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Revisões positivas do PIB e da inflação escondem herança maldita para 2023

Redução do preço dos combustíveis e R$ 40 bilhões da PEC tendem a deteriorar quadro fiscal no ano que vem

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São Paulo

​As medidas do governo de combate à inflação e estímulo à atividade econômica a poucos meses das eleições têm provocado uma onda de otimismo para o segundo semestre, com revisão para cima das projeções de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e para baixo da inflação neste ano.

No entanto, paralelamente à melhora prevista para 2022, ocorre uma piora das estimativas para 2023. Na visão de analistas, é como se o governo Jair Bolsonaro (PL) estivesse antecipando o crescimento previsto para o ano que vem, deixando uma herança maldita para quem assumir o país em 1º de janeiro.

"Com as medidas eleitoreiras que temos visto, para cada crescimento a mais que se joga para este ano, está sendo tirado do ano que vem. E, para cada percentual de inflação que se tira neste ano, se joga para o ano que vem", diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale.

Essa dinâmica aparece inclusive nas projeções do próprio Ministério da Economia. Nesta quinta (14), a pasta revisou para baixo a projeção de inflação neste ano, de 7,9% para 7,2%, e elevou a estimativa do crescimento do PIB, de 1,5% para 2%. Ao mesmo tempo, para 2023, a projeção para a inflação subiu de 3,6% para 4,5%, enquanto a do PIB foi mantida em 2,5%.

Pessoas caminham pelo centro de São Paulo na região da rua Santa Ifigênia
Pessoas caminham pelo centro de São Paulo na região da rua Santa Ifigênia - Rubens Cavallari - 15.abr.2021/Folhapress

Grandes bancos compartilham de leitura semelhante. O Santander, por exemplo, revisou nesta quinta de 1,2% para 1,9% o crescimento do PIB neste ano, movimento sustentado pela reabertura dos serviços, pela recuperação do mercado de trabalho e pelo aumento da renda disponível em função da nova rodada de estímulo governamental.

Já para 2023, o banco manteve a previsão de uma queda de 0,6% da atividade econômica. A estimativa para a inflação foi de 9,5% para 7,9% em 2022, mas de 5,3% para 5,7% em 2023.

No dia 8 de julho, o Itaú também já havia revisado, de 1,6% para 2%, a projeção para o PIB de 2022, tendo mantido em 0,2% a estimativa para o próximo ano.

Segundo a economista do Itaú, Júlia Gottlieb, com os pacotes de estímulo econômico do governo, a projeção de contração do PIB de 0,3% no terceiro trimestre e de 0,4% no quarto foi revista para uma queda de 0,1% em ambos os períodos.

"Para 2023, não revisamos a projeção porque, se por um lado temos o efeito da desaceleração da economia global, por outro, temos também uma melhora do carrego estatístico de 2022", afirma a economista.

Para o IPCA, a projeção do Itaú foi de 7,5% para 7,2% neste ano, e mantida inalterada em 5,6% para 2023.

Um pouco antes, no dia 1º de julho, o Bradesco também revisou, de 1,5% para 1,8%, a projeção para o PIB de 2022, mas de 0,3% para 0% em 2023. A inflação estimada passou de 9% para 7,5%, e de 4,1% para 4,9%, respectivamente.

A melhora na percepção dos analistas inclusive levou a agência de classificação de risco Fitch a revisar nesta quinta de negativa para estável a perspectiva para o rating do Brasil. Os analistas da agência apontaram a dinâmica de crescimento de curto prazo, acima das expectativas, entre as razões para o movimento.

Deslocamento do crescimento potencial

Especialistas ressaltam que, embora as atualizações nas estimativas para o crescimento possam, em um primeiro momento, trazer algum alívio para a renda das famílias, com impacto positivo para a taxa de desemprego, elas também vêm acompanhadas de um aumento do risco fiscal e de uma potencial deterioração do quadro macroeconômico para 2023.

"Com as medidas adotadas recentemente, o governo está deslocando o crescimento que se esperava que teríamos no ano que vem para este ano", afirma André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.

