Investimento ESG busca lucro e saída para crise de identidade

Esfriamento da febre verde é chance para mercado afastar fama de bolha

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São Paulo

A febre verde nos negócios esfriou em 2022 com a crise da inflação mundial tirando do mercado o entusiasmo com os investimentos ESG, a sigla em inglês que o mundo corporativo usa para falar de práticas empresariais responsáveis com questões ambientais, sociais e de governança.

Afastando-se do modismo e rechaçando a ideia de que o ESG é uma bolha, profissionais e empresas com protagonismo no mercado financeiro brasileiro aproveitam esse momento para aprofundar o debate sobre o que é, de fato, um investimento lucrativo e alinhado a práticas empresariais saudáveis para o planeta e seus moradores.

Turbina para geração de energia eólica, na Bélgica
Turbina para geração de energia eólica, na Bélgica - Yves Herman - 11.set.2019/Reuters

Na indústria de fundos de investimento, essa discussão resultou em uma recente classificação de produtos financeiros que se dizem verdes. Os números iniciais desse trabalho, assim como a falta de consenso sobre essa rotulagem, mostram que há muito por fazer.

Dos 27.893 fundos disponíveis no país, apenas 23 receberam selos de sustentabilidade ou que ao menos integram princípios ESG da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Outros 40 estão sob análise da entidade.

Trata-se de uma regulação voluntária do setor, sem interferência do governo. Uma tentativa de conter o uso exagerado de termos ligados à sustentabilidade, cuja proliferação poderia desacreditar iniciativas efetivamente comprometidas com o tema, segundo Carlos Takahashi, um dos vice-presidentes da Anbima e chairman da BlackRock no Brasil.

Passada a primeira onda, a demanda por investimentos ESG "é pequena e está numa esfera limitada", diz Takahashi. "Ainda estamos em uma fase que as pessoas estão aprendendo e se informando. É uma discussão ainda muito mais ampla do que voltada a questões específicas", comenta.

Encontrar uma definição amplamente aceita sobre o que é um investimento ESG, porém, é um desafio para investidores profissionais e amadores, segundo Victor Montezuma, chefe de análise da Suno Research. "O que é ESG para alguns, não é para outros", diz.

Fabio Alperowitch, especialista em ESG e sócio da Fama Investimentos, afirma que nenhum dos fundos classificados pela Anbima como sustentáveis possui essa qualidade.

"Nenhum fundo de investimentos no Brasil deveria ser classificado como sustentável", diz Alperowitch. "Nem o meu", afirma.

Ele argumenta que não há na Bolsa de Valores brasileira quantidade suficiente de empresas que possam ser descritas como sustentáveis para a composição de um fundo de ações com essa característica.

Aqui é preciso explicar que há diferença entre ESG e sustentável.

A classificação da Anbima adota um modelo europeu que aponta como sustentável apenas investimentos provenientes de atividades autossustentáveis. A produção de energia de fontes limpas, como solar e eólica, é um exemplo frequentemente citado.

O investimento sustentável pode carregar no nome o sufixo "IS".

Investimentos que não são sustentáveis, mas que integram aspectos da agenda social, ambiental e de governança corporativa, podem ser apresentados como ESG.

Dos 23 fundos classificados pela Anbima, 18 carregam o selo de sustentabilidade. Outros 5 estão na lista ESG.

A Anbima diz que os fundos classificados como IS ou ESG são continuamente avaliados e que o descumprimento das normas poderá resultar na desclassificação do produto.

Descobrir se um ativo é sustentável ou está alinhado à agenda ESG faz parte do trabalho de Lincoln Camarini, chefe de pesquisa e risco da Resultante, consultoria especializada em análise ambiental, social e de governança corporativa para investimentos.

Mas como saber se um ativo é ESG de verdade? "Essa é a resposta que vale um milhão de dólares", brinca Camarini. Ele não cobrou nada para explicar que empresas que praticam greenwashing (a maquiagem verde para enganar a opinião pública) costumam dar pistas disso.

A dica é procurar a descrição das atividades reportadas como ESG nos sites de RI (Relações com Investidores) e em outros espaços que empresas que possuem ações e outros ativos no mercado usam para descrever suas práticas. O objetivo é averiguar a profundidade do discurso.

"Quando a companhia não tem práticas robustas, o discurso é raso", conta Camarini. "Raso é a companhia dizer que tem ações que visam o consumo responsável de água. Robusto é mostrar que a escassez hídrica é uma preocupação para a operação, que as plantas industriais em regiões de estresse hídrico monitoram o consumo de água, que há metas para reduzir o consumo."

"Um discurso raso diz que há uma iniciativa, mas não fala qual. O discurso robusto traz indicadores, metas e estratégia", diz.

Investimento ESG dá lucro? Entenda por que o mercado diz que sim

É a empresa de investimentos multibilionária BlackRock uma das principais responsáveis pela propagação do conceito ESG nos últimos anos.

Em 2019 e em 2020, o diretor-executivo mundial da gestora, Larry Fink, mencionou em suas cartas ao mercado que mudanças climáticas e sustentabilidade serão prioridade para os futuros donos do dinheiro.

Fink traduziu a questão para a língua do mercado, ou seja, em cifras. Explicou que o mundo passa pela maior transferência geracional de riqueza da história, com cerca de US$ 24 trilhões (R$ 130 trilhões) passando das mãos dos baby boomers para os millennials.

O tema ganhou tração com a pandemia. Talvez porque a Covid-19 materializou o impacto do desequilíbrio ambiental sobre a economia ou, possivelmente, porque tinha muito dinheiro no mercado.

Investidores abraçaram o ESG em um momento em que sobrava crédito barato. Bancos centrais amassaram taxas de juros em todo mundo para evitar o congelamento da atividade econômica devido às restrições impostas pelo vírus.

Situação bem diferente ocorre em 2022, com as taxas de juros subindo agressivamente para segurar a inflação.

É um erro, porém, ignorar que investimentos sustentáveis podem ser lucrativos mesmo em cenários de crise, segundo Alperowitch, da Fama Investimentos.

"É preciso se libertar da dicotomia falaciosa entre ser responsável e ganhar dinheiro", diz. "Empresas responsáveis ganham mais dinheiro."

"Se a empresa tem o mínimo de visão ESG, ela tende a ganhar participação no mercado por fidelidade dos consumidores, reduzir rotatividade de funcionários e receber menos multas ambientais", afirma Alperowitch.

"Fazendo uma abordagem completamente cínica e materialista, ainda assim, as pessoas deveriam investir em empresas que estão na agenda ESG."

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