Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia

'Não temos plano B' para o trigo mais caro, diz fabricante de massas e biscoitos

J.Macêdo, fornecedora da farinha de trigo Dona Benta, já repassou aumento de 15% e prepara nova alta

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São Paulo

As fabricantes de pães, bolos e massas já ligaram o alerta: elas trabalham, em média, com 20 dias de estoque de farinha de trigo.

A guerra na Ucrânia, que fez disparar o preço da tonelada de trigo no mercado internacional, teve início em 24 de fevereiro, há exatos 21 dias completados nesta quinta-feira (17). Aqui no Brasil, o preço de macarrão, bolos e pães industrializados já aumentou em pelo menos 15%.

O mercado movimenta R$ 40 bilhões ao ano no país, com um consumo de 3,5 milhões de toneladas de produtos, segundo a Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados).

"O país depende de 50% a 60% do trigo importado, que vem quase na sua totalidade da Argentina. Moinhos que processam o trigo para torná-lo farinha, como o nosso, já estão repassando um aumento entre 30% e 45% para a indústria", disse à Folha Marcos Pereira, diretor de unidade de negócios Sul e Sudeste da J.Macêdo. "O aumento depende de quanto estoque o moinho tem, que chega no máximo a 70 dias", diz.

prédio de cinco andares na cor bege, com detalhes em azul, com o logotipo D. Benta e uma bandeira do Brasil no topo
Sede da J.Macêdo, das marcas Dona Benta, Sol e Petybon, em Fortaleza (CE) - Divulgação

A empresa, dona de quatro moinhos e duas fábricas, das marcas Dona Benta, Sol, Petybon, Brandini, entre outras, é uma das maiores fabricantes de farinha de trigo e massas do país. Com farinha de trigo, atende padarias, atacarejos e distribuidoras.

"Desde o início do conflito até agora, o quilo da farinha, os pacotes de macarrão e de biscoitos já subiram 15%, dependendo do produto", diz Pereira. "Vamos ter um novo aumento, que vai ser decidido até o final do mês. Mesmo que o conflito acabe amanhã, vamos ter uma nova alta, mas quanto mais cedo acabar, menor vai ser o repasse", afirma.

De acordo com o executivo, a J. Macedo precisa comprar o trigo hoje, que será entregue dentro de dois meses, já no preço do dia, corrigido. "Se não aumentarmos o preço agora, não temos margem para gerar caixa, ou seja, não teremos dinheiro para bancar a operação."

No ano passado, diz ele, quando houve uma alta expressiva no preço do arroz, o consumidor foi para o macarrão –um produto que está presente em 98,8% dos lares brasileiros, segundo a consultoria Kantar. "Agora não temos plano B", afirma Pereira. "Vamos ter que repassar novo aumento no mês que vem, até atingir toda a alta da farinha, de até 45%, dentro de 60 dias", diz.

Segundo o executivo, vai sobrar inclusive para o varejo. "Pela primeira vez em três décadas de trabalho, vejo os varejistas reconhecendo que precisam reduzir a margem deles para vender."

Já a Selmi, dona das marcas Renata e Galo, segunda maior fabricante de massas alimentícias do país, depois da M.Dias Branco (dona da Adria), prefere não dizer de quanto será o aumento no preço dos produtos –mas o reajuste virá ainda este mês.

"Certamente, vamos ter aumento de preço em todos os derivados de trigo", diz Marcelo Guimarães, diretor comercial do grupo Selmi. O tamanho do repasse também depende de quanto trigo é empregado em cada categoria. "Em biscoitos, em média, 30% do custo do produto é trigo, já no macarrão são 70%", afirma.

Substituir trigo por milho não é uma opção, segundo fabricantes

Partir para a produção de massas com derivados de outro cereal –como chegou a ocorrer na 2ª Guerra Mundial, quando o mais comum era pão de milho, por exemplo –não é uma opção hoje, segundo fabricantes.

"Não tem como moer milho em um moinho de trigo, é uma operação diferente", diz Pereira, da J.Macêdo. O processo produtivo da indústria alimentícia aplica a farinha de trigo como carboidrato em diferentes categorias de produtos –qualquer mudança exigiria uma adaptação custosa, diz ele.

Fora os motivos econômicos, existe o paladar do brasileiro, muito acostumado a consumir os derivados de farinha de trigo, especialmente no macarrão. Os derivados de outros cereais, como arroz e milho, até existem no mercado, mas como opções sem glúten.

De acordo com Marcos Henrique do Espírito Santo, analista setorial da Lafis Consultoria, o Brasil importa metade das 12 milhões de toneladas de trigo que consome ao ano. "Desse total, cerca de 90% vêm da Argentina", afirma. "Os moinhos não costumam armazenar por mais do que 60 dias, porque não têm capacidade para isso".

Na Bolsa de Chicago, referência para commodities agrícolas, o preço do trigo avançou 24,6% desde o início do conflito até o pregão de terça-feira (15), para US$ 11,54 o bushel (medida equivalente a 27,2 kg).

Em fevereiro, a tonelada da farinha de trigo atingiu R$ 1.708, uma alta de 14,6% sobre o mesmo período de janeiro de 2021 e um salto de 75,5% sobre janeiro de 2020, conforme informações do Cepea-Esalq/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), que acompanha os preços agropecuários.

Os dados levam em conta o preço do trigo no Paraná, maior produtor nacional, ao lado do Rio Grande do Sul. "Mas está em expansão a produção de trigo no cerrado, em Minas Gerais e no interior de São Paulo", diz o analista da Lafis.

Agora, os fabricantes nacionais de farinha de trigo solicitam ao governo federal uma isenção da TEC (Tarifa Externa Comum) cobrada pelo trigo que vem de fora do Mercosul, para garantir o abastecimento. Entre os maiores produtores globais do grão, depois de Rússia e Ucrânia, estão Estados Unidos, Canadá e Austrália.

Segundo Espírito Santo, a indústria de derivados de trigo já vinha sendo afetada pela alta dos custos logísticos, especialmente de frete, com o aumento da demanda por navios de contêineres. "A recente disparada no preço do petróleo aumentou ainda mais essa conta, fator que também pesa no preço das embalagens", diz ele.

O Brasil não está desabastecido em trigo, destaca o presidente da Abimapi, Cláudio Zanão. "A questão de substituir o trigo por outro cereal não está em discussão", diz.

Quanto aos aumentos, Zanão acredita que a indústria deve repassar aos poucos a alta da commodity, para que o consumidor consiga absorvê-la. "Caso contrário, o produto vai ficar encalhado na prateleira".

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