Descrição de chapéu inflação

Classe média compra mais no atacarejo para fugir da inflação

Novos pontos do Assaí em regiões próximas ao centro vão oferecer 'luxos' como frios fatiados, adega e cafeteria

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São Paulo

Lojas com ar-condicionado, bem iluminadas, com pé-direito alto, espaço para adega, fatiamento de frios, açougue e cafeteria. "Luxos" tão comuns aos super e hipermercados começam a fazer parte de atacarejos —um espaço de vendas tradicionalmente espartano, em que empilhadeiras de pallets dividem espaço com os clientes nos corredores.

O Assaí, vice-líder do setor, com vendas anuais de R$ 46 bilhões (só atrás do Atacadão, que faturou R$ 59 bilhões em 2021), está aproveitando para reformar os pontos que adquiriu do Extra em outubro a fim de atender a crescente presença da classe média nas suas lojas.

Pressionadas por uma inflação galopante –o IPCA chegou a 11,30% no acumulado de 12 meses até março–, as famílias de maior renda passaram a frequentar mais o atacarejo em busca de preços 15% mais baixos baixos, em média, segundo a consultoria Nielsen|IQ.

homem de terno preto sentado, apoiado a uma mesa redonda de madeira, com a palavra café em branco, em uma parede ao fundo
"Em São Paulo, vamos ter lojas perto do Aeroporto de Congonhas e no Butantã, ninguém quer ficar rodando muito para chegar a um atacarejo", diz Belmiro Gomes, presidente do Assaí. - Rubens Cavallari/Folhapress

"Cerca de 25% do nosso público pertence às classes A e B, enquanto na média da população esse percentual está em 14%", disse à Folha Belmiro Gomes, presidente do Assaí. A presença do público de maior renda deve aumentar neste ano, diz ele, uma vez que a bandeira de atacarejo também vai ficar mais próxima das regiões centrais, após a aquisição de 70 pontos do antigo hipermercado Extra.

Dados da Nielsen|IQ confirmam essa preferência: no mercado brasileiro de atacarejo (que movimentou cerca de R$ 200 bilhões no ano passado, alta de 25% na comparação anual), as famílias de classes A e B representam 34% do público. No varejo alimentar em geral, A e B somam 28%.

"Os consumidores das classes mais altas são atraídos para o formato cash and carry", diz Jonathas Rosa, líder de atendimento ao varejo da Nielsen|IQ, referindo-se ao nome técnico para atacarejo. "A classe AB vai a esse tipo de loja fazer uma compra de abastecimento, com um tíquete médio alto, algo que só é possível para essa faixa de renda", afirma Rosa, lembrando, porém, que o aumento do público dos atacarejos passa por todas as classes sociais, já que a inflação atinge a população como um todo.

De acordo com a Nielsen|IQ, hoje, 2 a cada 3 lares (66%) no Brasil fazem compras em atacarejos. Em 2017, eram 59%. "A média de visitas aos atacarejos é de uma vez e meia por mês, ou seja, o público faz uma compra de abastecimento e em parte das vezes volta para fazer uma compra de reposição", afirma Rosa.

Dentro dos atacarejos, as categorias que mais cresceram nos últimos dois anos foram as de perecíveis frescos –que englobam frutas, legumes e verduras, açougue e peixaria, justamente onde a inflação dos últimos meses foi mais aguda.

O que mais pesou na inflação de alimentos em cada mês

Mês Produto Variação (em %)
Março 2021 Mamão 21,27
Abril 2021 Leite longa vida 2,4
Maio 2021 Costela 4,3
Junho 2021 Leite longa vida 4,03
Julho 2021 Tomate 18,65
Agosto 2021 Frango em pedaços 4,47
Setembro 2021 Frango em pedaços 4,42
Outubro 2021 Tomate 26,01
Novembro 2021 Café moído 6,87
Dezembro 2021 Café moído 8,24
Janeiro 2022 Banana prata 11,73
Fevereiro 2022 Batata inglesa 23,49
Março 2022 Tomate 27,22

Fonte: IBGE - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

No primeiro trimestre deste ano, o faturamento dos "cash and carry" aumentou 21,1% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o das farmácias cresceu 11,5%, o dos grandes supermercados, 7,7%, e, o dos pequenos supermercados, 4,2%. "Já o formato dos hipermercados continua em crise e caiu 7,1%", diz Rosa, lembrando que apenas o Carrefour ainda mantém um modelo competitivo nesse segmento no Brasil.

Não por acaso, o hipermercado Extra desapareceu para dar espaço ao Assaí —controlado pelo francês Casino, que também é o principal acionista do GPA (Grupo Pão de Açúcar), ex-dono do Extra. Segundo Belmiro Gomes, trazer os atacarejos para os bairros das grandes cidades significa romper uma fronteira de crescimento para esse formato de loja.

