Descrição de chapéu Mercado imobiliário

Empresas investem em retrofit de edifícios no centro de São Paulo

Alta procura em Santa Cecília é chamariz para reformas nos arredores; empresários pedem regras específicas para atuar em prédios antigos

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São Paulo

Região com os prédios mais antigos de São Paulo e nos arredores de bairros com grande apelo entre os compradores mais jovens, o centro da capital paulista tem chamado a atenção de empresas que querem investir na reforma e comercialização de edifícios degradados.

A plataforma Yuca, que trabalha com coliving e aluguel de apartamentos, comprou a operação de um prédio residencial na rua General Júlio Marcondes Salgado, no bairro dos Campos Elíseos, que será inteiramente reformado. O local ficará com 19 apartamentos de um quarto para aluguel, e as obras devem terminar no primeiro trimestre de 2022.

A previsão da empresa é que a locação do imóvel mobiliado, com contas de água, luz e internet incluídas, custe entre R$ 2.500 e R$ 2.700 mensais.

Segundo Rafael Steinbruch, diretor de real estate da Yuca, a plataforma já mapeou outros 13 prédios no centro que poderiam passar pelo processo, mas a maior parte deles é comercial, e a lentidão para aprovar projetos de conversão de uso ainda é um entrave.

Steinbruch analisa que o bairro Campos Elíseos tem as mesmas características que fizeram seu vizinho Santa Cecília cair no gosto do mercado imobiliário e de jovens moradores. "Vemos um movimento natural, porque é um bairro mais barato do que Santa Cecília e com praticamente a mesma qualidade de acesso."

Fachada de prédio cinza, deteriorado, com rede de proteção
Prédio que a Yuca adquiriu nos Campos Elíseos, centro de São Paulo, e vai fazer retrofit para colocar unidades para locação - Divulgação

Ele defende que o Minhocão, a via suspensa que separa os dois bairros, seja demolido. "Acho que ele é uma barreira física que limita o desenvolvimento do Centro", diz.

A região central da cidade é a aposta também da Ilion Partners, que faz retrofits em São Paulo desde 2014.

Eles estão vendendo um prédio ao lado da Praça das Bandeiras, na região do centro histórico, com apartamentos grandes, de 140 metros quadrados. Cada metro quadrado sai por cerca de R$ 3.000.

"Estamos vendendo muito bem, para pessoas do bairro, famílias de classe média baixa, e eles estão encantados pelo que estamos oferecendo", diz Maxime Barkatz, fundador da empresa.

Ele conheceu o centro paulistano no início dos anos 2000 e se diz interessado pelas características dos imóveis antigos, como a arquitetura e as proporções mais amplas. "Posso criar imóveis que a construção nova não consegue fazer hoje", diz.

Sua empresa já trabalhou com 14 prédios, no Centro —entre eles, dois ao lado do Minhocão— e em bairros próximos, como Cambuci e Vila Clementino.

A escolha pelo Centro é um gosto pessoal, mas também um imperativo para se trabalhar com retrofit. "É normal que a região mais antiga da cidade tenha mais oportunidades do que um bairro como o Brooklin", explica.

Outro fator que atrai para a região é a maior prevalência de edifícios com apenas um proprietário, essenciais para facilitar a viabilidade da compra e da reforma.

A estratégia da Ilion é alterar pouco a estrutura do prédio, apenas fazendo os consertos e ajustes necessários. "Gosto de quando entro em um prédio nosso e entendo que é um prédio antigo", afirma.

A estratégia ajuda a diminuir também o custo com reforma, o que torna a revenda mais rentável, e também agiliza as aprovações necessárias por parte da prefeitura.

A dificuldade para aprovar projetos de reforma é um dos entraves principais para a atividade, apontam os empresários. Prédios antigos, ao passarem por retrofit, ficam sujeitos às mesmas características exigidas de empreendimentos novos, o que é inviável em muitos casos. Edifícios de outras épocas, por exemplo, não terão os recuos ou medidas para escadas que são pedidos atualmente.

"Já recebemos um Comunique-se sobre um prédio que falava que tínhamos que recuar o edifício", conta Barkatz.

A prefeitura aprovou em julho a primeira fase do programa Requalifica Centro, que trata de incentivos fiscais ao retrofit na região e apoia que haja fachadas ativas nos prédios, com comércio no térreo.

"Os incentivos fiscais são bem-vindos, mas não eram 100% necessários", diz Steinbruch. Segundo ele, o que o setor precisa mais é de uma esteira de aprovação na prefeitura específica para as reformas, com regras claras.

De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, a segunda fase do programa vai tratar dessas questões, mas ainda não há prazo para sua votação.

Olivar Junior, sócio da VBD Advogados, que atende investidores do segmento de reformas, reforça a importância de se ter regras diferenciadas para uma região de prédios antigos, mas afirma que o Requalifica já trouxe resultados. "Desde que saiu essa norma, o apetite por retrofit no centro de São Paulo foi multiplicado 20 vezes", diz.

Por outro lado, o aumento da taxa Selic, atualmente em 7,75% ao ano, traz incerteza para o setor.

Steinbruch afirma que essa alta faz com que ativos alternativos percam espaço para renda fixa. "Acaba limitando um pouco, fizemos um FII [fundo de investimento imobiliário] no ano passado e, para as próximas captações, provavelmente os volumes que vamos conseguir serão menores", diz.

Ele analisa que os investidores ainda estão disponíveis para apostar no modelo da empresa, mas em volume menor do que há um ano.

É a mesma impressão de Barkatz, da Ilion Partners. "Há um ano, [o apetite dos investidores] estava muito claro. Recebemos muitos investidores mais tradicionais que estão começando a procurar ativos mais exóticos, mas agora tem subida de juros que pode atrapalhar essa demanda".

O retrofit é uma atividade atrai quem busca retorno financeiro, e por isso é vista em alguns casos como instrumento de gentrificação dos bairros, porque encarece o preço de venda ou o aluguel.

Barkatz afirma que sua intenção não é fazer isso e rebate a crítica argumentando que o risco de gentrificação não pode ser usado como desculpa para manter edifícios malcuidados, que precisam de reformas e colocam a vida de moradores em risco.

"Prédios caídos não têm acessibilidade e representam risco de morte, não dá para defender isso, tem que pensar para cima, em ferramentas que consigam trazer as pessoas com menor poder aquisitivo para comprar ou alugar em regiões mais nobres, inclusive, e em prédios com boas condições", afirma.

A Ilion está desenvolvendo um estudo, com ajuda de acadêmicos de urbanismo, para entender o impacto das reformas no entorno dos edifícios.

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