Chefes estão perdidos em meio à tecnologia

Maioria dos executivos gasta mais tempo em reuniões online e respondendo a mensagens do que na gestão do negócio

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São Paulo

Rodrigo Capuruço, CEO no Brasil e na América Latina da Volkswagen Financial Services, braço financeiro da montadora alemã, costuma brincar com sua secretária: "Que horas eu começo a trabalhar? Você organiza a minha agenda com reunião atrás de reunião...".

Com cerca de 70% da equipe em home office, as reuniões do executivo costumam ser online, com duração de meia hora a duas horas cada uma. São cinco reuniões por dia. Rodrigo também recebe cerca de 100 emails diariamente, dos quais 40% demandam uma resposta dele. No WhatsApp, são aproximadamente 50 mensagens de trabalho diárias. Mas as mensagens também chegam pelo Microsoft Teams, usado para fazer as reuniões, e pelo Skype.

"Se existe uma coisa da qual eu perdi o controle durante a pandemia foi da minha agenda", diz o contador de 44 anos. "Criei essa obrigação de estar sempre conectado e que a resposta precisa ser em tempo real. Instintivamente, eu acabo exigindo isso da equipe e tenho essa expectativa em relação às outras pessoas. Uma resposta que aconteça na mesma hora ou no mesmo dia. É um paradoxo da tecnologia: você tem mais ferramentas para se conectar, mas ao mesmo tempo fica travado a elas, e deixa de fazer coisas que realmente importam."

Homem sentado em ambiente escuro olha para a luz do computador enquanto é envolto por um monstro preto que segura a tela do notebook
Segundo pesquisa da BTA, 66% dos chefes consideram o uso excessivo da tecnologia como o maior ladrão de tempo - Catarina Pignato

Rodrigo não está sozinho nesta angústia online. Pesquisa da consultoria em gestão e educação executiva BTA Associados, sobre mudanças e desafios na rotina profissional no pós-pandemia, apontou que 66% dos chefes consideram o uso excessivo da tecnologia como o maior ladrão de tempo: emails, aplicativos como WhatsApp, Slack, Telegram, plataformas de vídeo como Microsoft Teams, Zoom e Google Meet, além das redes sociais, atrapalham demais a produtividade.

O levantamento foi feito entre o final de maio e o começo de junho com cerca de 200 executivos em cargos de conselheiros, presidentes, vice-presidentes, diretores e gerentes de empresas. Para eles, 61% do tempo individual é gasto em atividades que não geram valor ao negócio– e a tecnologia é a maior culpada disso. Antes da pandemia, em 2019, esse percentual de "perda de tempo" era de 38%.

Para a psicóloga Betania Tanure de Barros, sócia da BTA e especialista em comportamento organizacional, o mundo corporativo ainda não aprendeu a gerenciar a distância. O resultado é que a gestão do tempo virou o desafio número 1 dos executivos –enquanto a gestão do negócio está em 4º lugar, segundo a pesquisa.

"A burocracia online está roubando o tempo e a saúde dos executivos e de certa forma isso respinga nas equipes, porque cria um modus operandi na organização", diz Betania. "Trabalha-se 12 horas ou mais por dia e também aos fins de semana, muitas vezes porque a comunicação não é objetiva."

Os entrevistados reclamam, por exemplo, de mensagens excessivas que visam apenas dar ciência do que está acontecendo. Para muitos, quem dá ciência só o faz para não assumir a responsabilidade.

Na opinião de Vânia Café, sócia da BTA, a demanda online se acentuou nos últimos meses. "As empresas estavam saindo de um período atribulado, que foi a fase mais aguda da pandemia, e aí são pegas com outras demandas urgentes, como o reflexo da guerra da Rússia na Ucrânia e a inflação acelerada", diz. "Tudo exige decisões rápidas demais."

O que se vê são executivos "naufragando" em meio às demandas que a comunicação em tempo real traz, diz Betania. Segundo ela, a questão não se resume a delegar tarefas. "A empresa depende das decisões dos altos executivos. Eles precisam ter tempo para receber as informações, processá-las, reorganizá-las dentro da estratégia da companhia e dar um rumo à organização", afirma a especialista.

"As pessoas passaram a ter menos filtro e encaminham qualquer coisa"

Rodrigo Capuruço está sentindo o drama. "Vejo todo mundo tendo dificuldade em processar o volume de informação recebido e gerar conhecimento, que é o que interessa, separando o que é importante daquilo que não tem muito significado", diz ele, que nos últimos dias procurou retomar o ritmo de trabalho, enquanto ainda se recuperava da Covid-19.

