Cortar emissões na cadeia de fornecimento é desafio de empresas no ESG

Pegada climática do escopo 3 costuma ser a mais relevante, mas iniciativas são raras

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São Paulo

Em dezembro de 2021, a gigante varejista Walmart anunciou um programa de financiamento para incentivar sua cadeia de suprimentos a emitir menos gases de efeito estufa.

Por meio de parceria com o HSBC, a companhia passou a oferecer benefícios financeiros para os fornecedores que reduzissem o carbono em suas operações, como linhas de crédito com taxas menores e antecipação de recebíveis.

Foi a forma encontrada pelo Walmart para enfrentar um dos maiores desafios das empresas na agenda sustentável: neutralizar as emissões do chamado escopo 3.

Horta vertical da Plenty, fornecedora que recebeu aporte da Walmart, nos EUA - Carlos Barria/Reuters

No jargão corporativo, a pegada climática de um negócio é segmentada por escopos, conforme metodologia do GHG Protocol, que padronizou a forma de medir e gerenciar gases de efeito estufa.

As emissões de escopo 1 são aquelas geradas diretamente pelas operações da companhia. Já o escopo 2 diz respeito ao carbono liberado indiretamente no consumo de energia.

O restante entra no escopo 3, que engloba desde viagens de negócios até compra de matéria-prima, transporte de produtos e consumo. Essa é a categoria que costuma ser mais crítica para a pegada ambiental de uma empresa.

Segundo um levantamento da Carbon Trust, as emissões de escopo 3 representam de 65% a 90% do impacto da maioria das organizações.

Embora a cadeia de valor seja tão relevante para a descarbonização das operações, raramente os esforços de uma companhia se voltam para ela. Um estudo publicado no dia 10 de fevereiro pelo CDP (Carbon Disclosure Project), em parceria com a consultoria BCG (Boston Consulting Group), mostrou que apenas 38% das empresas engajam sua cadeia de suprimentos em ações contra as mudanças climáticas.

Com base nas respostas de 11 mil fornecedores corporativos, a pesquisa concluiu que o principal foco continua sendo os impactos ambientais diretos das operações. Mais da metade dos fornecedores (56%) nem sequer possui metas ambientais.

O cenário começou a mudar recentemente, com o agravamento da crise climática e a explosão de compromissos ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês)

Iniciativas de grandes empresas como o Walmart também ajudam a botar pressão sobre o mercado. No caso da varejista, a nova plataforma financeira será voltada aos fornecedores de sua marca própria —que costumam ser pequenas e médias empresas, justamente as que têm mais dificuldades em acessar capital para financiar a transição climática.

O programa faz parte do Gigaton, projeto criado pelo Walmart em 2017 para cortar 1 bilhão de toneladas de carbono em sua cadeia de suprimentos até 2030.

Até o momento, mais de 3.100 empresas já aderiram, mas, com uma rede de mais de 100 mil fornecedores pelo mundo, os desafios da varejista ainda são grandes.

Complexidade das cadeias de valor dificulta o controle

A internacionalização das cadeias produtivas é um dos principais entraves para companhias que querem neutralizar suas emissões de escopo 3.

Segundo Gustavo Pinheiro, coordenador da área de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade), a partir da década de 1970, o mercado passou a alocar sua capacidade produtiva em locais onde a mão de obra é mais barata, criando a lógica de cadeias globais integradas.

"As empresas ficaram menos verticalizadas e passaram a terceirizar muito mais. Com esse processo, as indústrias perderam o controle de suas cadeias produtivas", explica.

Na visão dele, a busca pelo fornecedor mais barato também fez ampliar os impactos socioambientais negativos. "Ninguém media isso e quase ninguém mede ainda. Só agora, com a agenda ESG, é que esse tema começa a entrar na agenda."

Pinheiro afirma que o escopo três impacta mais a indústria de transformação do que o setor de serviços ou a indústria de base, por exemplo. No Brasil, ele diz, o tema é especialmente relevante para alguns segmentos específicos. Um deles é o agronegócio —inclusive por razões econômicas.

Em novembro de 2021, a Comissão Europeia propôs proibir a importação de commodities ligadas ao desmatamento, como soja e carne bovina.

