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Meta de emprego para o BC, defendida por Lula, é má ideia segundo ex-membros da autarquia

Eventual governo petista quer diálogo com a autoridade monetária, que hoje tem autonomia

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Brasília

A ideia de criação de metas de emprego e crescimento econômico para o Banco Central, como ventilada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevistas recentes, é vista como inapropriada e inviável por ex-membros da autoridade monetária.

Na opinião de ex-integrantes do BC —que passaram pela autarquia entre os anos 1980 e 2000—, ouvidos pela Folha, a proposta não funcionaria bem e poderia fazer a autoridade monetária desviar de sua missão central, que é controlar a inflação, gerando mais prejuízos para a economia do país.

Para eles, um só instrumento –a taxa básica de juros (Selic)– não dá conta de solucionar mais de uma questão simultaneamente.

Sede do Banco Central, em Brasília, onde acontece o Copom (Comitê de Política Monetária) - Pedro Ladeira - 5.mai.22/Folhapress

"O único mecanismo que ele [BC] tem é aumentar a taxa de juros", disse Lula, ao SBT, no fim de setembro. "O BC precisa assumir outra responsabilidade. O mesmo banco que tem poder para taxar e dar meta de inflação precisa dar meta de crescimento econômico e a meta de emprego que nós vamos criar".

Desde a aprovação da lei de autonomia, em fevereiro de 2021, o BC tem de zelar pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Essas são suas obrigações secundárias, que devem ser cumpridas desde que não haja prejuízo ao objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços.

Para Gustavo Loyola, que presidiu o BC entre 1992 e 1993, no governo Itamar Franco, e entre 1995 e 1997, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, os bancos centrais não deveriam ter duplo mandato, como é o caso nos Estados Unidos.

"O fato de o Fed [banco central americano] ter isso não quer dizer que esteja certo", disse. "Ficar com dois objetivos conflitantes no curto prazo, isso acaba deixando o BC em uma situação em que, no final, não faz nenhum dos dois serviços bem feitos".

O caminho para o crescimento econômico, segundo Loyola, é uma postura "dura, decidida e enérgica" no combate à inflação. O atual diretor-presidente da Tendências Consultoria vê a procrastinação frente ao risco inflacionário como prejudicial à economia.

"É como se a pessoa tomasse uma dose de antibiótico abaixo da correta para atacar uma doença e vai ficar, então, sob tratamento por muito mais tempo. Eventualmente, não conseguirá debelar a doença e precisará até de uma dose maior do remédio", comparou.

O ex-diretor de política econômica Sérgio Werlang considera que colocar uma nova atribuição ao BC não seria eficaz pela falta de ferramentas à disposição da autoridade monetária para estimular a produtividade da economia.

"O BC não tem instrumento para as duas políticas, dessa forma, não é adequado que tenha duas metas primárias que não podem ser atingidas simultaneamente, a não ser por sorte ou em ocasiões especiais, e certamente agora não é uma delas", afirmou.

Para Werlang, uma saída seria reconsiderar as metas de inflação. "O Conselho Monetário Nacional, a meu ver, cometeu um erro enorme quando começou a baixar a meta de 4,5% para 3% [objetivo fixado para 2024]", disse.

A possibilidade de revisão, contudo, não está no radar. Segundo economistas, uma mudança para cima geraria perda de credibilidade para o BC e colocaria o Brasil em desvantagem competitiva frente a seus pares no cenário internacional.

Segundo José Júlio Senna, ex-diretor de dívida pública e mercado aberto, a determinação de metas de emprego e crescimento ao BC não é viável do ponto de vista técnico.

"Nenhum banco central consegue ter controle efetivo sobre variáveis determinadas pelo setor real da economia, como taxa de desemprego e de crescimento do PIB", afirmou. "O BC não tem poder para determinar essas variáveis de maneira sustentável".

Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais, também problematiza a proposta cogitada por Lula. Para ele, seria uma receita para "um desastre".

"Se o objetivo de criação de emprego ou de crescimento não é consistente com inflação na meta, o BC fica em um mata-burro. Ou ele usa a taxa de juros para trazer a inflação para a meta ou vai tentar fazer com que a taxa de crescimento chegue em determinado valor, abandona a meta de inflação, que deixa de estar controlada", exemplificou.

De acordo com Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária, mesmo no caso dos bancos centrais com duplo mandato, o controle de preços acaba sendo prioridade.

