Licença paternidade de 16 semanas promove mudança cultural na Espanha

Desde 2021, país concede igual período remunerado a homens e mulheres após nascimento de filho

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Ana Requena Aguilar
El Diario

No dia 1º de janeiro de 2021 a Espanha se converteu no primeiro país do mundo em que mães e pais têm direito à mesma licença pelo nascimento de um filho: 16 semanas intransferíveis e 100% remuneradas.

Dois anos após a entrada em vigor de uma medida que muitas especialistas consideram crucial para a promoção da igualdade de gênero, os dados oficiais e as pesquisas revelam que a maioria dos homens está fazendo uso de suas licenças e acreditam que isso vai promover a corresponsabilidade pelos cuidados dos filhos.

Homem faz compras em supermercado
Na Espanha, desde 2021 pais e mães têm o mesmo tempo de licença pelo nascimento de um filho - Xavier Jubierre

Mas destacam que existem diferenças: enquanto as mulheres tendem a tirar sua licença de modo contínuo, os homens fragmentam a deles para não passar tanto tempo distantes do trabalho. Enquanto isso, algumas empresas estão adotando medidas inovadoras para incentivar seus funcionários (homens) a cuidar de seus filhos.

Uma pesquisa da economista Cristina Castellanos-Serrano qualifica como "sucesso" a reforma que equiparou as licenças, na medida em que a maioria dos homens usa sua licença-paternidade total. "Isso não foi conseguido em nenhum outro país", destaca.

Citando as conclusões de outros estudos, ela diz que na Espanha os homens tiram a licença-paternidade "em escala maciça, seja qual for sua situação econômica, classe social, o tipo de contrato e o nível de instrução".

A socióloga Teresa Jurado, membro da Plataforma para a Licença Igual e Não Transferível de Nascimento e Adoção (PpiiNA), acredita também que houve um "efeito enorme" que desencadeou uma mudança cultural.

"Desde que o debate sobre a extensão da licença foi resolvido em 2007 e que as licenças-maternidade e paternidade foram sendo progressivamente igualadas, a sociedade abraçou a ideia de que os homens devem cuidar de seus bebês. Os homens estão participando mais do cuidado de seus filhos, estão participando mais das aulas de preparação para o parto e estão comparecendo aos eventos escolares de seus filhos. Hoje isso tudo nos parece normal, mas ainda não é o caso em outros países. Também as empresas aceitam que os homens vão se ausentar, e essa é uma mudança importante", ela diz.

Jurado destaca que um fator chave dessa evolução é o fato de os funcionários receberem 100% de sua remuneração durante a licença-paternidade: estudos indicam que os homens só tiram a licença-paternidade se forem bem pagos. Mas tanto Jurados quanto Castellanos-Serrano avisam que ainda é cedo para enxergar o impacto dessa mudança refletido em cifras macroeconômicas.

É claro que nem tudo é ideal. As estatísticas mostram que homens e mulheres continuam a usar sua licença de maneiras diferentes, e isso tem consequências. As mulheres a tiram de modo contínuo, enquanto os homens tendem a dividi-la em partes. E muitos casais heterossexuais tiram suas licenças simultaneamente.

"A licença-paternidade permite aos homens passar muito mais tempo com seus bebês, e isso altera a dinâmica do cuidado. Mas essas mudanças são ainda mais acentuadas quando os homens tiram sua licença consecutivamente à de sua companheira, e não simultaneamente. Nesses casos, tanto pai como mãe têm tempo de aprender, de responsabilizar-se plenamente pelo bebê e ser capazes de cuidar de seu filho sozinhos. Isso influencia a dinâmica criada a partir do momento em que o casal volta ao trabalho, porque converte ambos em cuidadores principais. Quanto mais o pai cuida de seu filho, menor será o impacto do cuidado do filho sobre o ambiente de trabalho da mãe", diz Castellanos-Serrano.

Paco Abril é sociólogo e pesquisador que estuda o gênero e a masculinidade. Ele faz parte do projeto Men In Care, que, entre outras coisas, oferece oficinas e cursos de formação a empresas privadas e instituições públicas para promover a conscientização da corresponsabilidade e ajudar a mudar as dinâmicas das empresas e das famílias.

Nessas oficinas, Abril fala aos participantes "sobre como foram socializados como homens, o que significa cuidar, como funciona a partilha de responsabilidades e assim por diante. Procuramos trazer a experiência de vida deles para a oficina e discutir as questões a partir disso."

A discussão então passa para as empresas, "para entender que as organizações também têm um gênero que se expressa nos relacionamentos, na dinâmica e na cultura da organização".

