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Financial Times mercado de trabalho

'Quiet quitting' não é novo nem é um problema

Se funcionários aparecem todos os dias e fazem o que é pedido, eles ainda estão trabalhando

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Sarah O'Connor

Colunista do Financial Times

Financial Times

Os empregadores vêm tentando entrar na cabeça de seus funcionários há mais de um século. Em 1920, Whiting Williams, que foi diretor de pessoal de uma empresa siderúrgica, chegou a se disfarçar de operário para escrever um livro chamado "What's On the Worker's Mind: by One Who Put on Overalls to Find Out" [o que os trabalhadores têm na cabeça: por um autor que vestiu o macacão para descobrir].

Este ano, um vídeo popular no TikTok sobre "quiet quitting" criou trabalho extra para os especialistas em motivação da mão de obra. De acordo com o instituto Gallup, cerca de metade dos americanos adotaram o "quiet quitting", termo que a instituição define como "pessoas que não vão além do esperado no trabalho e se limitam a cumprir o que seu contrato prescreve".

Especialistas e consultores de recursos humanos não demoraram a oferecer sugestões sobre como resolver o problema. Um artigo na Harvard Business Review exortava os gestores a se perguntarem se "esse é um problema dos meus subordinados ou um problema comigo e com minha capacidade de liderança?"

Mulher de negócios sobrecarregada com demandas - Adobe Stock

Em minha opinião, não é problemas algum. Para começar, os dados da pesquisa do Gallup sugerem que isso não é novidade e nem uma tendência. Pouco menos de um terço dos trabalhadores americanos mostravam "engajamento" no trabalho, e quase um quinto deles exibiam "desengajamento ativo" (o Gallup define os "quiet quitters" como um grupo que não atende a nenhuma dessas duas descrições). As proporções oscilaram um pouco ao longo do tempo, mas estão completamente em linha com a média que existe desde 2000.

Em segundo lugar, eu sugeriria que, caso seu pessoal apareça todos os dias e faça exatamente o que você lhes pede, eles não estão praticando o quiet quitting: estão trabalhando. Algumas pessoas sempre serão propelidas a fazer mais do que lhes é pedido, por ambição, prazer, perfeccionismo ou insegurança, mas se você antecipa que todo mundo aja assim, não podemos mais usar o termo "acima e além do dever".

De fato, as empresas que construíram seu modelo de negócios sobre uma base formada por pessoas que constantemente vão "além" das funções que seu cargo envolve estão em terreno perigoso. Parte da desordem nas ferrovias do Reino Unido nas últimas semanas serve como exemplo: operadoras como a Avanti contaram durante anos com que seu pessoal trabalhasse turnos extras voluntariamente em seus dias de folga; quando a boa vontade dos trabalhadores se esgotou, o serviço entrou em crise.,

Da mesma forma, muitas empresas do setor de videogames dependem do "crunch" (um período em que a jornada de trabalho é muito longa) para cumprir seus prazos. Algumas empresas do setor dizem que isso evoluiu e se tornou uma "cultura de crunch" permanente. De acordo com uma pesquisa da International Game Developers Association, em 2019, 42% dos desenvolvedores disseram que o "crunch" era a expectativa, em seus lugares de trabalho, e que só 8% deles recebiam pagamento por horas extras.

Shaun Rutland, presidente-executivo da Hutch, uma produtora de videogames, diz que quando um profissional é jovem, trabalhar horas absurdas pode criar camaradagem, mas que isso também prejudica a saúde e os relacionamentos das pessoas, e em última análise tem resultados negativos para a empresa. Ele se lembra de que quando era jovem, tinha de trabalhar das 8h às 20h por meses a fio. "Fiquei tão grato por conseguir um emprego no ramo de videogames que minha atitude era a de de que estava disposto a fazer qualquer coisa pela empresa, mas isso me causou problemas de saúde sérios".

E forçar as pessoas a trabalhar demais tampouco é produtivo. Um estudo conduzido por Erin Reed, professora de gestão na Universidade McMaster, Canadá, descobriu que os gestores não são capazes de distinguir entre pessoas que trabalham 80 horas semanais e pessoas que apenas fingem trabalhar.

O que está implícito no pânico das empresas sobre o "quiet quitting" é algo mais profundo: a ideia de que as pessoas que adotam a prática estão "psicologicamente desvinculadas" de seus empregadores, porque suas "necessidades de engajamento não estão sendo plenamente atendidas", como diz o Gallup. Mas é dúbio ingressar nesse território. E se a pessoa ama seu trabalho mas não a organização para o qual o faz, ou vice-versa? E se "propósito" importar para algumas pessoas mas não para outras? E se algumas pessoas fazem seu trabalho só por dinheiro, mas ainda assim são realmente boas nele?

Meu conselho aos empregadores é que saiam da cabeça de seus empregados, deixem de se preocupar se eles amam ou não os patrões, e se concentrem naquilo que os trabalhadores produzem. Eles estão fazendo um bom trabalho ou não? Isso não quer dizer que não haja motivo para perguntar aos trabalhadores como eles se sentem. Mas se você precisa fazer pesquisas de "engajamento", minha experiência de contato com trabalhadores durante mais de uma década sugere que há só três perguntas que precisam ser feitas. Você acha que seu trabalho está prejudicando sua saúde? Seu superior imediato é uma pessoa decente? E você acha que seu salário é justo?

Em seu âmago, o bafafá sobre o quiet quitting revela um entendimento pouco saudável sobre o relacionamento entre as empresas e seu pessoal. Os empregadores não precisam atender a todas as necessidades psicológicas de seus empregados, e os empregados não precisam ser apaixonados por seus empregadores. Que tal uma simples relação contratual de respeito mútuo e obrigações claramente definidas? Proponho a definição "trabalho para adultos". Agora eu só preciso fazer um vídeo sobre isso no TikTok.

Tradução de Paulo Migliacci

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