Antes restrito a avenidas próximas de rodovias ou com alto fluxo de caminhões, o Assaí começa a ir para os bairros, a partir do acordo para a compra dos 70 pontos do antigo Extra por cerca de R$ 4 bilhões (até agora, 60 pontos foram absorvidos e os demais devem integrar o Assaí até o final de maio). A estimativa é que 40 lojas do Extra sejam convertidas em Assaí no segundo semestre deste ano e, as demais, até o fim do primeiro trimestre de 2023.

"Em São Paulo, vamos ter lojas perto do aeroporto de Congonhas e no Butantã [na avenida Corifeu de Azevedo Marques], por exemplo", diz Gomes. "Boa parte dos nossos clientes não está mais disposta a pegar um carro e rodar até uma das marginais para fazer uma compra —isso vale tanto para o público comum quanto para os donos de restaurantes", afirma o presidente do grupo, que hoje soma 216 pontos de venda em 23 estados e no Distrito Federal.

As reformas dos pontos são intensas, segundo Gomes. "O piso de um hipermercado é projetado para suportar entre 800 quilos e 1 tonelada. Já o de um atacarejo deve aguentar 3,5 toneladas", diz ele, que também aumentou o espaço para estocagem de produtos nas novas lojas a fim de agilizar a reposição, além de aumentar o espaço para câmara fria e instalar ar-condicionado, o que exige uma rede elétrica mais robusta.

"Mesmo sendo mais centrais, as novas lojas do Assaí já estavam em pontos que permitiam o tráfego de caminhões, que será adaptado de acordo com a legislação local", diz ele, em relação aos impactos da logística no tráfego dos bairros.

Dos 70 pontos herdados do Extra, 67 tinham galerias de lojistas —que foram prejudicados com o fechamento dos espaços para a reforma, conforme revelou a Folha. Nesses casos, os acordos dos lojistas eram como o GPA. Segundo Gomes, interessa para o Assaí manter a maioria das galerias: em apenas três pontos os espaços foram removidos, porque estavam em rotas de fuga, diz.

"Queremos oferecer serviços como óticas, farmácias, consertos de celulares, lotéricas e salões de beleza, por exemplo", afirma.

A meta do Assaí é chegar ao final de 2024 com mais de 300 lojas em operação e um faturamento de R$ 100 bilhões. Agora, com um modelo de loja que vai muito além do original, concebido no passado para atender transformadores como dogueiros e confeiteiras ou pequenos varejistas. "Não vamos chegar à Oscar Freire [centro de compras de luxo na capital paulista]. Mas estaremos mais perto de quem gasta mais", diz ele.

Venda das lojas do Makro em São Paulo deve acirrar competição

A briga entre os atacarejos é acirrada —especialmente entre os dois primeiros, Atacadão e Assaí. O Carrefour, controlador do Atacadão, comprou o grupo Big em março do ano passado, o que lhe rendeu a rede Maxxi Atacado, hoje com 63 pontos, que estão sendo convertidos para Atacadão. Parte da rede de hipermercados Big também vai ser transformada em atacarejo.

O Makro, do grupo holandês SHV, vendeu a maior parte das suas lojas para o Carrefour em 2020 (29 lojas por R$ 1,95 bilhão). A empresa se desfez de outros 14 pontos e manteve sua rede de 24 lojas no estado de São Paulo, onde pretendia focar esforços.

Mas agora se sente pressionado pela concorrência intensa com Atacadão, Assaí, Tenda e Roldão e pretende abrir mão da sua presença no país, apurou a Folha.

O Makro contratou o banco Santander para achar um comprador para as suas 24 lojas, por cerca de R$ 3 bilhões. A informação foi dada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pela Folha. Na avaliação da rede, o mercado "cash & carry" é promissor, mas exige um alto investimento para aumentar a capilaridade, o que não está nos planos do grupo holandês.

O Makro foi dominante por muito tempo no Brasil, com uma operação robusta em nível nacional, diz o consultor em varejo Alberto Serrentino, da Varese Retail. "Foi um atacado tradicional, que nunca quis abrir para o varejo, tanto que os clientes precisavam ter um CNPJ para comprar na loja", afirma.

Mas, com a escalada do atacarejo no Brasil, guiada pela expansão do Atacadão e do Assaí, o Makro foi ficando cada vez mais pressionado. "Eles perderam competitividade e, quando resolveram se abrir para o formato atacarejo, o mercado já estava tomado", diz Serrentino. Começaram a vender lojas, boa parte delas comprada pelo Atacadão. "Agora não é estranho que os controladores queiram passar o negócio para a frente."

Colaborou Leonardo Vieceli, do Rio

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