'Carne aqui em casa virou luxo', diz beneficiária do Auxílio Brasil que teve empréstimo negado

Beneficiários têm dificuldade para conseguir crédito; Caixa diz que sistema teve suspensão programada

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São Paulo e Ribeirão Preto

Desde o fim das eleições os beneficiários do Auxílio Brasil passaram a ter dificuldade para conseguir o empréstimo consignado associado a esse benefício.

Em agências da Caixa em diversas regiões da cidade de São Paulo visitadas pela reportagem, a informação é de que a linha não está disponível, mas que a procura continua. Os atendentes afirmam que pelo menos cinco pessoas vão até as unidades por dia com a intenção de pegar o empréstimo, sem sucesso.

É o caso de Carien Barth, 54. Ela está desempregada e, desde meados de outubro, tenta conseguir o crédito. Segundo ela, na primeira tentativa, o empréstimo de R$ 2.400 apareceu como aprovado no aplicativo Caixa Tem, mas logo foi cancelado.

Beneficiários em fila para primeiro pagamento do Auxílio Brasil com desconto do empréstimo consignado na zona leste da capital paulista - Rivaldo Gomes - 17.nov.22/Folhapress

Quando foi a uma agência da Caixa Econômica Federal presencialmente para tentar, pela terceira vez, conseguir o crédito, o gerente a informou que o pedido foi recusado porque ela já tinha um empréstimo pelo SIM Digital ainda em vigência. Carien conta que o gerente informou que, se quitasse a dívida naquele momento, o empréstimo do Auxílio Brasil poderia ser concedido.

A Caixa é a principal fornecedora dessa modalidade de empréstimo.

Em seu site, o banco informa que clientes com o CPF irregular, com o auxílio que já esteja em previsão de acabar, que possuem alertas de não comparecimento à convocação realizada pelo Ministério da Cidadania, que estão recebendo o benefício há menos de 90 dias ou que não recebem o benefício por meio de crédito em conta não são elegíveis ao empréstimo, conforme as regras estabelecidas pelo governo. O motivo que serviu como justificativa para a negativa ao pedido de Carien não consta na lista.

"Tenho até vergonha de dizer, mas carne aqui em casa virou luxo", afirma a moradora de Novo Hamburgo (RS). Ela fez o pedido do empréstimo para quitar dívidas e conseguir comprar uma cesta básica.

Caixa diz que sistemas tiveram suspensão programada, mas não comenta dificuldades

Em nota, a Caixa informa que, entre os dias 25 de novembro e 8 de dezembro, foi realizado o processamento da folha de pagamento do Auxílio Brasil, uma rotina que envolve o banco, a Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) e o Ministério da Cidadania. Nesse período, a contratação de novos empréstimos fica suspensa, diz a Caixa, mas seria retomada a partir da última segunda-feira, 12.

Mesmo depois de informada que os clientes ainda não conseguem acessar a linha de crédito após esta data, a Caixa reiterou a informação de que o consignado para quem recebe Auxílio Brasil está disponível nas agências.

Segundo relatos de funcionários que trabalham nas agências da Caixa em São Paulo, na segunda, o sistema permaneceu fora do ar. Já na terça-feira, 13, os relatos eram de que o sistema estava disponível novamente, mas apresentava oscilações. Neste mesmo dia, nas agências, a informação, logo na entrada, era de que as contratações não estavam ocorrendo.

Ao ouvir que a Caixa não estava mais concedendo esta modalidade de crédito, Dannielle Souza Silva, 49, tentou conseguir o consignado no valor de R$ 2.100 pelo Banco Pan. Segundo ela, o benefício foi aprovado, mas pouco tempo depois o banco cancelou o empréstimo e ela foi aconselhada a entrar em contato com outra instituição para conseguir juros menores.

A moradora de Belford Roxo (RJ) diz que pretendia usar o dinheiro para quitar dívidas e comprar roupa para presentear os filhos no final do ano.

Segundo o governo federal, além da Caixa e do Banco Pan, outros 14 bancos também foram autorizados, no início de outubro, a conceder o crédito consignado do Auxilio Brasil. A Folha entrou em contato com todos eles e, com exceção da Caixa, todos informaram que não estão mais avaliando novas propostas para essa modalidade de crédito consignado. A maioria deles não chegou a oferecer o empréstimo aos clientes.

Em nota, o banco Daycoval, um dos credenciados para oferecer o consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, afirma que "estuda com cautela as regras de adesão à portaria do Ministério da Cidadania, uma vez que a ativação do produto exige a realização de ajustes sistêmicos não previstos".

O empréstimo consignado do Auxílio Brasil passou a ser concedido às vésperas do segundo turno das eleições em meio a polêmicas. A medida eleitoreira teve regulamentação tardia e sofreu críticas de especialistas por comprometer um benefício que deveria ser destinado para subsistência.

Para Cintia Senna, educadora financeira da DSOP educação financeira, esse é um tipo mais arriscado de crédito do que qualquer outro porque compromete um auxílio que é temporário e de valor muito baixo.

Ela recomenda que beneficiários do Auxílio Brasil não recorram ao crédito consignado para quitar dívidas, o que criaria mais uma despesa, mas que utilizem a totalidade do benefício para garantir alimentação e sobrevivência.

Segundo a educadora, o ideal é que esses beneficiários utilizem 100% do auxílio para os gastos do dia a dia e, paralelamente, procurem outras fontes de renda que sejam mais duradouras para o pagamento das dívidas. Senna sugere ainda que as contas sejam renegociadas para caber no orçamento mensal.

Após as eleições, um comitê formado por funcionários e ex-dirigentes da Caixa entregou um documento para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que é recomendada a revisão dessa modalidade de crédito, com alerta sobre o risco de superendividamento das famílias de baixa renda.

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