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Governo Bolsonaro repete Lula e destinará dinheiro público para grandes indústrias de chips

Programa Brasil de Semicondutores extrapola plano do PT ao permitir uso de dinheiro do BNDES para financiar parque no país

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) deve assinar uma medida provisória logo após a eleição criando o Programa Brasil de Semicondutores, plano para que grandes indústrias se instalem no país e passem a fabricar chips mediante incentivos fiscais, subsídios, e até dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A informação foi confirmada por assessores e interlocutores do ministro da Economia, Paulo Guedes, principal idealizador do programa.

Trabalhadores da Foxconn, que produz tablets e celulares da Apple, na sede da fábrica construída em Jundiaí (SP) durante governo da ex-presidente Dilma Rousseff - 13.abr.2015-Paulo Whitaker/Reuters

Além de ser uma revisão de um plano lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2007, a medida contraria o ideário de Guedes, um economista liberal que, desde o início do governo Bolsonaro, se posicionou contrariamente à política desenvolvimentista de uso de recursos do Tesouro e do BNDES para fomentar campeões nacionais em diversos setores.

Guedes assumiu o comando da Economia determinando mudanças nessa política. Sob sua gestão, o BNDES encolheu e passou a atuar como qualquer outra instituição privada na concessão de financiamentos, praticando juros de mercado —e não mais subsidiados com recursos do Tesouro. O diferencial voltou a ser a estruturação de projetos de privatizações.

No entanto, diante da crise causada pela pandemia, que abalou o suprimento de insumos para diversas cadeias de produção no Brasil e no mundo, Guedes quis atender principalmente a indústria automobilística e de eletroeletrônicos também como forma de angariar apoio político para Bolsonaro.

Para isso, o ministro revisou as regras do Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores), criado por Lula em 2007 e que condicionou isenções de tributos a investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Além disso, autorizou o uso do BNDES e da Finep (Empresa Financiadora de Estudos e Projetos) para atuarem não só como financiadores, mas sócios desses empreendimentos de tecnologia.

A Folha obteve cópia da minuta da medida provisória. No quinto artigo, estão detalhados os limites de atuação desses órgãos públicos.

As instituições poderão não só estruturar os projetos como fornecer "instrumentos de apoio aos empreendimentos do setor de semicondutores".

São eles: linhas de crédito de longo prazo ou garantias para financiamento dos custos diretos de capital e custeio, investimentos em infraestrutura ou aquisição de máquinas e equipamentos; e subscrição de ações ou cotas de fundos de investimentos das companhias investidas. Nesses casos, a participação a ser adquirida deverá ser minoritária.

Essas operações poderão contar com "recursos de programas e projetos prioritários para o desenvolvimento industrial e tecnológico das áreas de microeletrônica, semicondutores e displays para equalização da taxa de juros aos padrões internacionais".

Inicialmente, o programa começará com R$ 500 milhões a serem retirados do Orçamento de 2023, mas poderá contar com outras receitas e até doações. Esse dinheiro poderá ser usado pelo BNDES para a "equalização" de juros em patamares internacionais. Ou seja, a redução das taxas.

O país já conta com uma fabricante estatal de semicondutores, o Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) voltada aos semicondutores, mas a empresa está em processo de liquidação desde que foi incluída por Guedes na lista de empresas a serem privatizadas no início de sua gestão.

O Ceitec projeta, desenvolve e vende chips para diferentes aplicações, de passaportes a identificação de veículos e animais.

Criado como associação civil em meados dos anos 2000, a organização foi estatizada em 2008. Naquela época, a meta era inserir o Brasil no mercado global de semicondutores —cuja demanda deslancharia com a popularização dos smartphones—, induzir a implantação de outras empresas de microeletrônica e formar recursos humanos para a área.

Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff anunciou medidas para acelerar esse plano. À época, o governo anunciou que, com as medidas (mais incentivos e isenções fiscais), o Brasil estaria entre os vinte maiores produtores de semicondutores e entre os quatro com produção de displays (telas).

O resultado dessa política culminou com a instalação de uma fábrica da chinesa Foxconn no interior de São Paulo para produzir tablets, Ipads e Iphones para a Apple.

Foram concedidos quase R$ 1 bilhão em benefícios fiscais para que, ao final, a fábrica funcionasse somente como montadora de aparelhos. Os investimentos para a produção local de semicondutores e displays não prosperaram.

Em andamento

O plano de Guedes não começará do zero, porque o Padis continua em vigor. Os futuros beneficiários —e os que já estão habilitados no programa— apenas passarão a cumprir as novas regras.

