Descrição de chapéu Governo Lula

Leia trechos comentados do discurso de posse do ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Novo ministro diz que é preciso fazer o Brasil voltar a crescer com sustentabilidade e responsabilidade

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São Paulo

Ao assumir o cargo na manhã desta segunda (2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que vai enviar ao Congresso Nacional ainda no primeiro semestre uma proposta de novo arcabouço fiscal, ou seja, de regras para a arrecadação e os gastos públicos, em substituição ao teto de gastos atualmente em vigor..

Leia trechos comentados do discurso de posse.

Posse ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no CCBB - Gabriela Biló /Folhapress

"Bom dia, amigos e amigas.

(...)

A expressão 'arrumar a casa' tornou-se uma metáfora comum nos discursos dos que iniciam um novo governo, uma nova administração. Mas ouso dizer, sem o receio de cometer exageros: estamos mais próximos da necessidade de reconstruir uma casa do que simplesmente arrumá-la.

Os atos na política econômica do país em 2022 foram dos golpes mais duros que eles desferiram contra o povo brasileiro, eleitoralmente, eleitoreiramente. Não apenas contrariaram o bom senso e a recomendação de técnicos da economia: foram deliberadamente irresponsáveis!

Com objetivo exclusivamente eleitoreiro, acabaram com filtros de seleção de beneficiários dos programas de transferência de renda e de benefícios constitucionais, como os previdenciários, comprometendo a austeridade desses programas e consequentemente a austeridade fiscal do país. Recentemente, aliás, confessaram o ato, nos pedindo ao governo de transição a retirada de dois milhões e meio de pessoas que eles incluíram indevidamente no cadastro do Bolsa Família."

Comentário: O governo Bolsonaro admitiu a inclusão indevida de pessoas no Auxílio Brasil ao convocar, para o início deste ano, uma averiguação dos cadastros de famílias com apenas uma pessoa. Segundo o Ministério da Cidadania, dos 3,2 milhões de benefícios a passarem pela revisão, 2,5 milhões devem ser bloqueados.


"Além disso, também distribuíram benesses e desonerações fiscais para empresas, para amigos, desobedecendo qualquer critério que não fosse ganhar a eleição a todo custo. E mesmo depois da eleição. Tivemos um péssimo exemplo de transição. Mas mais do que isso, no dia 30 de dezembro foram capazes de publicar no Diário Oficial dois decretos que darão mais de R$ 10 bilhões de prejuízos aos cofres públicos. Esses são patriotas que deixam o poder."

Comentário: O ministro criticou medidas assinadas pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão. O governo anterior reduziu tributos sobre querosene de aviação, IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), PIS/Cofins de grandes empresas e editou medida sobre preço de transferência das multinacionais (uma forma de calcular o lucro dessas companhias para fins de recolhimento de impostos).

"E o custo é esse, senhoras e senhores: 3% do PIB gastos em aumento irresponsável de dispêndios e em renúncia fiscal. Estamos falando, portanto, de um rombo de cerca de R$ 300 bilhões, provocado pela insanidade."

Comentário: As renúncias tributárias totais são estimadas, no Orçamento, em 4% do PIB em 2022 e 4,3% em 2023. Em julho, o petista Aloizio Mercadante, indicado para a presidência do BNDES, estimou um risco fiscal de R$ 330 bilhões com medidas adotadas pelo governo passado. Medidas como o corte do IPI, redução de PIS/Cofins sobre combustíveis (que o governo Lula decidir estender por mais 60 dias), compensações a estados por mudança no ICMS e acúmulo de precatórios são estimados pelo mercado em cerca de R$ 150 bilhões. A expansão do Bolsa Família e a complementação do Orçamento para evitar paralisação da máquina pública representam mais de R$ 100 bilhões e estão contemplados na PEC da Gastança, por meio da qual o novo governo obteve autorização para gastos fora da regra do teto.

"O povo brasileiro, que acompanhou a fase de transição de governo, entende bem do que estamos falando.
E sabe que esses e outros erros do governo precisam ser corrigidos.
Portanto, é o que faremos com urgência nesse primeiro ano.