Ele diz ainda que a nova rodada de deterioração das contas públicas por conta da PEC que busca injetar cerca de R$ 41 bilhões na economia a menos de três meses das eleições deverá forçar o BC (Banco Central) a ter de manter os juros em patamares elevados por um período mais extenso do que se previa até então, possivelmente adentrando e mantendo a taxa Selic em 13,75% durante boa parte de 2023.

"Com os mercados antevendo probabilidade crescente de uma expansão fiscal mais duradoura, há um viés altista para as expectativas de inflação, e uma chance de pressão futura advinda de uma depreciação cambial adicional", endossam os analistas do Santander no relatório publicado nesta quinta, no qual revisaram de 5,3% para 5,7% a projeção para o IPCA de 2023.

Já a estimativa do banco para a taxa Selic passou de 13,50% para 14,25% neste ano, e de 10,5% para 12% em dezembro de 2023.

Os juros mais altos, somados a uma provável desaceleração da economia global, formam um cenário no qual a economia tende a perder tração ao longo do ano que vem, afirma Perfeito, da Necton, que trabalha com um crescimento do PIB do Brasil de 1,5% para este ano, e de 0,5% para 2023. "Não dá para ficar muito entusiasmado com o ano que vem."

No boletim Focus, os agentes econômicos consultados pelo BC apostam em uma taxa de crescimento de 1,59% neste ano (contra 1,42% há quatro semanas), e de 0,5% no próximo (ante 0,55% um mês atrás).

"O quadro fiscal ficou mais incerto nas últimas semanas. As desonerações recentes reduzem a projeção de inflação para 2022, mas elevam a do próximo ano", assinalam os analistas do Bradesco no relatório divulgado no início do mês, no qual revisaram de 0,3% para 0% o crescimento do PIB de 2023, com a estimativa da inflação passando de 4,1% para 4,9% para o ano que vem.

Os analistas do banco destacam ainda que, como o processo de desinflação será lento, o BC só deverá reduzir os juros a partir do segundo semestre de 2023, com a taxa Selic terminando o próximo ano em 11,75%, dois pontos percentuais abaixo do patamar esperado para dezembro de 2022.

É como se o próprio governo não acreditasse na reeleição, diz analista

Vale, da MB Associados, afirma que a política econômica adotada ao longo das últimas semanas passa a impressão de que o próprio governo Bolsonaro não acredita na reeleição, dada a magnitude da deterioração do quadro fiscal à frente.

"É uma herança maldita que o Bolsonaro cria para si mesmo ou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso ele venha a se tornar o próximo presidente", afirma Vale.

Na mesma linha, os analistas do Itaú apontam no relatório de 8 de julho que "a sustentabilidade fiscal está voltando a ser um desafio relevante. Não se trata de uma preocupação com números fiscais de curto prazo, e sim com a trajetória que parece estar contratada para o futuro. O próximo governo terá que definir sobre a continuidade dos auxílios que serão implementados no segundo semestre deste ano, além do arcabouço fiscal que será válido à frente, em uma economia emergente com dívida pública alta e juros elevados."

Mesmo para o cenário mais de curto prazo, o economista-chefe da MB Associados diz que encontra dificuldades para enxergar um crescimento do PIB em torno de 2% neste ano, frente ao quadro macro que se desenha para os próximos seis meses, com o aumento da volatilidade nos mercados por conta das eleições e a desaceleração global nos países desenvolvidos.

Ele trabalha com uma projeção de 1,1% de crescimento do PIB do Brasil neste ano, e de 0,5% em 2023, em um cenário-base no qual a taxa de desemprego deve ter dificuldades para ficar muito abaixo dos dois dígitos.

Vale afirma ainda que vê pouca efetividade das medidas adotadas pelo governo para a retomada do crescimento, haja vista a piora que elas poderão causar tanto para o câmbio, quanto para a inflação e os juros e, consequentemente, para a atividade econômica. "O mercado está pegando muito o momento mais recente e esticando para frente, mas não me parece ser esse o caso", diz o economista, que cita os dados divulgados nesta quinta pelo BC que indicam uma contração da atividade pelo segundo mês consecutivo em maio.

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