Descrição de chapéu Financial Times Guerra na Ucrânia Rússia

Como a guerra na Ucrânia abalou a Yandex, o 'Google da Rússia'

Valor da empresa despencou quando as forças russas iniciaram os ataques na semana passada

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Dave Lee
San Francisco | Financial Times

A Yandex, empresa muitas vezes chamada de "Google da Rússia", tornou-se cada vez mais isolada à medida que investidores ocidentais e parceiros importantes a abandonam após a guerra de Vladimir Putin na Ucrânia.

Mais de 75% do valor da empresa foi eliminado nos últimos seis meses, despencando drasticamente quando as forças russas iniciaram os ataques na semana passada. A negociação das ações da empresa foi interrompida na segunda-feira da semana passada por causa da volatilidade.

Logo da Yandex na sua sede, em Moscou - Shamil Zhumatov - 4.out.2018/Reuters

Amplamente vista como uma das joias do cenário tecnológico russo, a Yandex conquistou forte posição em seu país de origem, ao mesmo tempo em que mostra ambição de crescer no exterior, com a oferta de serviços de internet na Alemanha e na Turquia e a criação de filiais de pesquisa e desenvolvimento no Vale do Silício (EUA) e outros lugares.

Nos últimos dias, grupos de tecnologia ocidentais com laços estreitos com a Yandex, como o serviço de transporte Uber, o grupo de entrega de alimentos Grubhub e o mecanismo de busca DuckDuckGo, fizeram movimentos para encerrar parcerias com a empresa sediada em Moscou.

"Estamos todos chocados com o que aconteceu", disse uma figura graduada da Yandex ao Financial Times. "Nenhum de nós esperava que a Rússia fosse à guerra. As sanções estão chegando, rápidas e duras, e o impacto que estão tendo em nossa capacidade operacional é realmente desafiador."

Embora não haja sanções ocidentais específicas contra a Yandex ou seus executivos, a fonte disse que, com o tempo, os efeitos indiretos não permitiriam que a empresa funcionasse adequadamente. "Chegará um ponto em que não poderemos obter a tecnologia necessária para expandir nossos negócios", disse a pessoa.

A pressa de grupos corporativos ocidentais para dissociar suas operações da Rússia destruiu as perspectivas de que a Yandex pudesse se tornar um participante significativo no cenário global de tecnologia, disseram observadores.

A empresa disse que os planos de oferecer serviços de computação em nuvem para clientes da UE, incluindo um investimento de US$ 30 milhões (R$ 152,2 milhões) na Alemanha que deveria entrar em operação este ano, foram "temporariamente" suspensos.

"Eles agora serão uma empresa 'russa' —uma empresa de um agressor, não mais um milagre russo", disse um acadêmico russo que pediu o anonimato por medo das repercussões no Kremlin.

"Eu não diria que [a Yandex] perdeu uma oportunidade para sempre, mas compartilhou projetos com outros países, comprando startups internacionais promissoras —isso não vai acontecer tão cedo."
Fundada em 1997, a Yandex passou anos cultivando uma imagem de que estava longe o suficiente do Kremlin para ser considerada um investimento seguro.

A empresa começou a ser negociada na bolsa Nasdaq em Nova York em maio de 2011 e, em seu auge, em novembro passado, tinha um valor de mercado superior a US$ 30 bilhões (R$ 154 bilhões), em comparação com menos de US$ 7 bilhões (R$ 36 bilhões) hoje.

Arkady Volozh, fundador da Yandex e segundo da direita para a esquerda na foto, comemora IPO da empresa na Nasdaq - Mike Segar - 24.mai.2011/Reuters

Na segunda-feira, a Uber anunciou que removeria três de seus executivos do conselho da Yandex.Taxi, joint venture de transporte por aplicativo que as empresas fizeram em 2017.

A Uber disse que estava procurando "acelerar" a venda de sua participação de 29%, após declarar anteriormente que a venderia ao longo de dois anos, por causa dos "acontecimentos recentes".

Um acordo que permite que a Yandex use a marca Uber na Rússia e em vários outros mercados ainda estava em vigor e duraria até 2030 se uma opção de compra para a participação restante do grupo americano fosse exercida.

A Uber não quis comentar.

O serviço de entrega de comida Grubhub, que em agosto do ano passado anunciou um acordo com a Yandex para fornecer robôs autônomos para transportar pedidos nos campi universitários dos EUA, disse ao FT que encerraria sua parceria que colocou cerca de cem robôs nas ruas.

"Estamos trabalhando com nossos parceiros em campus em opções alternativas de serviço enquanto nos afastaremos da Yandex com o tempo", disse um porta-voz do Grubhub.

Durante uma audiência no Congresso na terça-feira (1), o mecanismo de busca centrado na privacidade DuckDuckGo, dos EUA, disse que parou de usar a Yandex para fornecer links não relacionados a notícias em seu mecanismo de busca na Rússia e na Turquia.

"À luz do ataque da Rússia à democracia na Ucrânia, interrompemos nosso relacionamento com a Yandex", disse Katie McInnis, chefe de políticas dos EUA na DuckDuckGo.

Um porta-voz da Yandex se recusou a comentar os movimentos de terceiros em relação ao uso de seus serviços, e que a empresa não daria uma avaliação sobre o futuro de seus negócios domésticos e internacionais. Além disso, a situação de um piloto automático de carro em Michigan não era clara no momento desta publicação.

"Neste momento, não se trata de negócios", disse um porta-voz da Yandex.

"Estamos protegendo e fornecendo serviços necessários a dezenas de milhões de pessoas que vivem na Rússia, como eletricidade, água encanada e uma internet funcional.

"Os táxis precisam chegar a seus destinos e os mantimentos precisam ser entregues. A infraestrutura precisa funcionar. Nosso principal objetivo é garantir o acesso contínuo e a operação desses serviços".

A empresa ainda não fez uma declaração pública sobre a guerra, embora seu diretor executivo, Tigran Khudaverdyan, tenha escrito no Facebook, em resposta aos comentários da equipe, que a situação era "insuportável" e "monstruosa".

A queda do preço das ações e do rublo significavam que muitos dos 18 mil funcionários da empresa, que recebem grande parte da remuneração em ações, estavam em estado de quase "pânico", disse o alto funcionário da empresa.

Fontes disseram que as ações da Rússia estão causando angústia entre os funcionários que, espelhando as gigantes do Vale do Silício que ela tenta imitar, tendem a ser jovens e de mentalidade global.

"Considero os atos da empresa um crime e cumplicidade na guerra e em assassinatos, e não quero fazer parte disso", escreveu Ruslan Musaev, gerente do projeto Yandex, anunciando sua renúncia com um post em russo no Facebook.

Musaev foi um dos vários funcionários da Yandex que denunciaram publicamente a empresa, com foco na seleção de notícias que os algoritmos da Yandex destacam em suas páginas de maior tráfego.

Lev Gershenzon, ex-chefe de notícias da Yandex, disse ao FT que, embora a empresa não fosse uma emissora estatal, seus filtros de notícias amplificavam a mensagem sancionada pelo Kremlin para dezenas de milhões de pessoas todos os dias, dando uma imagem imprecisa da realidade na Ucrânia.

Em um post no Facebook, Gershenzon escreveu a seus ex-colegas: "Não é tarde demais para deixar de ser cúmplice de um crime terrível. Se você não pode fazer nada —saia."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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