Não aceitaremos um resultado primário que não seja melhor do que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento para 2023. Vamos trabalhar arduamente para rever todos os atos, que considero ilegais, que provocaram essa situação"

Comentário: O Orçamento de 2023 traz uma meta de R$ 231,5 bilhões para o déficit primário, ou seja, da diferença entre receitas e despesas não financeiras do governo. O valor previsto na proposta de Orçamento era de R$ 63,7 bilhões, mas foi elevado após a aprovação da PEC da Gastança.

"Mas além de trabalhar com toda ênfase na recuperação das contas públicas, é preciso combater a inflação. É preciso fazer o Brasil voltar a crescer com sustentabilidade e responsabilidade. Mas, principalmente, com prioridade social. Com geração de empregos, oportunidade, renda, salários dignos, comida na mesa do trabalhador e preços mais justos. Essa é a síntese da missão que recebi do nosso presidente Lula.

E, podem ter certeza, eu e a minha equipe não mediremos esforços e daremos o melhor de nós para cumpri-la. Assumo com todos vocês o compromisso de enviar, ainda no primeiro semestre, ao Congresso Nacional, a proposta de um novo arcabouço fiscal, que organize as contas públicas, por um novo prazo. que seja confiável, e, principalmente, um arcabouço que seja respeitado e cumprido."

Comentário: A PEC da Gastança prevê que o Executivo irá enviar uma nova proposta de regra fiscal até 31 de agosto de 2023. Quando aprovada essa nova regra (por projeto de lei complementar), será revogado da Constituição o teto atual, alterado diversas vezes no governo Bolsonaro. Vários economistas, e o próprio Tesouro Nacional, já apresentaram propostas nesse sentido, muitas delas ligadas ao tamanho da dívida pública.

"Se você se propõe uma meta que é inalcançável, você não tem meta nenhuma. Se você se propõe uma meta que não seja ambiciosa, você não motiva o país. É nesse equilíbrio fino entre a factibilidade e a ambição que nós vamos exercer o nosso mandato em relação a todas as metas econômicas com as quais todos os que estamos nesta sala estamos preocupados.

Nós sabemos da necessidade de colocar os indicadores econômicos no rumo certo. Não existe um economista mais preocupado que outro em relação à sustentabilidade e higidez das contas públicas. Um Estado forte não é um Estado grande, não é um Estado obeso. É um Estado que entrega com responsabilidade o que está previsto na Constituição. Nós não queremos nem mais nem menos que os direitos do cidadão respeitados e isso inclui, como não pode deixar de ser, a responsabilidade fiscal. Essas coisas têm que caminhar juntas.

Recentemente eu afirmei em entrevista que não existe política fiscal ou monetária isoladamente. O que existe é política econômica, que precisa estar harmonizada ou o Brasil não se recuperará dessa tragédia."

Comentário: O ministro tem afirmado que a política monetária, comandada pelo Banco Central por meio da taxa básica de juros, e a política fiscal, que é a gestão de receitas e despesas feita pelo Ministério da Fazenda, precisam caminhar juntas. Em entrevista, ele disse que "não estamos num momento em que a expansão fiscal [mais gastos públicos] vai ajudar a economia" e que, "se houver espaço para estímulo [econômico], seria o monetário" [redução da taxa básica de juros].

"Estamos com os juros mais altos do mundo em termos reais e precisamos sim buscar o entendimento da autoridade fiscal e da autoridade monetária buscando o equilíbrio. Não gosto de trabalhar com remendos. Vamos apresentar nas primeiras semanas de governo as medidas necessárias para restabelecer a confiança dos investidores e dos cidadãos no nosso país. Não vamos deixar isso para o segundo ano, terceiro ano, quarto ano. Vamos resolver logo."

