Descrição de chapéu Auxílio Brasil

Empréstimo do Auxílio Brasil vira saída para pagar água, luz, aluguel e reforma

Beneficiários têm medo da dívida e muitos encontram dificuldade para a liberação do dinheiro

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Jessica Bernardo
São Paulo | Agência Mural

A costureira Maria de Lurdes Silva, 58, chegou cedo à agência da Caixa Econômica Federal no bairro do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, no dia 14 de dezembro. Desempregada, ela foi ao banco em busca do empréstimo consignado do Auxílio Brasil em uma tentativa de conseguir renda extra para pagar as contas de casa.

"Achei bom esse plano [o consignado]. A gente só tem que saber [como funciona] para não se arrepender depois", comenta.

Assim como ela, moradores de bairros periféricos da capital paulista têm tentado o empréstimo consignado do Auxílio Brasil para ajudar a pagar contas básicas como aluguel, luz e água.

Em Paraisópolis, moradores buscam consignado para pagar contas básicas e reformar casa - Agência Mural

A modalidade de crédito que desconta as parcelas do pagamento no valor do Auxílio Brasil também tem sido procurada por quem precisa reformar a casa ou investir no trabalho.

Maria de Lurdes diz que o empréstimo "daria uma força" nas despesas do dia a dia, além de ajudá-la a investir nos serviços de costura. Para complementar o orçamento da família, ela tem vendido panos de prato e costurado roupas para conhecidos. "Como estou sem emprego, quero investir em alguma coisa", diz.

Morador do Jardim Colombo, na zona sul, Reginaldo Souza da Silva, 37, também quer usar o consignado para pagar as contas de casa e fazer compras de mercado. Ele teve o empréstimo negado ao fazer o pedido, por receber o Auxílio Brasil há pouco tempo.

"Fui fazer [a solicitação] e a moça me explicou que tinha que esperar a terceira parcela." Ele diz que assim que completar o período vai tentar a aprovação novamente. A regra das três parcelas faz parte da lista de exigências para liberar o benefício.

Um estudo feito pelo instituto de pesquisas Plano CDE apontou que comprar comida e pagar as contas do dia a dia estiveram entre as principais razões para a população das classes C, D e E pegar empréstimos no país nos últimos meses.

Moradora de Paraisópolis, Lúcia de Fátima, 50, tem procurado o empréstimo com outro objetivo: o de reformar a casa, que não tem piso nem reboco nas paredes. "Era meu sonho estar no Natal e no Ano-Novo com a casa arrumadinha", conta ela, que divide o imóvel com os filhos de 18 e 30 anos. O mais velho, assim como a mãe, está desempregado. A mais nova está prestando vestibular para geografia.

Lúcia chegou a fazer a solicitação na Caixa, mas foi informada de que as autorizações para o empréstimo tinham sido paralisadas. Ela também teve o consignado negado em outro banco. "Só quero que abra de novo [a liberação do empréstimo]."

Desde as eleições deste ano, quem busca pelo empréstimo na Caixa Econômica Federal tem enfrentado dificuldade para conseguir liberação. O banco passou a limitar a oferta das linhas de crédito e mudou a análise para o consignado do Auxílio Brasil, como mostrou a Folha.

Com as mudanças, a concessão do benefício ficou restrita a clientes com boa análise de risco. Nas redes sociais, as queixas de pessoas que não conseguiram o empréstimo se multiplicaram nos últimos dias.

Questionada sobre os empréstimos negados, a Caixa disse que o consignado continua disponível para contratação. "A concessão de crédito obedece a critérios internos de governança, com base no contexto de mercado, no monitoramento de seus produtos e nas estratégias do banco", afirmou a assessoria do banco, em nota.

No bairro Monte Azul, zona sul, Otaviano Mariano de Sousa, 54, conhece várias pessoas que estão na fila para conseguir o consignado. "Só falam para esperar, esperar e nada", comenta ele sobre a resposta dos bancos aos colegas.

Ele conta que foi um dos primeiros a buscar o empréstimo quando a modalidade foi liberada pelo governo federal, em setembro deste ano.

Sem emprego formal desde 2018, Sousa usou o dinheiro do empréstimo para comprar uma máquina de misturar tintas, que tem facilitado o trabalho nos bicos como pintor. "Para mim foi ótimo", conta ele, explicando que fez contas antes de solicitar o crédito.

Especialistas alertam de que assim como fez Otaviano é preciso entender o tamanho do impacto dos descontos e juros do consignado para não ser prejudicado.

Coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Ione Amorim diz que o ideal é que as pessoas solicitem o crédito apenas em situações de urgência ou com investimento planejado, sempre calculando os riscos da modalidade.

"É preciso fazer esse exercício de pegar só o extremamente necessário porque a gente está falando de um crédito que, se não sofrer alterações, é muito caro. Ele é mais caro do que todas as outras modalidades de crédito consignado", explica.

Com empréstimo e despesas da casa, sobram só R$ 40 do benefício

Ana Benício, 40, não conseguiu prever o impacto que o desconto do empréstimo teria e acabou se arrependendo da decisão. "A metade [do dinheiro] foi para pagar conta e a outra metade foi para comprar uma geladeira", conta ela, que vive em Paraisópolis.

Com o desconto da parcela e o pagamento das despesas de casa, sobram para ela apenas R$ 40 por mês. "Foi bom na hora porque eu estava sem geladeira, mas depois foi ruim", afirma a beneficiária.

Vizinho de Ana, Odair José, 43, desistiu de aderir ao consignado depois que soube como funcionariam as cobranças. "Quando eu li as regras, vi que não compensava". Ele usaria o empréstimo para pagar contas de água e luz.

Pelas regras do consignado, até 40% do valor do Auxílio Brasil, considerando o benefício permanente de R$ 400, pode ser retido para pagar as parcelas do empréstimo, que são descontadas diretamente do benefício da família. Quem contrai o crédito fica obrigado a arcar com a dívida mesmo que seja desligado do programa.

A taxa máxima de juros permitida para o consignado do Auxílio Brasil é de 3,5% ao mês.

Como saber quando aderir ao consignado?

Para evitar casos de superendividamento, Ione sugere que os beneficiários utilizem a Calculadora do Cidadão do Banco Central e façam simulações para avaliar como ficarão as parcelas e quanto tempo o pagamento do consignado deve durar.

A economista recomenda, ainda, que aqueles que decidirem optar pelo empréstimo tentem pegar o apenas o crédito necessário para a família, e evitem comprometer grandes quantias do orçamento familiar, optando pelo valor máximo oferecido pelo banco.

Ela dá como exemplo alguém que esteja com parcelas atrasadas de aluguel e vá ser despejado caso não consiga pagar. "Nesse caso é justificável [pegar o consignado]? Sim. Mas precisa pegar todo [o valor disponível]? Não", explica a economista. "Às vezes você só vai precisar de R$ 1.000."

A especialista faz ainda um último alerta: quem perceber que já está em uma situação de superendividamento deve procurar a Defensoria Pública.

Segundo Ione, com base na lei 14.181, do superendividamento, o cidadão tem respaldo para ter a dívida reestruturada em algum plano junto às instituições. "Seja uma ou sejam várias instituições de crédito, ele poderá chegar num acordo que torne essa dívida, dentro da capacidade de pagamento dele, viável", afirma.

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