Nas importações de insumos, máquinas ou equipamentos, por exemplo, haverá isenção de PIS, Cofins, IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), II (Imposto de Importação), e do AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante).

Uma inovação é a possibilidade de lançamento do valor integral da depreciação dos equipamentos no primeiro ano da compra para o cálculo do valor do Imposto de Renda e da CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido). Em geral, esse valor é diluído ano a ano até a completa amortização do investimento.

Quem adquirir serviços no exterior, como uso de marcas e patentes ou transferência de tecnologia, ficará livre do PIS e Cofins de importação, Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e do Imposto de Renda Pessoa Jurídica.

As vendas de produtos produzidos sob os benefícios da medida estarão isentas de Imposto de Renda e de CSLL sobre o lucro operacional da fabricante.

Para usufruir dessas vantagens, no entanto, as empresas terão de destinar ao menos 5% de seu faturamento bruto anual para pesquisas e desenvolvimento, aprovadas pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

No caso das empresas que decidirem ingressar no país sem fabricação local de insumos, ficando restrita à importação total, o compromisso de investimento em pesquisa será de 2% do valor das importações.

Caberá ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação fiscalizar e auditar cada item declarado pelas empresas, tanto de gastos, quanto de investimento em pesquisa em prazo determinado.

Caso contrário, haverá punição como aplicação de multa e, no limite, descredenciamento do programa.

No passado, auditorias do TCU (Tribunal de Contas da União) mostraram falhas nessa política.

A falta de servidores impediu o controle dos gastos e dos investimentos. Ao final, a Receita Federal acabou autuando diversas beneficiárias do programa por não conseguirem comprovar que os investimentos foram direcionados para pesquisas de interesse do país e não da própria empresa.

Consultados, os Ministérios da Economia e o de Ciência, Tecnologia e Inovação não responderam até a publicação desta reportagem.

Gargalos na indústria

O plano de Guedes chega no momento em que outros países também avaliam saídas para uma crise de fornecimento de insumos para a indústria.

Nos EUA, parlamentares avançaram com um projeto de US$ 52 bilhões em subsídios para a produção de semicondutores. O país, assim como outros, tenta diminuir a dependência da Ásia —responsável por atender cerca de 80% da demanda global.

A União Europeia pretende dobrar sua produção de semicondutores até 2030 para tentar minimizar a dependência de fornecedores instalados em países como China, Taiwan e Cingapura, que reduziram a produção durante a pandemia, afetando a economia global.

Com a Covid-19, o trabalho remoto elevou a demanda por eletrônicos, enquanto as montadoras desaceleraram suas encomendas diante das incertezas —desorganizando a cadeia.

Linha de montagem de veículo da Volkswagen na fábrica de Taubaté (SP) - 26.jul.2018- Lucas Lacaz Ruiz

A escassez levou as montadoras no mundo a reduzirem em 10 milhões a produção de veículos em 2021, segundo estimativas usadas pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

Só no Brasil, de 300 mil a 350 mil unidades deixaram de ser produzidas pela falta dos componentes.

Uma década para surtir efeito

Apesar da disposição de Guedes em atender aos setores da economia, um plano desse porte demora a surtir efeitos.

O presidente da Abisemi (Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores), Rogério Nunes, já fez declarações públicas de que o desenvolvimento da produção nacional pode não ter resultados em menos de 10 ou 15 anos. Mesmo assim, ele defende políticas governamentais ao setor.

Dados da associação mostram que cerca de 20 empresas atuam no ramo dos semicondutores no Brasil, mas as empresas não participam da cadeia completa e cerca de 70% dos insumos são importados.

Os semicondutores estão inseridos em absolutamente todos os setores da economia. Antes era somente na indústria eletroeletrônica, mas hoje estão presentes no setor automotivo, no médico, na segurança, nas telecomunicações e até na agricultura.

As vantagens para quem quiser fabricar chips no país

Dinheiro do BNDES e da Finep
Ambas as instituições poderão conceder financiamentos com juros subsidiados e até se tornarem sócias dos empreendimentos, desde que sejam acionistas minoritárias

Isenções fiscais
*PIS, Cofins, IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), II (Imposto de Importação), e do AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante) para importações de insumos

*PIS e Cofins de importação, Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e do Imposto de Renda Pessoa Jurídica para quem adquirir serviços no exterior, como uso de marcas e patentes ou transferência de tecnologia

*Imposto de Renda e de CSLL sobre o lucro operacional da fabricante para as vendas de itens produzidos sob os benefícios do programa

Contrapartidas

Investimento de ao menos 5% do faturamento bruto anual em projetos de pesquisa de desenvolvimento de interesse nacional

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