"Mas com a tecnologia as pessoas passaram a ter muito menos filtro e encaminham qualquer coisa. Reportagem, relatórios, dados de mercado", diz ele, que se sente frustrado por não ter tempo, por exemplo, para estar em campo visitando clientes, uma maneira mais assertiva de traçar novas estratégias e pensar o futuro do negócio.

Na opinião de Tatiana Iwai, professora de comportamento e liderança do Insper, a vida pós-pandemia trouxe um bombardeio de pedidos online. "Somos interrompidos o tempo inteiro", diz ela. "Isso leva a problemas de produtividade, insatisfação no trabalho, estresse e sentimento de exaustão".

São muitas demandas competindo pela atenção, uma vez que o trabalho remoto deixou a empresa na horizontal: todo mundo tem acesso a todo mundo. "Mas aquela perguntinha rápida não é tão inofensiva assim, porque não acontece só uma vez", diz Tatiana. "Essa sequência de interrupções custa caro, corta o fluxo de trabalho e até que você volte a se concentrar existe uma perda de tempo preciosa, sem falar na qualidade da tarefa, que também é afetada."

Homem branco de terno cinza encostado à mesa
Ainda se recuperando da Covid, Rodrigo Capuruçu voltou à rotina de 100 emails, 50 mensagens de WhatsApp e 5 reuniões online por dia - Divulgação

É preciso uma nova etiqueta online para controlar os excessos

A chamada no chat ou aplicativo acabou substituindo a ida até a mesa do escritório. "A diferença é que, no presencial, dificilmente você iria cinco vezes à mesa de alguém. Mas hoje, facilmente, você procura por alguém cinco vezes por dia no online", diz a professora do Insper.

Ao mesmo tempo que a empresa inteira ficou acessível, muitas vezes as pessoas trabalham em horários diferentes, lembra Tatiana. "Com isso, parece que a jornada de trabalho não termina nunca, tem sempre alguém online te pedindo coisas", afirma. Esse tipo de situação faz com que seja necessário criar novas regras de etiqueta no mundo do trabalho híbrido e remoto.

Rodrigo, por exemplo, colocou alguns limites para controlar a ansiedade por respostas imediatas. "Eu tinha mania de enviar emails aos domingos, para preparar minha semana. Parei com isso no ano passado. Estava gerando um estresse desnecessário nas pessoas que trabalhavam comigo, inclusive em mim mesmo", diz o executivo, que também tem se policiado para não enviar qualquer mensagem de trabalho depois das 21h e antes das 7h da manhã.

Na noite da última quinta-feira (23), quando falou com a reportagem, a administradora de empresas Cintia Camargo, 48, tentava se desvencilhar das últimas pendências do trabalho para tirar férias com a família. "Não é um mês, é só uma semana, mas parece que as pessoas pensam que você não vai voltar", brinca a executiva, diretora de crédito para pequenas empresas do Itaú Unibanco.

Mulher de cabelos castanhos e blusa azul sorri
"Se a questão não for resolvida em um email, pegue o telefone", diz Cintia Camargo, diretora do Itaú Unibanco - Divulgação

Cintia criou algumas regras durante a pandemia para não enlouquecer com as demandas online. "Não aceito ser copiada em emails com réplica e tréplica", diz. "Se em uma resposta a questão não foi resolvida, a pessoa deve pegar o telefone e ligar. É incrível como as coisas podem ser solucionadas muito mais facilmente assim."

Nos emails, a principal informação deve estar no alto da mensagem, nunca no final, para ganhar tempo. Ela também aprendeu a delegar mais funções. "Sofria demais tentando resolver tudo sozinha, mas são cerca de 300 pessoas do meu time precisando de um direcionamento. Não dá para abraçar tudo."

Ela não envia emails fora do horário de expediente, para não aumentar a ansiedade da equipe. "Deixo tudo preparado, mas não envio", afirma. "Também não marco reunião na hora do almoço", diz. "Precisamos colocar regras, senão aquela loucura de trabalhar 12, 14 horas como foi no início da pandemia, acaba virando o novo normal", diz Cintia, garantindo que não vai levar o notebook e o celular do trabalho para a semana na praia com a filha e o marido.

Se para Cíntia e Rodrigo o trabalho remoto vem exigindo mudanças de paradigma, para Sandra Alves, 47, gerente de auditoria interna do banco ABC Brasil, a nova realidade tornou o seu dia a dia melhor.

"Eu antes tinha que esperar uma semana na agenda de algum executivo para falar com ele sobre questões simples, rápidas, que exigiam pouco tempo de resposta", afirma a executiva. "Agora consigo acessá-lo facilmente pelo Teams", diz ela. "Sempre peço licença, para que ele me responda no momento que for mais conveniente, é claro."

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