"Sabendo que, se a inflação ficar alta, o emprego cai por terra, no final, a primeira prioridade é a inflação", afirmou. "Só que, quando você coloca cinco prioridades, você não tem nenhuma, então, é melhor colocar uma como dependente da outra".

O atual presidente do conselho da Jive|Mauá considera que o arcabouço que existe no Brasil hoje já faz com que o BC tome sua decisão sobre a política de juros levando em consideração renda, emprego e atividade econômica. "No fim das contas, o BC quer maximizar inflação baixa com emprego melhor. Inflação alta é um destruidor de lares", disse.

Economistas sem vínculo com a autoridade monetária também têm ressalvas quanto a possíveis mudanças nas atribuições do BC. Mas o aprimoramento do duplo mandato "light" é defendido pelo economista Bráulio Borges, da LCA Consultores. Para ele, falta hoje uma cobrança maior para que o BC seja mais explícito sobre seu plano de voo quanto aos objetivos secundários.

Apesar das declarações de Lula, a visão sobre modificações ligadas ao BC não são um consenso no PT, já que pode significar gasto de capital político e criação de dificuldades na relação com o Congresso em um começo de governo que terá outras prioridades.

Segundo Guilherme Mello, economista da campanha do ex-presidente Lula, um eventual governo petista vai pleitear uma postura mais vigilante da autarquia no cumprimento dos pilares secundários previstos na lei de autonomia.

Ele defende que a ideia não é alterar a lei que rege o funcionamento do BC, mas dialogar com o presidente Roberto Campos Neto e com a diretoria para um trabalho conjunto mirando elevar o nível de emprego e reduzir a inflação.

"O governo federal vai trabalhar duramente para aumentar o volume de empregos e a renda das pessoas. O BC tem também os seus deveres de controlar a inflação com o máximo possível de emprego", disse.

"Tenho certeza de que, se o ex-presidente Lula for eleito, o diálogo com o BC vai ser muito positivo porque é do interesse de ambos controlar a carestia, controlar a inflação e aumentar o nível de emprego", acrescentou.

Borges, da LCA, pondera que falar de emprego e de pleno emprego são questões distintas. No segundo caso, a meta é levar a taxa de desemprego ao nível de equilíbrio –aquele que não acelera ou desacelera a inflação. Na estimativa da consultoria, a taxa natural fica em torno de 8,5% no Brasil.

"Se definir que o objetivo é o máximo emprego, o céu é o limite, e não necessariamente isso vai ser compatível com o objetivo de manter a inflação em torno da meta", disse.

Para o especialista, criar uma meta de emprego seria um "retrocesso enorme". "Vai simplesmente levar o Brasil para o caminho do que a gente está vendo na Turquia, onde a inflação já chegou a 70%", afirmou. Em setembro, a inflação anual turca atingiu 83%.

O economista José Luis Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), é outro que considera que um mandato duplo com meta de emprego não é adequado para o Brasil, onde há cerca de 39 milhões de trabalhadores informais.

Por outro lado, vê como positiva a definição de uma meta de crescimento para momentos em que o BC se vê diante de choques de oferta. Para ele, se esse fosse o modelo atual, a autarquia teria realizado um ciclo de aperto monetário mais suave. Entre março de 2021 e agosto deste ano, a taxa de juros saltou de 2% para 13,75% ao ano.

"Nas situações em que há conflito de objetivo entre inflação e crescimento quando ocorre choque de oferta, esse mecanismo levaria a uma moderação do ritmo de elevação da taxa de juros e, portanto, resultaria em um menor custo de carregamento da dívida para o governo e em um menor déficit das contas públicas", defendeu.


ENTENDA A AUTONOMIA DO BC

O que é? A lei de autonomia desvinculou o BC do Ministério da Economia, tornando o órgão uma autarquia de natureza especial. A principal mudança foi a criação de mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores, que podem ser renovados apenas uma vez e não são coincidentes com o do presidente da República.

Quando a lei foi aprovada e por quê? Com o objetivo de blindar a instituição de interferências políticas, o projeto de lei de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) foi aprovado na Casa em novembro de 2020. O texto seguiu para votação na Câmara, que ocorreu em fevereiro de 2021 e, em seguida, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Quais são as atribuições legais? O controle da inflação é o objetivo principal do BC, que também é responsável por prover estabilidade para o sistema financeiro do país. A lei de autonomia incluiu entre as obrigações secundárias da autoridade monetária fomentar o pleno emprego e suavizar oscilações na atividade econômica.

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