Economistas se rebelam contra mudança em ranking de revistas científicas

Periódicos sobre religião e dermatologia, por exemplo, passaram a ter a mesma nota que publicações internacionais de prestígio da área

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São Paulo

A nova lista de periódicos científicos usada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) colocou, segundo pesquisadores, no mesmo nível de importância prestigiosas revistas internacionais de economia e publicações regionais pequenas e de menor impacto.

A mudança gerou revolta na área. O Qualis, sistema que atribui pesos às publicações, foi divulgado há uma semana e, na economia, já é alvo de um abaixo-assinado e de manifestações públicas de repúdio. Em pouco mais de 24 horas no ar, a mobilização online passou de 500 assinaturas.

Economistas se rebelam contra mudança em ranking de revistas científicas
Catarina Pignato

A petição já foi assinada por pesquisadores como Luciano Nakabashi, presidente da Anpec (Associação Nacional de Pós-graduação em Economia), Francisco Ferreira, da LSE (London School of Economics), Mayara Paixão, de Princeton (EUA), Naércio Menezes e Laura Karpuska, do Insper, Daniel Cajueiro, da UnB, Leonardo Monasterio, do Ipea, Renato Colistete, da USP, e Joana Monteiro, da FGV (Fundação Getulio Vargas).

A publicação de artigos elaborados por pesquisadores em revistas é um dos critérios usados para avaliação de programas de pós-graduação aos quais eles estão vinculados, o que tem impacto nos recursos recebidos pelos departamentos.

Essas classificações também são importantes para jovens pesquisadores, porque servem de referência em processos seletivos e bolsas.

O Qualis classifica diversos periódicos de uma área de conhecimento (existem Qualis em 49 segmentos), que variam de A1 (melhor) a C (pior). Quanto maior a nota de uma revista, mais difícil é ter um trabalho publicado por ela.

O que a atual lista faz, segundo pesquisadores, é inverter essa lógica. Ao nivelar publicações de diferentes pesos, a Capes estaria desestimulando a busca por revistas de maior impacto e de alcance internacional.

Um exemplo desse nivelamento é a classificação atribuída a publicações como a Econometrica e a American Economic Review, ambas A1, e que dividem o espaço com a Revista de Economia e Sociologia Rural, os Anais do Museu Paulista e a Applied Clay Science (periódico dedicado às pesquisas com argila e outros minerais).

A Capes foi procurada por email e por telefone, mas não respondeu. Após a publicação desta reportagem, a coordenação da área de economia, que atuou na elaboração do Qualis, divulgou uma nota na qual diz considerar que há uma incompreensão do instrumento de avaliação e destaca que ele não está estruturado para avaliar ou ranquear pesquisadores individualmente.

A coordenação diz também que se compromete em acolher críticas e sugestões para o aprimoramento dos processos de avaliação.

Em um ranking internacional de publicações acadêmicas de economia, o Ideas/RePEC (Research Papers in Economics), a Revista de Economia e Sociologia Rural aparece em 2.058º lugar; Econometrica está em 1º, e o American Economic Review, em 2º.

"Uma revista como a American Economic Review, uma das mais importantes do mundo, tem a mesma pontuação de revistas nacionais que são importantes, mas que não têm a mesma dimensão", diz o professor da Universidade de Brasília Daniel Cajueiro.

"O impacto de uma publicação em uma revista internacional é de mais de cem vezes em relação à melhor revista nacional."

Um pesquisador leva até cinco anos para conseguir publicar um trabalho em revistas como a Econometrica, de alcance internacional, nos quais o nível de exigência e de relevância da pesquisa é alto. Com o nivelamento, um pesquisador que tenha feito duas publicações em revistas nacionais de menor alcance poderia ser melhor avaliado do que outro que tenha conseguido levar seu artigo a um "journal" cobiçado.

"Órgãos do governo e universidades usam o Qualis como critério, existem incentivos financeiros, diretamente no salário, que dependem disso. E se você bagunça isso, fica uma coisa de não se esforçar, porque é melhor publicar em periódicos não tão relevantes, mas que pontuem mais", diz o pesquisador do Ipea Leonardo Monasterio, que é professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que concede bolsas de pesquisa, também usa o Qualis para avaliar a qualidade da produção de um pesquisador. "A régua passa a apontar na direção errada", diz Cajueiro, que integra o conselho.

