Para economistas, BC deve manter juros inalterados, apesar de pressão de Lula

Analistas projetam que a Selic continue no patamar de 13,75% pela quinta vez seguida

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Brasília

Apesar da forte pressão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela redução dos juros no país, a aposta é que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central vai manter na reunião desta quarta-feira (22) a taxa básica (Selic) inalterada –pela quinta vez consecutiva– no patamar de 13,75% ao ano.

Economistas ouvidos pela Folha não veem espaço para início de corte de juros antes de junho, e a maior parcela dos agentes do mercado financeiro projeta que o afrouxamento monetário comece apenas a partir do segundo semestre.

As discussões quanto a uma possível antecipação na redução de juros pelo BC começaram a ganhar força no início do mês, com reflexo nos preços dos ativos financeiros, depois que se intensificaram os temores com uma crise de crédito somada ao cenário de desaceleração da economia.

Centrais sindicais protestam contra juros altos em frente ao Banco Central, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

As expectativas de inflação para prazos mais longos, contudo, continuaram se deteriorando. Segundo o boletim Focus, divulgado pelo BC na última segunda-feira (20), a projeção para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 2024 avançou de 4,02% para 4,11% –já distante do centro da meta (3%).

Para 2025, a estimativa dos economistas saiu de 3,80% para 3,90% e, para 2026, saltou de 3,79% para 4,00%.

"Não existe reduzir juros com projeção de inflação acima da meta", afirma José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV. A piora das expectativas de médio prazo é outro ingrediente citado por ele para que o colegiado do BC sustente os juros no nível atual.

Segundo o especialista, a política do BC também é norteada hoje por juros reais de mercado muito altos, puxados por uma piora na percepção de risco-país, e pela política monetária dos Estados Unidos.

Apesar da turbulência financeira provocada após o colapso do SVB (Silicon Valley Bank), Senna ressalta que a inflação nos EUA continua elevada e o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) não deve mudar de rota.

"Quanto mais altos os juros reais americanos, menor o grau de liberdade do Banco Central para reduzir nossos juros reais", afirma.

O principal elemento que poderia abrir caminho para o aguardado corte de juros, segundo o ex-diretor do BC, é uma reação bastante positiva do mercado financeiro à nova regra fiscal, em gestação no governo Lula.

Para o economista, uma reação "morna" poderia levar a uma pequena melhora nas expectativas e a algum alívio nos juros reais de mercado. "Mas a briga não é essa", pondera. "Os governantes não estão nessa luta para conseguir redução de 2 pontos percentuais, mas uma redução de juros muito mais significativa, como levar [a taxa básica] para 7%."

Nesta terça-feira (21), Lula disse que vai "continuar batendo" para que o BC reduza a taxa de juros, afirmando que é uma irresponsabilidade manter a Selic no patamar de 13,75%.

Para Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, uma melhora do lado fiscal pode levar o BC a cortar juros a partir do fim do ano.

O economista ressalta que, embora a divulgação do desenho da nova regra esteja próxima – Lula afirmou que o anúncio ficará para abril, quando voltar de viagem à China–, a efetiva implementação do marco ainda está distante, e ele pode sofrer alterações ao longo do processo de tramitação no Congresso Nacional.

Ele também espera mudanças na meta de inflação –a ser definida em junho, segundo o cronograma do CMN (Conselho Monetário Nacional). Um patamar mais alto é defendido por Lula, que considera os atuais objetivos muito baixos e prejudiciais para o crescimento da economia.

"Não é que tudo mudou numa direção de redução de juro", diz Kawall, que cita também ainda uma piora no comportamento da inflação nos últimos meses.

Em fevereiro, o índice oficial de inflação do Brasil acelerou para 0,84%, com a pressão dos reajustes na área de educação. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPCA passou a acumular alta de 5,60% em 12 meses. O índice segue acima da meta de inflação perseguida pelo BC para 2023. O centro do alvo é 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

O ex-secretário do Tesouro também diz não estar "nem um pouco convencido da narrativa da crise de crédito". Outro que a descarta é Reinaldo Le Grazie, sócio da Panamby Capital e ex-diretor do BC. Para ele, os credores –mercado de capitais e bancos– ficaram mais cuidadosos na aprovação de crédito.

Embora não veja risco, o economista considera que, no cenário doméstico, há a continuação de um ambiente de crédito difícil para as empresas e de comprometimento de renda das famílias –problema que já estava desenhado e que vai se agravando.

"O endividamento das famílias está nas máximas, isso é limitador para o consumo e, portanto, para a atividade econômica. O consumo já caminhava e vai continuar nessa direção de deixar de ser um impulsionador da atividade", afirma.

Na avaliação de Le Grazie, a aversão ao risco que atingiu o cenário internacional, com a turbulência gerada pela falência de bancos nos EUA e pelo caso do Credit Suisse, não chegou ao Brasil de maneira forte.

Quanto à questão fiscal, o ex-diretor do BC diz que a autoridade monetária pode reconhecer o esforço do governo em dar encaminhamento à discussão e começar a preparar o terreno para, nas próximas reuniões, ver quando começará a reduzir juros. Ele estima que os cortes podem começar a partir de junho, embora sua avaliação seja para agosto.

"Dá para o Copom fazer um comunicado mais positivo", resumiu.

Para Paula Magalhães, economista-chefe da A.C. Pastore & Associados, apesar de todos os eventos, o BC não deve mudar seu plano de voo. A expectativa dela é que o corte de juros tenha início somente em novembro.

Ela lembra que o Comef (Comitê de Estabilidade Financeira) do BC avaliou que o sistema financeiro nacional continua resiliente após o caso Americanas –que entrou em recuperação judicial em janeiro.

"As nossas instituições financeiras aparentemente têm condições sólidas, essa questão não é algo que deveria e que pressionará o Banco Central a baixar juros", disse Magalhães, acrescentando que também não vê risco de crise de crédito até o momento.

"Da última reunião para cá, a gente teve uma desancoragem ainda maior das expectativas de inflação. O arcabouço fiscal a gente sabe que vai ter, mas não sabe o que é", acrescentou. Para a economista, o colegiado adotará o mesmo tom usado no comunicado da última reunião, dando sinais de cautela.

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, considera que possíveis quedas de juros são factíveis apenas a partir de agosto, quando há expectativa de que a inflação arrefeça, e que até agora não há muitos elementos para o BC sinalizar redução da Selic.

No entanto, a especialista acha difícil que o BC segure o patamar da Selic nos atuais 13,75% ao ano até lá, diante da forte pressão a que vem sendo submetido pelo governo, embora seja uma instituição autônoma.

Para Inhasz, a chegada de novos diretores indicados pelo presidente Lula pode influenciar no processo de afrouxamento monetário, ainda que a decisão do Copom seja tomada de forma colegiada pela cúpula da instituição.

De acordo com o ministro Rui Costa (Casa Civil), os nomes para a diretoria já foram escolhidos por Lula e serão encaminhados para o Senado, onde devem ser sabatinados, depois que o presidente retornar da China –a viagem está programada de 26 a 31 de março.

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