Comentário: O Brasil é o país com a maior taxa real de juros ao ano, acima de 8%, considerando a projeção para os juros descontada a previsão de inflação para os próximos 12 meses. A aprovação da PEC da Gastança, que permite mais gastos, mas não indica qual será o instrumento para conter o aumento da dívida pública, levou a um aumento nas expectativas de inflação para os próximos anos e nas taxas de juros de mercado.



"Obviamente que há uma instância política, que é a Presidência da República, que define o ritmo e que define os rumos do país, mas, enquanto equipe técnica, e vocês sabem o quanto isolada a equipe econômica fica na Esplanada, nós somos o patinho feio da Esplanada, mas nós aceitamos esse encargo, para fazer o bem para a população, para fazer o bem para o país. Não tenho dúvida de que estou ladeado das melhores cabeças para apresentar ao presidente Lula o plano de sustentabilidade social, ambiental e econômica de longo prazo para nossa nação.

(...)

O Brasil vive hoje um momento muito difícil. E precisa de timoneiros, de gente que tenha senso de direção, que saiba onde está o farol em meio a correntezas e tempestades."

Comentário: Para 2023, as projeções indicam um crescimento menor do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, que tende a desacelerar devido a uma combinação de fatores. Entre eles, a possibilidade de recessão nas maiores economias mundiais.

"Nós estamos preparados para isso. Somos quase todos economistas de formação, a maioria de profissão, temos ampla experiência administrativa e a confiança daquele que é considerado o melhor presidente da nossa história em todas as pesquisas de opinião."

Comentário: Haddad é bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela USP (Universidade de São Paulo). Na área econômica, trabalhou como analista de investimento no Unibanco, subsecretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo e assessor do Ministério do Planejamento.

"Não somos dogmáticos, nós somos pragmáticos, nós queremos resultados, mas seguimos princípios e valores. Você não precisa ser dogmático em relação a medidas a tomar, mas você precisa ter princípios e valores do seu lado. Inspirado em princípios e valores é que nós vamos tocar a agenda econômica. E me sinto muito confortável em uma equipe econômica que tem Geraldo Alckmin, que tem Simone Tebet, que tem Esther Dweck. Éramos o posto Ipiranga, agora somos uma rede de postos, quatro, que vão fazer a diferença no Brasil.

É muito ruim concentrar todos os ovos numa cesta, e foi o que foi feito. Nós queremos agir colegiadamente, ouvir a sociedade, não estamos aqui para dar aula, estamos para buscar os melhores argumentos e aprender e buscar o melhor caminho. Se esse caminho for consensuado pela ampla maioria, tanto mais sólido ele será. Mais bem pavimentado vai estar nosso caminho rumo à liberdade, à Justiça e à prosperidade que todos anseiam."

Comentário: Posto Ipiranga é o apelido dado pelo ex-presidente Bolsonaro ao ex-ministro Paulo Guedes. Ele criou um Ministério da Economia que reuniu a função de diversas pastas —que estão sendo agora redivididas. Nesse trecho Haddad também acena a críticos que o consideram professoral e arrogante.



"O arcabouço fiscal que pretendemos remeter para o Congresso logo no primeiro momento terá a premissa de ser confiável e demonstrar tecnicamente a sustentabilidade das finanças públicas. Um arcabouço que abrace o financiamento do guarda-chuva de programas prioritários do governo, ao mesmo tempo que garanta a sustentabilidade da dívida pública.

Não existe mágica, não tem bala de prata nem malabarismos financeiros. O que existe para garantir um Estado fortalecido é a previsibilidade econômica, confiança das pessoas, investidores, consumidores e transparência com as contas públicas."

Comentário: A dívida bruta do governo está em 74,5% do PIB (dado de novembro/2021), menor patamar desde dezembro de 2019 (74,4%), antes da pandemia. Em 2020, chegou a 89%. Em 2015, estava em 65%. A sustentabilidade da dívida é algo que depende da avaliação dos investidores. Um país pode recorrer à emissão de dinheiro para pagar dívidas em moeda nacional e evitar o calote. Mas o crescimento ininterrupto do endividamento pode levar à avaliação de que o governo terá de promover em algum momento um forte ajuste fiscal ou aumentar a emissão de moeda (o que pode gerar inflação) para garantir sua solvência.