Nas redes socais, economistas apontam outras excentricidades da lista divulgada em dezembro, como as avaliações A1 para periódicos como Experimental Dermatology, Wine Economics ou Estudos de Religião –tudo no Qualis de economia.

"Para quem é de uma universidade pública, o salário já não sobe por mérito, não há qualquer incentivo monetário individual para se publicar bem", escreveu, no Twitter, o pesquisador Breno Sampaio, do programa de pós-graduação em economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

"O Qualis, ou ranking dos programas, é onde muitos se agarram com o objetivo de deixar um legado e, ao mesmo tempo, estudar problemas importantes."

Em outro caso, o editor do Boletim de Economia e Política Internacional do Ipea (Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada), André Pineli, considerou "surreal" que a publicação tenha recebido classificação superior a outras duas revistas do instituto, a Pesquisa e Planejamento Econômico e a Planejamento e Política Pública.

A lista do Qualis de economia e de outras áreas pode ser acessada neste link.

Segundo o relatório divulgado pela Capes, "entende-se que os principais periódicos nacionais da área fizeram um esforço no sentido da internacionalização e da busca de alcançar parâmetros de eficiência editorial alinhados com as melhores tendências internacionais".

Em outro momento, o comitê avaliador diz que a posição favorável ao modelo aprovado não foi consensual e que um dos pesquisadores do grupo entendeu que "alterações em estratos e nas respectivas notas dos periódicos poderiam criar incentivos opostos, particularmente o viés de produção direcionada para veículos com piores classificações em rankings internacionais".

Ele considerou que o Qualis precisava considerar os riscos "muito mais altos" para pesquisadores jovens que decidam se dedicar a pesquisas com mais chances de divulgação em periódicos de maior destaque internacional.

Para a comissão, porém, "os mecanismos de diferenciação introduzidos no passado não seriam mais necessários diante do amadurecimento da área e do próprio processo de avaliação, que agora enfatiza mais a formação de recursos humanos e os impactos sociais e as inovações introduzidas pelos programas em consonância com os seus respectivos perfis".

Na nota divulgada na sexta (6), a coordenação de economia afirma que o Qualis passou a dar a mesma nota aos periódicos em todas áreas de conhecimento. Por isso, defende que a figura do "Qualis de Economia" deixou de existir.

"O fato de um periódico constar da lista da Economia", diz a coordenação, "não significa que a sua nota tenha se originado na área." Os periódicos entram na lista da economia porque alguém vinculado a um programa da área publicou artigo nesse veículo.

A coordenação também critica a comparação feita por pesquisadores entre as diversas publicações, e diz que "quem alega haver algum tipo de distorção, desconhece que não se pode estabelecer comparações lineares com diferentes áreas de conhecimento (economia vs. medicina) ou, dentre da economia, com diferentes subáreas (economia geral vs. sistemas econômicos)."

"Não há evidências concretas de que mudanças no Qualis ao longo do tempo tenham criado qualquer incentivo negativo no processo de melhoria qualitativa na produção docente na área da economia", afirma.

Revista de Economia e Sociologia Rural contesta comparação

A Sober (Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural), responsável pela Revista de Economia e Sociologia Rural, diz em nota que menção à publicação "causou grave prejuízo moral" ao associados e à revista.

"A Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (Sober) é uma sociedade civil sem fins lucrativos fundada em 19/02/1959, voltada para as áreas científica, cultural e educacional, cujo escopo é o de desenvolver não somente a Economia, Administração e a Sociologia, como outras ciências correlatas à temática rural, fornecendo subsídios para a implementação de políticas públicas voltadas para o rural em suas diversas especificidades e manifestações", diz a entidade.

"A Sober conta atualmente com cerca de 500 sócios adimplentes, com representação em todos os estados da Federação, realiza seu congresso anual a mais de meio século (com cerca de mil participantes), sendo que sua 61ª edição irá ocorrer de 23 a 27 de julho de 2023, nas dependências da centenária Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"/USP.."

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