Descrição de chapéu Financial Times

Por que as contas do melhor restaurante do mundo não fecham

Fechamento do Noma, na Dinamarca, sinaliza uma crise para a alta gastronomia

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John Gapper
Londres | Financial Times

Quando o Guia Michelin dá três estrelas vermelhas a um restaurante, denota "cozinha excepcional, que vale uma viagem especial". Quem estiver planejando uma ida ao Noma, o restaurante de Copenhague dirigido por René Redzepi que é considerado o melhor do mundo, deve se mexer: ele vai fechar no final do próximo ano.

Os pratos esculpidos com ingredientes naturais de Redzepi, como ragu de rena com grãos e sementes cozidos, criaram o culto alimentar Novo Nórdico e atraíram turistas globais para a Dinamarca. Por 630 libras (R$ 3.900) por cabeça, com harmonização de vinhos, seu menu de jantar apresenta "todas as frutas silvestres, a abundância de cogumelos –tudo o que podemos encontrar na floresta".

Mas toda essa busca afetou Redzepi e sua equipe de 95 chefs, garçons e outros funcionários. "Isso é simplesmente muito difícil, e temos que trabalhar de uma maneira diferente", disse ele ao New York Times esta semana, anunciando que passará de um restaurante em tempo integral para uma "cozinha de teste pioneira" e operação de comércio eletrônico, que ocasionalmente aparecerá como um restaurante.

Cozinha do Noma, em Copenhage, na Dinamarca - Thibault Savary - 31.mai.2021/AFP

Isso reflete em parte a pressão sobre todos os restaurantes à medida que se recuperam da pandemia: os custos dos ingredientes aumentaram drasticamente e ficou mais difícil recrutar pessoal. Também sinaliza uma crise para aqueles que estão no topo, cujo modelo de negócios tem exercido imensa pressão sobre chefs e aprendizes, por recompensas geralmente baixas (e às vezes nenhuma).

Redzepi descreve o trabalho como "árduo, cansativo e mal remunerado, sob condições de gestão precárias que desgastam as pessoas", e o Noma só começou a pagar seus estagiários em outubro. Antes disso, os "estagiários" que afluíam à Dinamarca para acrescentar o prestigioso nome a seus currículos profissionais trabalhavam de graça, arrancando penas de pato e colhendo ervas.

Parece improvável que um restaurante possa cobrar tanto e permanecer financeiramente frágil, e Redzepi diz que adicionar US$ 50 mil à sua folha de pagamento mensal não forçou a mudança de curso. Mas Ruth Rogers, dona do River Café em Londres, disse que quando visitou o Noma no ano passado, "eles estavam preocupados com a sustentabilidade de ter tantos funcionários e um esquema tão caro".

Uma terceira estrela Michelin exige padrões culinários e de serviço tão elevados que podem ser uma carga para um "restaurateur" (o Noma também tem uma estrela extra: a verde, pela sustentabilidade). Quando o restaurante espanhol elBulli fechou, há uma década, tinha uma equipe de 48 chefs e 28 garçons entregando 40 pratos por noite para 50 clientes e, consequentemente, tinha prejuízos de 500 mil euros por ano.

A pressão é repassada por chefs de cozinha exigentes (e às vezes abusivos) por toda a brigada de cozinha até os chefs juniores e aprendizes na base. Certa vez, Redzepi confessou que a raiva perfeccionista contra os erros começou a borbulhar dentro dele quando "tive meu próprio restaurante, com meu próprio dinheiro investido, com o peso de toda a expectativa do mundo".

A fórmula, no entanto, funcionou nos últimos 30 anos, não apenas para chefs famosos, mas também para as cidades e regiões às quais eles deram um efeito mítico. Um estudo na Espanha descobriu que restaurantes com estrelas Michelin, particularmente aqueles com três estrelas, são um grande atrativo para os turistas. Apesar do preço, a "temporada de caça e floresta" do Noma já está esgotada até meados de fevereiro.

Mas chefs como Redzepi não são os únicos a se cansar. O Noma é amplamente elogiado pelo uso de ingredientes naturais, mas seu modelo de emprego não parece tão sustentável. Mesmo os clientes que podem pagar também pensam duas vezes antes de voar longas distâncias para serem servidos de refeições elaboradas por chefs mal pagos, que trabalham longas horas em busca da perfeição.

Rogers diz que respeita e admira Redzepi, mas acha que "há uma dúvida sobre restaurantes com estrelas Michelin e boas experiências. Para mim, parece bastante antiquado". Ela se lembra de ter visitado restaurantes parisienses onde "você se fantasiava, ficava intimidado pelo chef de cozinha e pelo sommelier e não se sentia bem o suficiente para estar lá. Você comia muito bem, mas era assustador".

Sua resposta foi cofundar um restaurante que, embora caro e amado por celebridades, foge da formalidade e tem apenas uma estrela Michelin ("cozinha de alta qualidade, vale a pena conhecer"). Ela diz que o guia Michelin uma vez sugeriu que poderia ganhar uma segunda estrela se abandonasse as toalhas de mesa de papel, mas ela ignorou o conselho.

A nova ideia da Redzepi é ainda mais democrática: reorganizar os chefs para criar "novos sabores e ideias" para sua operação de comércio eletrônico, Noma Projects. Já está vendendo artigos como "vinagrete de forrageira" a 25 libras (R$ 155) a garrafa, bem como a adesão a um clube privado de degustação por 475 libras (R$ 2.954). Ele precisa movimentar 25 garrafas de vinagrete para igualar a receita de um cliente que bebe vinho.

Uma cozinha de teste não tem o efeito mítico de um restaurante famoso, então o Noma continuará aparecendo em público, na Dinamarca e em outros lugares. Se conseguir realizar o truque de manter prestígio e poder de precificação sem ter que servir constantemente, será invejado por outros que continuam presos a uma dura rotina.

Redzepi sempre foi um inovador, e esta é sua experiência mais interessante: não com a comida em si, mas em tornar uma instituição de elite sustentável para os chefs e também para os clientes. Está na hora de uma mudança.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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