Descrição de chapéu Saneamento no Brasil

Governo deve ampliar prazo para empresas municipais de saneamento se adaptarem a marco

Regra atual impede uso de recursos da União caso companhias deixem de se regionalizar até 31 de março

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Brasília

O governo deve estender o prazo para empresas municipais de saneamento cumprirem regras do marco do setor, instituído em 2020. Com a mudança, elas terão mais tempo para promoverem a chamada regionalização —quando passam a participar de uma estrutura que atende a mais de uma cidade.

A regionalização foi prevista com o objetivo de contribuir para dar mais viabilidade aos investimentos, em razão do ganho de escala das operações.

De acordo com especialistas, a regionalização é positiva porque permite operações maiores e, assim, redução de custos. Além disso, torna possível a municípios cujas licitações sozinhas não são atraentes se juntarem a outros mais rentáveis —promovendo a ampliação da prestação do serviço.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Rui Costa (Casa Civil) durante a cerimônia de lançamento do novo programa Bolsa Família, no Palácio do Planalto, em 2 de março deste ano - Pedro Ladeira/Folhapress

O marco não estabelece como a regionalziação deve ocorrer, mas alguns caminhos possíveis são a extinção dos serviços municipais e a criação de uma licitação conjunta para um grupo de cidades (caso de Alagoas) ou a criação de uma estrutura de governança única detida pelas empresas municipais. Ainda é possível que as empresas se fundam.

O marco do saneamento determinou que a alocação de verbas federais ou a concessão de empréstimos com recursos da União ficam condicionados à existência de uma prestação de serviço regionalizada. Por isso, as companhias municipais ficam impedidas de contratar financiamentos com recursos da União após 31 de março caso não tenham promovido a regionalização. A expectativa é que a prorrogação desse prazo seja anunciada neste mês.

A alteração negociada é apoiada pelas empresas do ramo e agrada a integrantes do governo, que querem dar plenas condições para que companhias municipais também possam continuar operando diante do novo marco legal.

"Caso [as empresas não regionalizadas] deixem de investir por causa dessa regra, a meta de 2033 será uma miragem", afirma o secretário-executivo da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), Francisco Lopes.

O marco legal do saneamento, sancionado em 2020, definiu 2033 como meta para a sua universalização —ou seja, fornecer água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.

De acordo com Lopes, as discussões apontam 2026 como novo prazo para a regionalização. Os serviços municipais de saneamento representam um quarto do setor, que tem também empresas estaduais e privadas.

A maior empresa municipal de saneamento do Brasil é a Sanasa, de Campinas (SP). O presidente da companhia, Manuelito Magalhães, diz que o principal entrave para a regionalização é que os mandatários locais não querem abrir mão de operar o serviço em seu município, o que acaba acontecendo com a regionalização.

Isso foi observado em parte de Alagoas, estado que tem uma experiência considerada bem-sucedida de regionalização —com cerca de 85 dos 102 municípios aderindo ao mecanismo. "Por questões políticas locais, acabou não tendo todos", diz George Santoro, secretário de Fazenda do estado.

Antes da regionalização, 70% dos municípios que aderiram ao processo tinham a empresa estadual como prestadora, e 30% tinham serviços próprios. Eles foram aglutinados em três blocos, licitados em 2020 e 2021. Três companhias diferentes venceram os certames, que ficaram responsáveis por todas as cidades.

Os investimentos esperados são de cerca de R$ 7 bilhões. A empresa estadual ficou apenas com o fornecimento de água.

A Sanasa, de Campinas, chegou a participar de discussões com o governo de São Paulo para se regionalizar também, mas as discussões não avançaram. Agora, a ideia é modelar blocos menores.

Apesar do consenso quanto ao maior prazo para a regionalização, o governo, empresas municipais, estaduais e privadas divergem em outras questões sensíveis.

A principal delas diz respeito aos cerca de 420 contratos entre empresas estaduais e municípios que venceram sem que o serviço deixasse de ser prestado. Nesses casos, a lei atual prevê que uma licitação seja feita. A empresa estadual que presta o serviço pode participar do certame e deverá apresentar condições melhores do que as concorrentes para continuar com o serviço.

As empresas estaduais, no entanto, querem continuar a prestar o serviço mesmo sem licitação —o que é criticado pelas empresas privadas do setor. Procurada, a Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento) não quis dar entrevista.

Outro problema são as cerca de 190 cidades onde sequer há um contrato. Uma delas é Salvador. A companhia responsável é a Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), que pertence ao estado da Bahia, comandado pelo PT desde 2007.

Entre 2014 e 2022, o estado foi comandado pelo hoje ministro da Casa Civil, Rui Costa, que terá a palavra final sobre o caso —já que o debate sobre mudanças no marco é tocado pela pasta. Caso ele decida contra as empresas estaduais, a Embasa poderá perder a prestação de serviço em Salvador, que representa cerca de 35% de sua receita total —o que, em tese, prejudicaria seu sucessor, o também petista Jerônimo Rodrigues.

Questionada, a Casa Civil disse que "as questões que envolvem o Marco Legal do Saneamento Básico estão em fase de discussão e, até este momento, não há definição estabelecida".

"O governo está se reunindo com diferentes atores do setor para que possam ter o maior número possível de contribuições antes que uma decisão seja tomada. Por isso, é necessário aguardar um pouco mais para que o debate do tema avance", afirmou.

Procurada, a Embasa disse que "a intenção da empresa é buscar uma solução consensual de longo prazo com o município de Salvador, oportunidade em que serão tratados aspectos comerciais e novos investimentos que garantam a expansão e melhorias dos serviços prestados".

A prefeitura da cidade, comandada por Bruno Reis (União Brasil), aliado do ex-prefeito ACM Neto (União Brasil) e rival do grupo petista, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O acordo tácito nessas reuniões entre o governo e o setor é de evitar uma mudança legal, o que necessitaria a aprovação de um projeto de lei no Congresso, onde o PT ainda não tem uma base consolidada.


Entenda a regionalização

O que exige a lei?

O marco do saneamento determinou que a alocação de verbas federais ou a concessão de empréstimos com recursos da União ao setor ficam condicionadas à existência de uma prestação de serviço regionalizada.

O que é regionalização?

A regionalização é alcançada quando a prestação de serviço é feita em mais de um município. Ela pode ocorrer, de acordo com o decreto que regulamentou o texto, sob três modalidades:

  1. Região metropolitana, unidade de aglomeração urbana ou microrregião (instituída pelos estados para municípios limítrofes mediante lei complementar);
  2. Unidade regional de saneamento básico (instituída pelos estados por lei ordinária, constituída pelo agrupamento de municípios não necessariamente limítrofes, para dar viabilidade econômica e técnica às cidades menos favorecidas); e
  3. Bloco de referência (agrupamento de municípios não necessariamente limítrofes, criado por meio de gestão associada voluntária).

Qual o prazo atual para a regionalização?

A regulamentação da lei determinou que o prazo para obter tais empréstimos se encerraria no dia 31 de março de 2023 nos casos em que não houve regionalização (desde que obedecidas determinadas condições).

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