Caso a proposta seja aprovada, as empresas deverão comprovar, por meio de auditoria, que seus fornecedores não têm relação com a derrubada de florestas. Ou seja, monitorar a cadeia produtiva poderá ser determinante para a presença ou ausência no mercado europeu.

Mas, para além do desmatamento, o agronegócio é um setor cujas emissões são naturalmente altas. De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), braço do Observatório do Clima, o agro é a segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa do Brasil: 27% do total.

A pecuária responde pela maior parte (65%), devido à fermentação entérica —popularmente conhecida como "arroto do boi".

Com mais de 220 milhões de cabeças de gado no país, reduzir as emissões na cadeia é um desafio para os frigoríficos, e alguns já firmaram compromissos nesse sentido.

Companhias assumem metas, mas detalham pouco

Em março do ano passado, a JBS anunciou a meta de ser net zero (zerar seu balanço líquido de carbono) até 2040. Para conseguir cumprir a promessa, a companhia vai precisar descarbonizar sua cadeia de bovinos, mas antes terá de medir essas emissões.

Atualmente, o escopo 3 calculado pelo frigorífico inclui apenas viagens comerciais, frota de automóveis e decomposição de resíduos nas fazendas —deixando de fora o metano gerado por seus fornecedores.

Segundo a JBS, uma ferramenta para fazer o balanço de carbono nas propriedades está em desenvolvimento.

Embora esse impacto ainda não seja totalmente calculado, a companhia diz ter estratégias para mitigá-lo. Uma das apostas é na suplementação nutricional.

Durante a COP26, o frigorífico anunciou parceria com a holandesa Royal DSM com foco na fermentação entérica. Segundo a JBS, estudos feitos na Unesp em 2016 mostraram que um aditivo na alimentação é capaz de reduzir as emissões de metano em até 55%. No momento, o projeto está sendo testado com 30 mil bovinos no Mato Grosso do Sul.

O plano para reduzir as emissões de escopo 3 do frigorífico também envolve aumentar a produtividade, abater animais mais jovens, melhorar o manejo do pasto e estimular a integração com lavoura e floresta.

Procurada para detalhar como pretende conduzir esses pontos, a JBS respondeu, por nota, que vem priorizando a redução da idade dos animais em suas compras, e que possui um programa para incentivar a produtividade dos fornecedores. A companhia também disse indicar tecnologias como a integração lavoura e pecuária.

No entanto, o frigorífico não explicou como vai acompanhar a evolução desses aspectos, e não respondeu se há metas específicas para cada estratégia.

Em relação ao desmatamento, a aposta é numa plataforma para monitorar os fornecedores indiretos. O compromisso é ter uma cadeia 100% livre do desmatamento até 2025.

A plataforma permite que a JBS enxergue o elo anterior à compra: as fazendas que vendem gado para seus fornecedores diretos. Em nota, a empresa afirmou estar empenhada em engajar toda a cadeia produtiva na rastreabilidade e explicou que a plataforma também pode chegar aos produtores do início da cadeia.

O escopo 3 também entrou no radar da Ambev, que anunciou, em dezembro, a pretensão de zerar as emissões na cadeia de valor até 2040.

Segundo a companhia, o escopo 3 representa 83% de toda sua pegada de carbono.

A Ambev estabeleceu um plano de ação que engloba desde o incentivo à agricultura regenerativa até o uso de combustíveis alternativos nos transportes, além do aumento no conteúdo reciclado nas embalagens.

No entanto, a empresa não detalhou como vai implementar essas iniciativas. Procurada para comentar, a Ambev não explicou se os fornecedores serão obrigados a adotar essas práticas, se haverá algum prazo de adaptação e se possui um orçamento dedicado à descarbonização.

Gustavo Pinheiro, do ICS, diz que as companhias brasileiras estão apenas no início de suas estratégias para a cadeia de valor.

"Temos o desafio de transformar compromissos em planos de transição. Não basta dizer que vai fazer algo em 2040, é importante dar clareza aos investimentos para atingir isso", afirma.

Além disso, Pinheiro destaca que o atraso na implementação de políticas ambientais pode fazer com que as companhias acabem perdendo as oportunidades da transição verde.

"Hoje, o investidor internacional está buscando projetos que reduzam emissões. Ao não encarar o escopo 3, as empresas perdem a chance de alavancar investimento estrangeiro a um custo de capital baixo", conclui.

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