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Haddad prega responsabilidade fiscal, mas falta o plano de voo

Ao tomar posse da Fazenda, petista promete nova regra fiscal ainda neste semestre

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Brasília

Sob pressão para melhorar a fotografia das contas públicas para 2023, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), fez um discurso de posse recheado de recados e promessas de compromisso com a responsabilidade fiscal, mas faltou o plano de voo.

Embora a retórica tenha causado boa impressão pelas intenções da nova equipe de reduzir o déficit, controlar o endividamento e retomar o crescimento sustentável, a cobrança que recai sobre um ministro já empossado vai muito além. O que se espera são detalhes de como o novo governo pretende atingir esses objetivos.

Não basta mais elencar de forma evasiva prioridades como a reforma tributária e o envio de uma proposta de nova âncora para as contas públicas —prometida para este semestre—, defesas já conhecidas pelo público geral.

Fernando Haddad é empossado ministro da Fazenda em cerimônia no CCBB - Gabriela Biló - 2.jan.23/ Folhapress

Em vez de detalhar quais serão os pilares de cada uma dessas agendas, Haddad passou boa parte do discurso respondendo a críticas disparadas pelo mercado contra ele desde que foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a Fazenda.

"Não somos dogmáticos, somos pragmáticos. Queremos resultados, mas seguimos princípios e valores", disse, elencando o foco no social como um desses princípios.

O novo ministro também defendeu maior atuação estatal, embora tenha deixado a porta aberta para que essa presença possa ser mais enxuta do que imaginado. De novo, porém, ele reagia a críticas de quem teme um aumento desenfreado de gastos e subsídios públicos. "Um Estado forte não é um Estado grande, um Estado obeso", afirmou.

A questão que ainda não foi respondida é como essas visões serão conciliadas com a promessa de sustentabilidade das contas e até onde Haddad terá apoio político para implementar sua agenda.

Uma primeira batalha foi perdida na discussão da desoneração dos combustíveis, em que o ministro e sua equipe precisaram abrir mão da ideia de deixar caducar as isenções implementadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em ano eleitoral.

A ordem de Lula foi prorrogar os benefícios, parte deles até o fim do ano. Pesou na decisão o fator político e o risco de um aumento dos tributos elevar os preços nas bombas e consequentemente a inflação.
A reversão das desonerações era uma das alternativas para ajudar na redução do "déficit absurdo de R$ 220 bilhões" previsto para este ano.

O ministro até disse que ele e sua equipe não aceitarão ficar com esse número e prometeu medidas para as próximas semanas. Mas, além do revés nos combustíveis, passou batido o fato de que o rombo foi aprofundado justamente pela aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que ampliou gastos e pela qual ele agradeceu ao Congresso.

Haddad tem razão em reclamar de novas desonerações adotadas pelo governo Bolsonaro no apagar das luzes do mandato e que ajudaram a tirar até R$ 15 bilhões do caixa de Lula no primeiro ano da gestão, segundo os cálculos preliminares da nova equipe.

No entanto, não é só a reversão dessas medidas que vai resolver o impasse fiscal.

Nas próximas semanas, Haddad precisará cumprir o que prometeu e começar a detalhar o caminho a ser trilhado pelo ministério sob sua liderança. Se pretende entregar uma proposta de nova regra fiscal ainda no primeiro semestre, o ministro deveria começar desde já a sinalizar quais são premissas para a discussão, para além do mantra "credibilidade, previsibilidade e transparência" que vem sendo entoado desde a campanha.

Até hoje, por exemplo, o mesmo governo que promete acabar com o "sigilo de cem anos" ainda não deu publicidade aos relatórios finais de cada um dos grupos da transição —o da Economia tinha justamente como uma das missões discutir possíveis formatos para um novo arcabouço fiscal no país.

Durante seu discurso de posse, o próprio ministro recorreu a analogias para dizer que o Brasil "precisa de timoneiros" e "de gente que tenha senso de direção". Mas é preciso que a tripulação também conheça o roteiro e tenha a certeza de que não há outras pessoas no porão querendo conduzir o barco para outro rumo.

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