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Superfãs acusam Disney de privá-los do Mickey

Parques temáticos aumentam preços de ingressos para custear investimento da empresa em streaming

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Elaine Moore

Editora-adjunta da coluna Lex no Financial Times

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Nos Estados Unidos, os fãs mais dedicados de Walt Disney são conhecidos como adultos Disney. É esse o grupo que gasta milhares de dólares a cada ano em visitas aos parques, e quase desmaia de emoção diante do cheiro muito especial da água no brinquedo dos Piratas do Caribe.

Para quem não faz parte do grupo, a devoção dessas pessoas a uma marca voltada às crianças parece embaraçosa. E os sentimentos da Disney mesma com relação a esses fãs são complicados.

Em uma entrevista à revista Hollywood Reporter este mês, Bob Chapek, o CEO da Disney, deu a entender que os fãs que pagam por passes anuais caros estão visitando os parques com tanta frequência que causam superlotação.

Pessoas saem do Disneyland Resort, na Califórnia, no dia de reabertura em meio ao surto de Covid-19 - Mario Anzuoni - 30.abr.2021/Reuters

"Nós amamos os superfãs, obviamente. Mas também gostamos dos fãs que não expressam sua dedicação com tanta frequência... Temos de garantir que haja espaço no parque para aquela família de Denver que visita uma vez a cada cinco anos". As vendas de diversas variedades de passes anuais foram suspensas. Agora é necessário fazer reservas para visitas.

Não há muitas empresas que possam declarar que têm superfãs como clientes. A Tesla, quem sabe. Talvez a Apple. Na Disney, a devoção dos fãs levou o número de visitas aos parques temáticos da empresa nos Estados Unidos de volta aos níveis anteriores à pandemia. Isso permitiu que ela se expandisse, de férias centradas na família para experiências mais caras, como navios de cruzeiro.

No último trimestre, a receita da divisão de parques, experiências e produtos da Disney aumentou para US$ 7,4 bilhões (R$ 39,6 bilhões), ante US$ 4,3 bilhões (R$ 23 bilhões) no período em 2021. Cortar o acesso a um produto tão procurado pode ser uma jogada arriscada.

Vi adultos Disney de perto apenas uma vez. Quando me mudei para a Califórnia, há alguns anos, convenci um amigo a ir comigo à Disneylândia para que eu pudesse descobrir o que havia perdido, já que passei a infância na Inglaterra.

Fomos de carro de Los Angeles a Anaheim, em uma terça-feira tranquila no início de dezembro, para visitar o parque original da empresa, construído em uma antiga plantação de laranjas em 1955. Porque estávamos no meio do ano letivo e era um dia de aula, presumi que teríamos o lugar só para nós. Estava errada. Milhares de adultos em férias se aglomeravam ao nosso redor, todos vestidos e adornados com produtos Disney. Havia longas filas em todas as atrações. Assim como em todos os restaurantes.

A hiper-realidade dos parques temáticos da Disney fez deles os resorts mais populares do planeta.

Construir uma mansão mal-assombrada ao lado das terras do oeste selvagem e diante de um castelo encantado, e cercar tudo isso com barracas de pretzels e cachorro-quente, sobrecarrega os sentidos.

Para muitos visitantes, a conexão com a infância significa que os parques da Disney são mais significativos do que férias comuns. Isso significa que vale a pena pagar mais por eles —o aumento nos preços dos ingressos dos parques supera a inflação. E mesmo quando outros gastos optativos diminuem, os fãs da Disney continuam comprando ingressos.

O problema é que os superfãs não gastam tanto dinheiro por visita quanto os visitantes ocasionais do parque. Afinal, há um limite para o número de orelhas da Minnie que uma pessoa pode usar.

Para alguns, o passe anual que permite aos compradores visitar os parques Disney quantas vezes quiserem ao longo do ano oferece uma boa pechincha.

Uma visita de um dia ao Disney World na Flórida custa US$ 109 (R$ 583). O Incredi Pass anual custa US$ US$ 1.299 (R$ 6.955), mais impostos. Se a pessoa fizer uma vista por mês, sairá no lucro. Se visitar toda semana, ela economizaria mais de US$ 4 mil (R$ 21 mil).

Esse descompasso traz à memória o desastre da MoviePass, que permitia que seus assinantes pagavam menos de US$ 10 (R$ 53) por mês pelo direito de ir ao cinema quantas vezes quisessem. O palpite da MoviePass era o de que as pessoas não usariam o sistema para ver mais de um ou dois filmes ao mês. Mas a vontade dos espectadores de ir ao cinema quase todo dia levou a empresa à falência.

A Disney precisa de seus parques para ajudar a subsidiar seu investimento em streaming. Em agosto, a Disney superou a Netflix no número de assinaturas de streaming, provocando pânico existencial entre os investidores da rival. Com 221 milhões de telespectadores pagantes, a Disney+ é um sucesso. Sua decisão de fixar o preço do serviço abaixo dos concorrentes incentivou as adesões. As assinaturas da Disney+, Hulu e ESPN+ combinadas devem gerar receitas próximas a US$ 12 bilhões (R$ 64 bilhões) este ano, de acordo com a Insider Intelligence.

A capacidade da Disney para vender sua propriedade intelectual de forma cruzada a diferencia de serviços como a Netflix —que tentou vender mercadorias mas não tem nenhuma outra fonte significativa de receita além de assinaturas de streaming.

Mas criar conteúdo suficiente para manter a atenção dos telespectadores custa caro. A Disney tem um acervo impressionante de conteúdo e vem explorando com sucesso franquias como Star Wars e Marvel para criar novos programas de TV. Mas os custos são altos. A empresa anunciou um prejuízo operacional de US$ 1,1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) no terceiro trimestre —três vezes mais do que no mesmo período do ano anterior.

Garantir que os visitantes dos parques continuem voltando, e que eles gastem cada vez mais, é essencial, portanto. A Disney está considerando um programa de afiliação semelhante ao Amazon Prime, que incluiria streaming, acesso aos parques e mercadorias.

Os fãs não estão satisfeitos. Na recente Expo D23, um evento anual para os mais entusiásticos devotos da Disney, houve reclamações por os passes anuais ainda estarem suspensos. Infelizmente para eles, Chapek comandava a divisão de parques, antes de se tornar presidente de toda a empresa. Ele sabe que a procura é muito maior do que a oferta, e não vai deixar de tirar proveito disso por razões sentimentais. Os preços poderiam dobrar e os visitantes continuariam pagando. Os fãs da Disney podem resmungar, mas não vão deixar de ir aos parques.

Tradução de Paulo Migliacci

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