Guerra na Ucrânia traz temor de segunda Guerra Fria a investidores

Conflito leva investidores a observar mudanças na dinâmica de poder internacional com atenção

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Lananh Nguyen
Nova York | The New York Times

Desde a queda da União Soviética, os investidores vêm desfrutando de décadas de estabilidade econômica mundial, durante as quais conflitos militares e diplomacia internacional tiveram seus papéis reduzidos no movimento dos mercados.

Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia é o sinal mais aberto de uma mudança recente nessa dinâmica, e disputas mais frequentes entre nações poderosas terão consequências abrangentes para os investidores.

O maior conflito militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial –combinado às tensões que fervilham entre os Estados Unidos e a China– leva os investidores a observar as mudanças na dinâmica de poder internacional com atenção muito maior do que vinham sendo o caso há muito tempo.

Fila na parte externa de banco em Kiev, Ucrânia - Brendan Hoffman - 24.fev.2022/The New York Times

"Há mais tensão geopolítica internacional já há alguns anos, agora —as fricções entre a China e o resto do mudo, especialmente entre a China e os Estados Unidos, não desaparecerão", disse Daniel Ivascyn, vice-presidente de investimentos da administradora de fundos PIMCO, que administra mais de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) em ativos. "Essa situação da Rússia complica ainda mais alguns desses relacionamentos mundiais mais amplos, e com certeza se tornou um tópico de conversação mais frequente com nossos investidores".

Os mercados financeiros há muito vêm se mostrando sensíveis a certos eventos geopolíticos –eleições, perturbações na oferta e tensões comerciais– e isso pode movimentar os preços. E, em apenas alguns dias, a invasão da Ucrânia resultou em uma série de manobras econômicas que podem transformar rapidamente a maneira pela qual países levantam dinheiro, onde eles adquirem matérias-primas e com quem eles fazem negócios.

Os Estados Unidos e seus aliados europeus anunciaram que congelariam quaisquer ativos do banco central russos detidos em instituições financeiras americanas, o que tornaria mais difícil para o governo da Rússia sustentar a cotação do rublo. Novas sanções também proibiram alguns bancos russos de realizar transações internacionais. A gigante petroleira britânica BP anunciou que "deixaria" sua participação acionária de quase 20% na Rosneft, uma estatal de petróleo russa, que foi avaliada em US$ 14 bilhões (R$ 71 bilhões) no ano passado. E o fundo nacional de investimento da Noruega, o maior do planeta, anunciou que venderia suas participações em empresas russas.

Essas e outras medidas –em companhia da posição da Rússia como terceira maior produtora de petróleo do planeta, atrás dos Estados Unidos e Arábia Saudita– abalaram os mercados em todo o mundo. Os operadores de commodities estão tentando descobrir como redirecionar o fluxo mundial de petróleo, gás natural, metais e grãos. E os operadores de ações que já enfrentavam incerteza em meio aos esforços dos governos e bancos centrais para lidar com as consequências da pandemia agora precisam lidar com um conflito armado que pode prejudicar qualquer negócio que dependa dessas mercadorias.

Na terça-feira, o índice S&P 500 caiu em 1,6%, a mais recente em uma série de rápidas oscilações, e registrou uma queda para começar março, depois de dois meses consecutivos de baixa. Os preços do petróleo subiram acentuadamente, com o petróleo cru padrão Brent negociado a mais de US$ 106 (R$ 544) por barril. Mais de duas dúzias de países anunciaram planos para liberar suas reservas petroleiras de emergência.

Jason Schenker, presidente da consultoria Prestige Economics, em Austin, Texas, descreveu o ressurgimento das tensões ente os países ocidentais e a Rússia como uma segunda Guerra Fria.

"Existe uma competição por influência mundial e poder mundial, mas agora há muito mais em jogo", ele disse. "Podemos estar diante de uma batalha prolongada de sanções e de diplomacia de poder brando. E podemos ver uma escalada nos riscos de ação militar".

O risco ficou claro na terça-feira quando o ex-primeiro ministro russo Dmitry Medvedev alertou que guerras econômicas "muito frequentemente se tornam guerras reais", o que levou o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, a recuar de uma declaração anterior de que a Europa estava pronta "para uma guerra econômica e financeira total contra a Rússia". Le Maire declarou que seu uso da palavra "guerra" tinha sido inapropriado.

O prédio do Banco Central da Rússia, em Moscou - Sergey Ponomarev - 28.fev.2022/The New York Times

O ataque russo contra a Ucrânia e as ações para isolar o país podem aproximar ainda mais a Rússia da China, que foi mais circunspecta do que outros países com relação à ofensiva. A situação também despertou inquietação renovada sobre o relacionamento entre a China e Taiwan, ilha autogovernada que Pequim reivindica. Ainda que não haja sinais de que uma invasão da ilha é iminente, a China regularmente envia aviões de combate em missões na direção de Taiwan, e analistas afirmaram que Pequim está deixando claro que não descarta uma ação militar para absorver a ilha.

Taiwan desempenha papel crucial na cadeia mundial de suprimentos de semicondutores usados para acionar coisas tão diversas quanto iPhones e carros, e é um parceiro comercial importante dos Estados Unidos, que importam bilhões de dólares em maquinaria elétrica da ilha.

Qualquer ação militar contra Taiwan poderia causar um abalo sísmico na economia mundial, e investidores e empresas estão acompanhando atentamente os efeitos internacionais das sanções contra a China, como teste, disse Karl Schamotta, estrategista chefe de mercado da Corpay, uma empresa internacional de pagamentos.

Edifício da TSCM, fabricante de semicondutores, em Tainan, Taiwan - An Rong Xu - 18.set.2020/The New York Times

As sanções contra a Rússia se parecem com controles de capital à moda antiga, e sinalizam a disposição renovada dos governos de recorrer a ferramentas econômicas a fim de atingir metas de política externa, disse Schamotta, que trabalha em Toronto. Isso pode causar choque a empresas e operadores que se acostumaram movimentar centenas de milhões de dólares de país a país rápida e facilmente.

"Isso vai colocar areia nas engrenagens da máquina econômica mundial, e propositadamente", ele disse. "Os governos vão tentar desacelerar o movimento de coisas através de fronteiras e o montante de dinheiro que pode ser transferido de um lugar para outro, e esse é um mundo completamente diferente para as grandes corporações multinacionais. Torna os negócios muito mais difíceis".

Combates não bastaram, por si sós, para impedir o crescimento dos mercados financeiros. Depois dos atentados do 11 de setembro, por exemplo, os mercados de ações ficaram fechados por quatro dias e reabriram com uma forte onda de vendas. Mas o efeito foi temporário e os mercados de ações dispararam em uma alta cada vez maior, ainda que os Estados Unidos estivessem envolvidos em guerras no Iraque e Afeganistão nas décadas seguintes. A mais severa interrupção não foi militar, mas financeira: a crise de 2008.

Kristina Hooper, estrategista chefe de mercado mundial da Invesco, que administra US$ 1,6 trilhão (R$ 8,2 trilhõs) em investimentos, para cientes como fundos de pensão, seguradoras e investidores individuais, disse que os combates na Ucrânia são mais preocupantes por conta de seu custo humano. Ela antecipa uma modesta alta no mercado de ações dos Estados Unidos este ano, mas prevê que esse avanço venha acompanhado de mais volatilidade; as considerações geopolíticas só servem para agravar as condições complicadas que os investidores já encontram, diante dos planos do Fed (Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, de elevar as taxas de juros para combater a inflação.

"Há muita incerteza lá fora", ela disse.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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