Descrição de chapéu Governo Lula Banco Central

Centrão e ala da base aliada contestam discurso de Lula na economia

Parlamentares temem Lula 3 mais radical e não querem recuar em pautas como autonomia do BC

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Brasília

Líderes partidários afirmam que não há intenção, nas bancadas que representam a maioria do Congresso, de recuar em pautas econômicas já aprovadas em governos anteriores.

Eles também manifestaram receio de que o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja mais interventor e radical do que os dois primeiros, num cenário em que o Congresso recém-empossado tem sinalizado uma visão mais liberal na economia.

Apesar da investida de Lula contra o Banco Central e a privatização da Eletrobras, o centrão e dirigentes de partidos aliados do governo rejeitam a ideia de rever essas medidas –encampadas na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia no BNDES - Mauro Pimentel/AFP

As declarações recentes de Lula na área econômica irritaram a cúpula da Câmara, de acordo com interlocutores do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ele manifestou incômodo especificamente com as críticas à privatização da Eletrobras.

A ofensiva do petista contra a autonomia do Banco Central e o mandato do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, também não tem tido respaldo de senadores nem do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Nos bastidores, integrantes de partidos da base de Lula, que participaram do café da manhã com o presidente nesta quarta (8), dizem que o petista precisa moderar o discurso para evitar desgaste com o Congresso e com o mercado financeiro. Essa é a posição da ala mais moderada entre os aliados do petista.

"Eu considero que é um avanço, uma autonomia que afasta critérios políticos de algo que tem um aspecto técnico muito forte", afirmou Pacheco na noite desta quarta-feira (8), defendendo que a autonomia já foi debatida pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

"O presidente do Banco Central é um homem preparado, de muito bom trato. O presidente Lula está realmente muito determinado em enfrentar o problema de fome, miséria. São todos homens de boa intenção e, quando homens de boa intenção se reúnem, os problemas se resolvem", completou.

Por outro lado, líderes da ala mais ligados à esquerda querem que Campos Neto vá ao Congresso para prestar explicações. No entanto, mesmo entre senadores aliados de Lula a visão é de que a chance de isso acontecer é remota, até porque boa parte deles defende a autonomia do Banco Central.

O presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, disse que Campos Neto "tem que ser enquadrado" e que "vários" integrantes da base prestaram apoio ao movimento do presidente de "enfrentar essa política econômica do Banco Central".

Segundo integrantes de PP, Republicanos, PSD, União Brasil e MDB, há o temor de que as declarações sejam um indício de que Lula 3 será menos pragmático, semelhante ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Hugo Motta, líder do Republicanos, disse não acreditar que a Câmara aprove projeto contra a autonomia do Banco Central ou convite para uma ida de Campos Neto à Casa para falar sobre o tema.

Aliados do presidente Lula na Câmara, por sua vez, se mobilizam para viabilizar o convite —isso foi tema abordado em reunião com líderes da base aliada e vice-líderes do governo na Câmara na noite de quarta-feira (8).

O deputado Guilherme Boulos, líder do PSOL na Câmara, está coletando assinaturas para um requerimento de urgência para que o convite possa ser votado no plenário na próxima terça-feira (14). Segundo ele, alguns líderes ficaram de consultar suas bancadas.

O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, diz que assinou o documento. "Para mim ele vai ter que explicar o inexplicável. Eles tomaram muitas medidas nos anos anteriores que levaram o país à fome, à miséria, ao desemprego, a salários achatados, à inflação descontrolada, a juros nas alturas", disse.

"Isso não é responsabilidade só do [ex-presidente Jair] Bolsonaro ou do [ex-ministro] Paulo Guedes. O BC tem um papel muito relevante."

Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT) diz que também irá assinar o requerimento, mas afirmou que trata-se de uma situação "trivial" que não deve "gerar estresse".

"É bom debater, isso não pode gerar estresse nem no mercado nem entre o governo e a oposição. Estou aqui há 16 anos e nada mais trivial do que um convite por uma autoridade do país, de uma autarquia, vir aqui debater conosco. Não tem que gerar estresse", disse o parlamentar.

No caso específico dos ataques de Lula ao presidente do BC, integrantes do centrão veem duas hipóteses para as reiteradas críticas do petista.

Uma delas seria forçar uma renúncia do presidente da autoridade monetária, que, desde a aprovação da autonomia do BC, passou a ter mandato. Se Campos Neto deixasse o cargo, o governo poderia apontar seu substituto, que tomaria posse após aprovação do Senado.

Outra possibilidade é que, com as críticas, Lula estaria tentando terceirizar a responsabilidade por um eventual crescimento inferior ao esperado da economia brasileira.

Essa ala do Congresso, portanto, tem apontado semelhanças entre o comportamento de Lula e o de Bolsonaro –que costumava dizer que estava sem margem de manobra diante da atuação de outros Poderes e órgãos.

Integrantes do centrão criticam também o posicionamento de Lula sobre pautas já aprovadas pelo Congresso. No caso da privatização da Eletrobras, as declarações do presidente também incomodaram o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), que foi relator da medida na Câmara. Elmar não foi ao café da manhã com Lula.

Na terça-feira (7), Lula disse que a AGU (Advocacia-Geral da União) questionará contrato que abriu caminho para a privatização da Eletrobras. Ele afirmou que o governo buscaria rever as regras a que a União ficou submetida.

O PT contesta que, apesar de a União ter 40% das ações da empresa, só pode ter 10% dos votos.

Líderes do centrão também já articulam derrotas para o Palácio do Planalto. A ideia é derrubar a transferência do Coaf (Conselho de Atividades Financeiras) do Banco Central para o Ministério da Fazenda, proposta de Lula.

Parlamentares apontam que há contradição no PT, que encampou a defesa do Coaf ficar com o Banco Central no governo Bolsonaro. O argumento era que o órgão deveria ficar livre da influência de Paulo Guedes (ex-ministro da Economia) e de Sergio Moro (ex-ministro da Justiça).

Também há forte resistência no Congresso à proposta que extinguiu a Funasa, que é a Fundação Nacional de Saúde. Uma ala do PT também mostrou descontentamento com o fim da entidade. Lula vai discutir o tema com aliados do partido.

Em relação à pauta econômica mais ligada à esquerda, deputados e senadores do centrão também afirmam que não há clima no Congresso para uma revisão ampla na reforma da Previdência e na reforma trabalhista, como indicou Lula na campanha eleitoral.

Nos últimos dias, Lula tem feito duras críticas ao presidente do BC. Ele disse nesta semana que a atual taxa básica de juros do país, a Selic, é uma vergonha. Também já classificou a autonomia da instituição como uma "bobagem".

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, botou panos quentes na crise e disse que não há fritura de diretores da autoridade monetária.

"Não existe nenhuma iniciativa do governo sobre mudança da lei [da autonomia] do Banco Central e nenhuma pressão sobre mandato de qualquer diretor. A lei estabelece claramente que tem mandatos e que serão cumpridos", disse a jornalistas.

"O presidente tem que falar o que ele acha. Aliás, são temas que ele tratou na campanha. Não vejo problema nenhum. Acho muito mimimi de que o presidente não pode falar, de que tem um tabu. Política monetária é desenvolvimento econômico. A responsabilidade da economia é dele", disse à Folha a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann.

"Não acho que isso [declarações de Lula] irá gerar um desgaste. Ele se elegeu com o compromisso de gerar crescimento e emprego, de colocar dinheiro em política pública. Ele nunca enganou. Todo mundo que entrou, apoiou e que está hoje na base sabe a posição do Lula", completou Gleisi.

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