Descrição de chapéu Mercado imobiliário

Reformas preservam estilo art déco e dão nova vida a construções antigas no Rio

Arquitetura neoclássica é preservada para valorizar história do local e exclusividade de empreendimentos

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Jaciara Moreira
Niterói (RJ)

Em maio, a cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, ganha um novo Mercado Municipal. O empreendimento, que tende a se transformar em um polo de gastronomia, cultura e lazer para moradores e visitantes, nasce da reforma e modernização do antigo prédio, desativado em 1976.

Um detalhe chama a atenção na edificação, construída entre 1927 e 1930 e localizada na entrada da cidade, logo na chegada da ponte Rio-Niterói: na fachada original, os traços art déco e de arquitetura neoclássica foram preservados. É uma forma de resguardar e valorizar a história do local.

Em engenharia, essa composição de elementos históricos com o que há de mais moderno é chamada de retrofit, conceito que ganha cada vez mais espaço na construção civil e vem movimentando o mercado imobiliário do Rio de Janeiro. Esses lançamentos atingem um VGV (Valor Geral de Vendas) acima dos R$ 30 milhões.

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Projeto Raro Palacete Art Déco, no Rio de Janeiro - Divulgação

O retrofit pode ser utilizado quando a proposta é recuperar um imóvel para que ele volte ao uso original —caso do Mercado Municipal de Niterói— ou para transformações, com desdobramentos e construção de anexos, como os exemplos que vem da cidade do Rio.

Lá, antigos casarões, galpões e até palacetes estão sendo transformados em modernos centros comerciais, escolas e residenciais de luxo. A zona sul da cidade é a região que mais têm atraído empreendimentos desse tipo.

Um deles é o Raro Palacete Art Déco, que devolve vida a uma construção icônica da cidade, localizada na Rua Visconde de Ouro Preto, em Botafogo, região com o metro quadrado acima dos R$ 12,5 mil.

O empreendimento do Brix Fundo de Investimento Imobiliário, que tem o Opportunity Imobiliário como um dos sócios, é um residencial de luxo com apenas 22 unidades de um, dois e três quartos, entre casas e apartamentos. Um edifício anexo também será erguido.

O projeto mantém uma palmeira imperial, além do piso e a sala principal. Na garagem, haverá um carro semelhante aos usados na época da construção. A expectativa é alcançar um VGV de R$ 30 milhões.

Atenta ao crescimento do retrofit no Rio de Janeiro, o Brix criou uma marca exclusiva para cuidar do segmento na zona sul carioca: a B.8.

Além do Raro Palacete, que será entregue em junho de 2025, a marca tem no portfólio o Puro Casas Inteligentes, no Jardim Botânico. O empreendimento foi projetado em um imóvel colonial bem característico do bairro. São 12 unidades, de um ou dois pavimentos, cobertura e área externa própria. As chaves serão entregues até o fim deste ano.

"O Rio de Janeiro tem muitos imóveis históricos e depreciados, a gente percebeu que resgatá-los era mais que uma oportunidade de incorporação, seria uma oportunidade de devolver à cidade a sua história patrimonial, uma vez que buscamos valorizar a arquitetura original", diz Luiza Treiger, diretora comercial do Brix.

"Prevemos lançamentos do selo B.8 em outros bairros da zona sul, e a entrada em novos segmentos, como o comercial, está em estudo."

A construtora Mozak é outra que vem apostando no retrofit. A empresa é responsável por dois importantes projetos no Leblon. Um deles é o casarão que abrigou o colégio Saint Patrick’s, hoje Centro Comercial Guilhermina, com lojas e escritórios.

O outro é o antigo Cine Leblon, atual Centro Empresarial Luiz Severiano. A construtora trabalha, agora, no Residencial Era, na rua Dona Mariana, em Botafogo.

Centro Empresarial Luiz Severiano Ribeiro, no Leblon
Centro Empresarial Luiz Severiano Ribeiro, no Leblon, recebeu retrofit - Divulgação

O novo empreendimento, com entrega prevista para 2025, reescreve a história de um casarão construído no início do século 20, em estilo eclético e com influência francesa. É um dos símbolos do início da expansão habitacional em Botafogo, impulsionada pela presença da aristocracia na região.

A construção, tombada, terá preservados e valorizados alguns dos principais traços arquitetônicos.

"O Era Botafogo mescla sofisticação e tradição por meio da preservação das características arquitetônicas originais, como grandes salões, mosaicos, colunas, balaustrada e vitrais, incluindo um de Cesar Formenti, importante vitralista brasileiro", afirma Clarissa Grinstein coordenadora de projetos da Mozak.

O VGV do residencial é de R$ 34,4 milhões. O casarão de uso multifamiliar terá dois pavimentos, que vão abrigar apenas quatro unidades, sendo duas por andar, com metragens de 109,91m² a 137,26m². Aos fundos, uma nova edificação será erguida, contendo 35 unidades.

O primeiro pavimento terá seis unidades garden tipo sala e quarto. Os apartamentos do segundo ao sexto pavimento serão todos sala e quarto, com varanda. O último pavimento, com vista para o Cristo Redentor, terá duas coberturas duplex de dois quartos e área de lazer compartilhada, com piscina, academia e salão gourmet.

