, segundo o site de revenda Cargurus.

O governo Biden tem apostado em várias saídas para combater a inflação, como tentar resolver gargalos logísticos em parceria com empresas e estimular a competição. No setor de carnes, por exemplo, foi lançado um programa para fomentar frigoríficos de menor porte, de forma a tentar mudar a concentração do setor, hoje dominado por quatro corporações.

Ao mesmo tempo, Biden defende a aprovação de mais benefícios sociais para as famílias, como auxílios para custear creches, descontos em medicamentos e em planos de saúde. Assim, elas teriam mais dinheiro para gastos do dia a dia e poderiam enfrentar melhor a alta de preços.

A oposição republicana, e mesmo alguns democratas, avaliam que esse caminho traz riscos: ao dar mais dinheiro para as pessoas, elas irão consumir mais e, assim, estimular a alta de preços caso a oferta de produtos não dê conta de atender à demanda.

"Cada dólar que o governo gasta [em auxílios] é um dólar que eles precisam taxar da economia ou aumentar a dívida para compensar, o que acaba aumentando os preços e prejudicando as famílias e os negócios. A melhor forma de combater a inflação é reduzir o tamanho do governo e as regulações excessivas", considera Joel Griffith, pesquisador em economia associado ao think tank Heritage Foundation.

No último ano, Griffith teve alta de mais de 30% no aluguel de sua casa, que passou de US$ 1.300 para US$ 1.800. O mercado imobiliário americano se aqueceu na pandemia, conforme muitas pessoas decidiram se mudar em busca de uma opção melhor de home office ou de opções mais baratas longe das grandes cidades, o que elevou preços nos subúrbios.

Já Kamin, que também integra o think tank AEI (American Enterprise Institute), avalia que mesmo o Build Back Better, pacote de quase US$ 2 trilhões em benefícios sociais proposto por Biden que está travado no Congresso, não teria efeito direto na inflação, pois o gasto, espalhado ao longo de dez anos, representaria menos de 1% do PIB americano anual.

"O governo Biden poderia eliminar as altas de tarifas [de importação] criadas por Trump. Além de ajudar a baixar os preços, isso melhoraria nossas relações com outros países", sugere.

Os economistas ouvidos pela Folha dizem que ainda não é possível dizer se a inflação atual será uma onda passageira ou se pode perdurar e ter consequências de longo prazo, mas mostram que há sinais para otimismo, como o fato de o Fed estar mais atento à questão agora do que esteve na crise dos anos 1970. O banco central americano já sinalizou que pretende aumentar a taxa de juros dos EUA neste ano para conter a inflação, conforme for necessário.

"Estamos cautelosamente otimistas de que vamos ver algum progresso sobre a inflação neste ano, mas para isso, algumas coisas precisam acontecer. Uma delas é vermos progressos no combate à pandemia, talvez como resultado da vacinação global", avalia Nathan Sheets, economista-chefe global do Citi Research.

"Nos próximos três ou quatro meses, deve haver alguma melhoria na logística marítima, na produção de semicondutores, automóveis e outras coisas. Mas ainda há muitas coisas a fazer, e os bancos centrais provavelmente terão de seguir ativos", completa Sheets.

Enquanto avalia o cenário, Kamin decidiu não vender seu carro. "Se eu aceitar a oferta da concessionária, teria depois de comprar outro. E aí teria um problema."

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