Abril abre discussões sobre as dinâmicas culturais que impedem mulheres de alcançar cargos de responsabilidade, além da ideia de que pessoas que ocupam determinados cargos precisam estar sempre disponíveis para o trabalho ou reuniões em suas horas livres.

A oficina termina com dicas sobre como ajudar pessoas e empresas a equilibrar a vida pessoal e profissional. "O mais importante é não converter isso numa negociação pessoal entre a empresa e o funcionário, mas num diálogo sobre direitos estabelecidos."

A rede de supermercados Sorli é uma das empresas que vem oferecendo a oficina a seus funcionários. Isso fez parte de um esforço mais amplo de estender políticas como o horário de trabalho flexível a todos seus funcionários igualmente. Das 1.950 pessoas que trabalham na rede, 63% são mulheres. "Desde 2020 estamos assistindo a uma mudança: as licenças-maternidade e paternidade são muito equilibradas, homens e mulheres as tiram igualmente", diz Alba Martínez, diretora da área trabalhista do departamento de recursos humanos. Mas ainda há disparidades.

Alba Martínez (esquerda) e Esther Guillamet (direita) em frente ao supermercado Sorli
Alba Martínez (esquerda) e Esther Guillamet (direita) em frente ao supermercado Sorli - Xavier Jubierre

Por exemplo, ela diz que 98% dos pedidos de redução da jornada de trabalho são concedidos a mulheres. Com relação à licença, também a empresa já observou que as mulheres a tiram de modo contínuo, enquanto os homens a dividem de forma intermitente, estendendo-a por um período mais longo.

Tanto funcionários de nível intermediário quanto seniores já participaram da oficina. "Trabalhar com novas imagens de masculinidade faz parte de nosso Plano de Igualdade", diz Ester Guillamet, especialista em igualdade do Grupo Sorli.

"O fato de a empresa dedicar recursos a esse tipo de formação mostra que os funcionários encaram essa questão como muito importante."

Ela acredita que mudanças estão ocorrendo na cultura da organização devido a isso, como uma melhoria na comunicação, uma quebra de estereótipos, e o fato de as pessoas estarem se beneficiando cada vez mais de seu direito a um equilíbrio entre trabalho e vida privada, sem recear incorrer em consequências negativas. Depois da pandemia a empresa fez uma sondagem para analisar o impacto dessas iniciativas sobre o modo como é organizado o cuidado dos filhos. "Foi uma maneira de gerar consciência e continuar a trabalhar sobre medidas que promovem a corresponsabilidade."

As oficinas nem sempre são fáceis. Abril reconhece que já topou com resistência real –em alguns lugares, muito forte. "Algumas pessoas se levantam para dizer que não há problema nenhum em sua empresa. As reuniões precisam ser abordadas com paciência. É preciso apresentar evidências com dados. Mas há também pessoas de cabeça muito aberta, pessoas que entendem a desigualdade e a necessidade de mudanças", ele fala. O sociólogo também detecta uma mudança generacional.

"As gerações mais jovens de homens mudaram seu modo de pensar e suas prioridades; a carreira é muito importante, mas percebe-se que eles valorizam o cuidar de seus filhos. Querem estar presentes para eles."

Esther Guillamet em supermercado
Esther Guillamet em supermercado - Xavier Jubierre

Juan García Caja também assistiu a uma das oficinas da Men In Care. Ele o fez como funcionário e diretor da ONG Sifu, que trabalha para incluir pessoas com deficiências na sociedade e no mercado de trabalho. "Fizemos para ver o poder desse tipo de ação e observar se poderia nos ajudar a promover a igualdade, especialmente com os homens que assumem responsabilidades domésticas", ele fala.

Caja achou que depois do curso os funcionários haviam assimilado melhor a noção de igualdade. "Eles entenderam que não estamos isolados, que os mesmos problemas que existem fora da organização são criados dentro dela. E é bom que melhoremos internamente na medida do possível, porque isso acabará repercutindo para a sociedade."

O padrão observado em outros lugares se repetiu na Sifu: homens e mulheres têm licença igual, mas os homens tendem a dividir a sua em vários períodos, enquanto as mulheres tiram a sua de forma contínua.

O grupo introduziu mais uma medida para fomentar a corresponsabilidade: todas as pessoas que têm filhos podem beneficiar-se de uma redução da jornada de trabalho no primeiro ano de vida do filho, mantendo seu salário. O objetivo é que a decisão sobre quem ficará em casa nos primeiros meses de vida do bebê, após o término da licença, não dependa de qual membro do casal ganha mais.

Traduzido por Clara Allain.

Esta reportagem está sendo publicada como parte do projeto "Towards Equality", uma iniciativa internacional e colaborativa que inclui 14 veículos de imprensa para apresentar os desafios e soluções para alcançar a igualdade de gênero.

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