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Ficção, teorias e realidade: spoilers sobre o Netflix

Grande desafio da empresa é manter a sua relevância e centralidade

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Paula Chimenti

Professora e pesquisadora do Coppead-UFRJ

Iona Bloch

Mestre em administração pelo Coppead-RJ e M&A Associate

Thiago Felippe Ribeiro

Professor do Alumni Coppead e doutorando pelo Coppead-UFRJ

A divulgação dos resultados do primeiro trimestre de 2022 da Netflix, com a perda de 200 mil assinantes, causou pânico no mercado, além de interpretações equivocadas sobre características de mercados digitais, como se todas as empresas do acrônimo FAANG (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google) estivessem sujeitas às mesmas dinâmicas.

No cerne da questão, estão as dinâmicas "winner-take-all" (ou WTA), que caracterizam mercados que tendem a ter um vencedor que leva tudo. Analistas advogaram "o fim da tese WTA", como se (1) fosse uma tese e (2) sendo uma tese, se aplicasse a tudo.

Logotipo da Netflix exibido no topo de seu prédio de escritórios em Hollywood, Califórnia - Chris DELMAS/AFP

Grande parte do nosso trabalho como professores e pesquisadores, consiste em criar conhecimento e compartilhá-lo. Geralmente, os executivos se assustam quando falamos em "teorias", como se essa palavra abrisse um buraco negro para o ostracismo da prática. Depois, aprendem que são justamente as teorias que ajudam a separar os fatos e organizar o caos, permitindo elaborar estratégias e agir efetivamente.

Por exemplo, as teorias de mercados em rede ensinam que quatro fatores influenciam as chances de um mercado em rede ser atendido por uma única plataforma: (1) se o mercado é um "monopólio natural", (2) custos de multi-homing, (3) força dos efeitos de rede, e (4) preferências dos usuários por funcionalidades diferenciadas.

No caso da Netflix, o mercado não é um monopólio natural, fato que ocorre nos raros casos em que a escala mínima viável inibe a concorrência.

O segundo aspecto aborda os custos do consumidor para usar mais de uma plataforma. Além do gasto financeiro, inclui custos de mudança e inconvenientes. Pensando nas smart TVs que abarcam diferentes plataformas e nos preços que, mesmo somados, não ultrapassam o que se costumava pagar pela assinatura de TV, vemos que há espaço para a convivência de concorrentes.

O terceiro ponto trata dos efeitos de rede, ou quanto o valor da plataforma aumenta quanto mais usuários se ligam a ela. Eles podem ser do mesmo lado (quando migramos do Facebook para o Instagram porque os amigos migraram), ou entre lados (quanto mais usuários, mais valor para anunciantes). Quando muito fortes, os efeitos de rede podem levar a dinâmicas WTA porque todo mundo quer estar na plataforma vencedora, e sobra pouco ou nada para os perdedores.

Este é o caso do Google, da Amazon e do Facebook, mas não é o caso da Netflix. A plataforma não tem anunciantes (ao menos ainda), e os mesmos efeitos de rede que fazem alguém assinar o Netflix para ficar por dentro das séries que seus amigos estão assistindo agem para que usem outras plataformas.

Por fim, temos na Netflix uma clara preferência por conteúdos diferenciados, fato que fez a empresa passar, em 2012, a produzir conteúdo próprio, caso de sucessos como Stranger Things, Black Mirror, entre outros. Conteúdo não é commodity e a força do conteúdo faz o usuário pular entre plataformas como Netflix, Disney+, HBO Max etc.

Então, o que a teoria nos diz sobre o futuro da Netflix? Que mais concorrência é esperada e a chave para o sucesso estará na percepção dos consumidores pela diferenciação dos serviços disponibilizados. A Netflix não é um player isolado e há tempos mapeia em seus relatórios o risco da entrada de produtores de conteúdo e canais de televisão no streaming. No entanto, existe um grande mercado mundial a ser explorado e o grande desafio da Netflix é manter a sua relevância e centralidade no ecossistema.

A empresa também está atenta à diferenciação. Investe continuamente na melhoria de funcionalidades, além de criar estratégias de expansão para mercados distintos (como planos mais acessíveis na Índia ou mobile-only). Explora também estratégias de crescimento: diversificando o portfólio (entrando no universo de games) e explorando novos mercados e modelos de negócios (com preços menores viabilizados por anúncios).

Apesar da Netflix não ter atendido às expectativas recentes do seu forecast, isso não significa o fim da empresa. Apenas que ela entrou em um novo momento e que este filme ainda está longe de acabar.

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