"Não estamos aqui para aventuras. Estamos aqui para assegurar que o país volte a crescer para suprir as necessidades da população em saúde, educação, no âmbito social e, ao mesmo tempo, para garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal.

Vamos trabalhar dia e noite para que o Brasil restabeleça a sua relação comercial com o mundo e garantir investimentos para o nosso país.

Vamos voltar a democratizar o acesso ao crédito, como em 2003, quando o Brasil experimentou um período de grande expansão do crédito, com responsabilidade."

Comentário: Em 2003, no início do primeiro governo Lula, foram aprovadas as principais regras que tratam do crédito consignado. Durante o mandato do petista, os bancos públicos também ajudaram na expansão do crédito. Algumas dessas operações, no entanto, provocaram alto endividamento, aumento da inadimplência e prejuízos aos bancos estatais.

"Não vai ter projeto de lei parado em mesa. Não existe isso. Se o projeto é bom ele vai andar, muita coisa boa está parada em algum lugar, e vamos montar uma força-tarefa para reunir esses projetos, que inclusive já foram propostos pelo Banco Central, por parlamentares, por partidos políticos e vamos endereçar ao Congresso Nacional essa missão de aprová-los o quanto antes.

Nós temos que modernizar a legislação deste país. As PPPs, que eu tive a honra de minutar o projeto de lei que foi ao Congresso (...) é uma lei que ainda tem muitos impedimentos burocráticos, e nós temos que remover, é uma lei que pode garantir parcerias público privadas muito efetivas e isso pode dinamizar o PPI. Nós podemos fazer do PPI um grande empreendimento, além das obras públicas que serão retomadas, porque há empreendimentos necessários que não tem sustentabilidade de curto e médio prazo e isso sim exige financiamento público puro, mas a grande maioria dos empreendimentos não, eles podem ser feitos de maneira conjunta, e nós vamos buscar.

Sem investidores não vamos ter empregos, nós não vamos gerar riqueza. Mas é preciso um equilíbrio entre os interesses dos mais variados setores da população. "

Comentário: Recentemente, Haddad defendeu a agenda de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) para alavancar investimentos. Quando estava no Ministério do Planejamento, ele foi um dos responsáveis pela lei das PPPs. Por outro lado, declarações e medidas recentes do governo Lula 3 para limitar privatizações deixaram investidores preocupados, derrubando o preços de ações, principalmente de estatais. Nesse trecho, o ministro procura responder a esses segmentos, mostrando valorizar o investimento privado.

"Buscaremos também um sistema tributário mais transparente, sobretudo mais justo e mais simples. (…) E, por isso mesmo, mais eficiente, evitando a cumulatividade e retirando o peso tributário das famílias de baixa renda. Isso vai permitir, ainda, que o Brasil se aproxime dos padrões das grandes economias mundiais."

Comentário: O ministro se refere às propostas de reforma dos tributos sobre o consumo que tramitam no Congresso e que preveem a criação de um Imposto sobre Valor Agregado, com possibilidade de um mecanismo de devolução de imposto para a baixa renda.

"Atuaremos também de modo a fomentar e aproveitar o enorme potencial brasileiro de gerar novas energias, como a eólica, a solar, a do hidrogênio e a oceânica.

Encerro agradecendo a todos os que aceitaram me ladear nessa missão no Ministério da Fazenda. À nossa equipe de transição, que trabalhou dia e noite, incansavelmente, para entregar um relatório profundo sobre a situação atual do Brasil, muito obrigado. Como previmos, o desafio será enorme, mas não maior do que a vontade de devolver o país ao seu povo.

Quero agradecer às deputadas e deputados, senadoras e senadores, companheiras e companheiros que trabalharam em favor da aprovação da PEC da Transição. Eu digo isso: contentou alguns e descontentou a outros, mas quero dizer, em alto e bom som, que sem ela o campeonato não estaria organizado."

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