Já o térreo, além de 14 vagas de garagem, contará com bicicletário e uma lavanderia comum a todos os moradores. Segundo a Mozak, o metro quadrado do imóvel custa a partir de R$ 15 mil.

Escola segue tendência

Na rua General Severiano Ribeiro, também em Botafogo, outro casarão estilo neoclássico do século 19, com mais de 12 mil m² de área, ganhou, há cerca de cinco anos, um projeto de retrofit. O imóvel, que foi construído em 1866 para acolher órfãos e menores abandonados da cidade, teve o layout modificado para receber as instalações da Escola Eleva.

O casarão, ou antigo Educandário Santa Tereza, foi idealizado pelo arquiteto Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, responsável por outras obras importantes da cidade do Rio, entre elas o Centro Cultural do Banco do Brasil.

Com o novo projeto, assinado pelo escritório do arquiteto Miguel Pinto Guimarães e executado pela Retrofit Engenharia, o local passou a contar com 27 salas de aula, enfermarias, salas de música e artes, laboratórios e, no pátio central, uma quadra de esportes com arquibancada e cobertura retrátil.

Instalações elétricas, hidrossanitárias, de refrigeração e de detecção de incêndio foram adaptadas no retrofit.

ORG XMIT: 390001_0.tif Prédio do antigo Educandário Santa Tereza, no Rio de Janeiro (RJ), passou por retrofit - Divulgação

Para construtoras e arquitetos que trabalham com retrofit, um dos maiores desafios é lidar com a falta de registros de projetos, que, geralmente, faltam nas edificações antigas.

"Quando se tem modificação de layout, esse é um grande desafio. É necessário realizar uma verificação estrutural com a nova modelagem, e não é incomum a necessidade de reforço estrutural para adequação da estrutura", afirma o engenheiro Marcus Dantas, sócio-fundador da Retrofit Engenharia.

"Antes de tudo, o projeto de retrofit precisa passar por um levantamento estrutural."

A arquiteta Noemia Barradas, vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, aponta o item "instalações" como outro desafio dos projetos, e ressalta que questões relacionadas à sustentabilidade devem ser levadas em conta.

"Os prédios, em sua maioria, da década de 1940 a 1950, têm tecnologia ultrapassada no que se refere à elétrica e hidráulica. O projeto de retrofit bem-sucedido vai agregar valor com as intervenções que preservam o prédio, ao mesmo tempo em que traz modernidade e novas tecnologias, gerando ganhos em sustentabilidade", diz Noemia.

Incentivos não faltam para que projetos de retrofit sejam cada vez mais comuns no Rio de Janeiro. Na capital, segundo a secretaria municipal de Planejamento Urbano, a prefeitura incentiva e trata o reaproveitamento de prédios ociosos como prioridade.

Em 2021, foram enviadas à Câmara dos Vereadores, e aprovadas, duas legislações com esse intuito: o Plano Urbano Reviver Centro e a Lei Complementar 232.

A Lei Complementar estabelece condições especiais de incentivo para reconversão de imóveis protegidos e de edificações existentes, regularmente construídas e licenciadas, tanto por meio da transformação de uso quanto pelo desdobramento em unidades independentes.

Já o Reviver Centro, concebido para promover a recuperação social, econômica e urbana do Centro do Rio e buscar soluções para reverter o esvaziamento da região trazida pela crise econômica e agravada pela pandemia, tem a construção de novas moradias e a reconversão de antigos prédios como carro-chefe.

Dentro do plano, estão previstas permissões de novos usos para fomentar o retrofit de prédios comerciais, convertendo-os em edifícios de uso residencial ou misto.

Desde a aprovação, em julho de 2021, até janeiro deste ano, o Reviver soma 35 pedidos de licenças, sendo 23 emitidas e 12 em análise. Dessas 23 já emitidas, 18 são para transformação de uso —ou seja, retrofit.

Em Niterói, a obra do Novo Mercado Municipal é resultado de uma PPP (Parceria Público Privada) firmada entre a prefeitura e o consórcio Novo Mercado Municipal, vencedor da licitação, que participará da gestão do espaço por 25 anos.

O investimento foi de R$ 69 milhões em três anos, sendo R$ 30 milhões em reforma. Para o prefeito Axel Grael (PDT), o projeto ajuda a fomentar a economia da cidade.

Mercado Municipal de Niterói (RJ) antes e depois do retrofit

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Mercado Municipal de Niterói antes da reforma que revigorou o imóvel
Mercado Municipal de Niterói após reforma que revigorou o imóvel

"A revitalização faz parte de um conjunto de medidas adotadas para ajudar a gerar emprego e renda, alavancar o empreendedorismo e a economia do município", afirma Grael.

A arquiteta Noemia Barradas sabe o valor do retrofit, porém, chama a atenção para a necessidade do olhar social.

"O retrofit é um caminho interessante para renovar uma edificação e devolver a ela o uso pleno. Políticas públicas são importantes nesse processo, mas é preciso pensar em atender as várias classes sociais, e não apenas o segmento de luxo".

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