PT pede adiamento de votação do BID e enfraquece candidatura do Brasil

Mantega diz que Bolsonaro quis impor nome sem combinar com outros países e faz pedido a governo americano

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Fábio Pupo Ricardo Della Colletta
Brasília

O PT está pedindo a outros países que as eleições para a escolha do novo presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) sejam postergadas dizendo discordar da forma como o atual governo indicou o candidato brasileiro —o ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn.

Ilan foi indicado pelo governo Bolsonaro às vésperas do segundo turno, gerando insatisfação no PT. O pleito do partido foi enviado aos Estados Unidos pelo ex-ministro da Fazenda e atual integrante da equipe de transição Guido Mantega e reforçado publicamente por Gleisi Hoffmann, presidente do partido.

À Folha, Mantega afirma que não há nada contra o nome de Ilan, mas que o candidato não foi combinado com outros países. "O Bolsonaro lançou uma candidatura quando estava próximo ao segundo turno, podendo perder, e perdeu. E quis impor um nome sem buscar apoio de outros países", disse.

Ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. - 05.ago.2014-REUTERS/Ueslei Marcelino

Segundo ele, o BID já vivia uma crise causada pelo recém-demitido presidente da instituição, Mauricio Claver-Carone —indicado pelo governo Trump com apoio do governo Bolsonaro e que, segundo o ex-ministro, não atendia às necessidades de países da América Latina.

"Havia uma hostilidade em relação a ele [Carone], porque não veio no bojo de uma concertação de países. Foi indicado sozinho e deu no que deu", diz Mantega. Carone foi demitido em setembro, após vir a público denúncia de que teve relacionamento íntimo com uma subordinada.

Para Mantega, o governo Biden tem pouca chance de votar a favor de Ilan porque se posiciona de forma contrária a Bolsonaro "mesmo que Ilan tenha um bom currículo". "Não há nenhum problema com o nome dele, o problema é como as coisas foram encaminhadas", diz.

Se você não tivesse outros candidatos, seria sinal que ele poderia ser favorito. Mas é remota a possibilidade de ele ser aprovado, então a gente quis prorrogar

Guido Mantega

Ex-ministro da Fazenda e atual integrante do governo de transição

Segundo ele, ministros e ex-ministros latino-americanos entraram em contato dizendo estar desconfortáveis com a questão do BID e vários já lançaram candidaturas próprias, como Chile, México e Argentina. "Se você não tivesse outros candidatos, seria sinal que ele poderia ser favorito. Mas é remota a possibilidade de ele ser aprovado, então a gente quis prorrogar".

O ex-ministro diz que enviou um email à secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, pedindo que o pleito seja adiado. "Seria conveniente postergar essa eleição, e isso é possível, para daqui a uns 45, 60 dias, quando o presidente Lula já tiver assumido. Aí se faria uma negociação com os países os principais países latino-americanos de modo a se encontrar um candidato de consenso", afirma.

Presidente do PT, Gleisi Hoffmann
Presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em entrevista no CCBB, sede do governo de transição - Adriano Machado/Reuters

"Eu acharia de bom tom eles adiarem", disse Gleisi ao ser questionada sobre o assunto por jornalistas. "Nós temos um governo que foi eleito agora. Não tem por que não esperar a posse do governo para poder fazer a indicação."

A eleição para presidência do BID está marcada para 20 de novembro. O candidato brasileiro foi indicado em 24 de outubro, antes do segundo turno das eleições.

"Em nota pública, [o ministro da Economia, Paulo] Guedes afirma que o candidato concilia ampla e bem-sucedida experiência profissional no setor público, em organismos multilaterais e no setor privado, além de sólida formação acadêmica, que o qualificam para o exercício do cargo de presidente da instituição", informou a pasta na ocasião.

De acordo com pessoas que conhecimento sobre o funcionamento do banco, o adiamento é bastante improvável. A postergação abriria brecha para que outros países-membros no futuro solicitassem adiamentos por conta de suas dinâmicas eleitorais internas.

Segundo essas pessoas consultadas pela Folha, o pedido feito por Mantega tem como consequência o enfraquecimento da candidatura do brasileiro. Outros países que lançaram candidatos —como Argentina e México— poderão argumentar que Ilan não tem apoio no futuro governo do Brasil.

Ilan é atualmente diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI (Fundo Monetário Internacional). Ele foi presidente do Banco Central brasileiro entre 2016 e 2019, durante o governo de Michel Temer, e diretor de Política Econômica do órgão entre 2000 e 2003.

Se aprovado, Ilan será o primeiro brasileiro no comando da instituição, que financia projetos na América Latina. No entanto, há a avaliação de que a vitória de Lula tornou o cenário mais adverso para a indicação. Os países da região estão mais alinhados à esquerda, o que pode gerar resistências a um nome apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

O Brasil teve outra oportunidade de indicar alguém à presidência, em 2020, mas desistiu após o então presidente dos EUA, Donald Trump, pedir diretamente a Bolsonaro que apoiasse Carone. Na época foram cotados Marcos Troyjo (hoje no Novo Banco do Desenvolvimento) e o banqueiro Rodrigo Xavier.

Em nota, o PSDB afirmou que, ao boicotar a candidatura de Ilan, Mantega, além de atropelar os trâmites da instituição, mostra "a pior face do PT: a incompreensão de certos processos democráticos".

O partido disse que o PT cobra do governo atual o reconhecimento do resultado das urnas, mas não reconhece a validade do mandato que vai até o fim deste ano.

"Tudo é transformado em 'golpe' quando o PT tem seus interesses atingidos. Profissional respeitado e com passagens bem-sucedidas por diversas instituições, Goldfajn foi indicado por um governo legitimamente eleito e o futuro governo deve respeitar a decisão. O Brasil não pode perder a vaga de organismo internacional tão relevante e com um economista com tantos serviços prestados ao país."

Colaboraram Danielle Brant, Marianna Holanda e Matheus Teixeira

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