Descrição de chapéu The New York Times Twitter

Como um filósofo escocês apareceu no telefone de Musk

William MacAskill defende o que chama de 'altruísmo eficaz', ideia abraçada pelas gerações millennial e Z

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Nicholas Kulish

Quando as mensagens de texto de Elon Musk foram divulgadas como parte de um processo judicial sobre sua proposta de compra do Twitter, descobriu-se que o homem mais rico do mundo estava se correspondendo com bilionários da tecnologia, colegas CEOs e banqueiros.

Entre esses líderes empresariais, porém, havia mensagens de um filósofo moral escocês.

William MacAskill estava atuando como intermediário para Sam Bankman-Fried, então CEO da hoje falida FTX, que "há algum tempo está potencialmente interessado em comprá-lo e aperfeiçoá-lo para o mundo", escreveu ele em março, referindo-se ao Twitter.

Empresário bilionário Elon Musk na briga pela compra do Twitter - Olivier DOULIERY/AFP

A aparição de MacAskill nesse lote de mensagens, juntamente com participações na TV e perfis em revistas, contribuiu para uma sensação de sua improvável onipresença repentina. Seu último livro, "What We Owe the Future" (O que devemos ao futuro), tornou-se um best-seller depois de seu lançamento, em agosto.

Seu perfil ascendente está relacionado ao crescimento da comunidade de doadores que ele ajudou a fundar, chamada de "altruísmo eficaz". Antes um nicho para veganos e doadores de rim que viviam frugalmente para que tivessem mais dinheiro para doar para intervenções médicas em países em desenvolvimento, surgiu como uma força na filantropia, especialmente nas doações da geração millennial e da Z.

Em poucos anos, o altruísmo eficaz tornou-se a filosofia de doação de muitos programadores do Vale do Silício, financiadores de fundos hedge e até bilionários da tecnologia. Isso inclui não apenas Bankman-Fried, mas também o cofundador do Facebook e da Asana, Dustin Moskovitz, e sua mulher, Cari Tuna.

"Aconselhar bilionários sobre como doar seu dinheiro e incentivá-los a dar mais, definitivamente, não é para onde eu orientei minha vida", disse MacAskill, professor de filosofia em Oxford, em entrevista. Mas ele vê a utilidade disso, a partir do mandamento central do altruísta eficaz: fazer o máximo de bem possível.

Em sua essência, o altruísmo eficaz se dedica à questão de como uma pessoa pode fazer o maior bem com o dinheiro e o tempo disponíveis.

Se o movimento tem um texto original, é o artigo do filósofo australiano Peter Singer, "Famine, Affluence and Morality" (Fome, afluência e moral), publicado em 1972.

O ensaio, que argumentava que não havia diferença moral entre a obrigação de ajudar uma pessoa que morre na rua em frente à sua casa e a obrigação de ajudar as pessoas que morrem em outras partes do mundo, tornou-se uma espécie de "sucesso tardio" nas últimas duas décadas, segundo Julia Wise, vinculada à comunidade no Centro para o Altruísmo Eficaz, que MacAskill ajudou a fundar.

"Quando não havia Dustin nem Sam Bankman-Fried, eu fui um grande doador do centro como assistente social", disse Wise.

Tradicionalmente, o altruísmo eficaz se dedicava a encontrar as intervenções de menor custo que produziriam mais benefícios. O exemplo clássico são os mosquiteiros tratados com inseticida para prevenir a malária.

Como sugere o título de seu livro recente, MacAskill argumenta que as pessoas que vivem hoje têm uma responsabilidade não apenas com as do outro lado do mundo, mas também com as gerações futuras.

A ascensão desse tipo de pensamento, conhecido como "longtermism" ("longoprazismo"), significou que os altruístas eficazes estão cada vez mais associados a causas que têm um toque de ficção científica –como enviar pessoas a planetas distantes para aumentar nossas chances de sobrevivência como espécie.

Nem todos concordam com essa mudança. Joshua Pederson, que ensina ética na Universidade de Boston, é um dos que criticaram a virada que a comunidade adotou.

"Uma das desvantagens do altruísmo eficaz é essa noção de que você pode receber a resposta certa", disse Pederson. "Então entra em jogo a arrogância, ou didatismo, ou pregação: 'Você doou para a instituição errada.'"

O patrimônio líquido de Moskovitz e Tuna é estimado em US$ 12,7 bilhões. Eles fundaram seu próprio grupo, o Good Ventures, em 2011. O grupo disse que doou US$ 1,96 bilhão desde que foi fundado.

Essa fortuna, juntamente com doações de dezenas de engenheiros altamente remunerados em empresas de tecnologia, significam que a comunidade é excepcionalmente bem financiada.

Então não precisa necessariamente de Musk. Mas não se importaria com ele.

Com uma fortuna estimada em US$ 220 bilhões, Musk poderia, sozinho, tornar o altruísmo eficaz o principal movimento da filantropia. Musk falou na conferência EA Global em 2015, participando de um painel sobre os riscos representados pela inteligência artificial.

MacAskill conheceu Musk naquela conferência, e foi assim que suas mensagens de texto acabaram aparecendo na disputa legal sobre o Twitter.

Em agosto, Musk retuitou o anúncio do livro de MacAskill para seus 108 milhões de seguidores, com a observação: "Vale a pena ler. É muito próximo da minha filosofia".

No entanto, em vez de abraçar esse endosso, MacAskill postou uma resposta detalhada sobre alguns dos lugares em que concordou com Musk –e muitas áreas em que discordou.

De sua parte, MacAskill aceita a responsabilidade pelo que chama de equívocos sobre a comunidade. "Admito uma quantidade significativa de culpa", disse ele, "por ser um filósofo que não estava preparado para tanta atenção da mídia."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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