Descrição de chapéu juros Selic Banco Central

Regra fiscal crível ajuda a reduzir inflação, mas anúncio não tem relação direta com juros, diz BC em ata

Instituição afirma que processo de desinflação requer 'serenidade e paciência' na condução da política monetária

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Brasília

Uma regra fiscal "sólida e crível" pode ajudar no processo de desinflação ao produzir efeitos nas expectativas, embora a apresentação do novo marco não tenha relação direta e imediata com a política de juros, afirmou o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central conforme ata divulgada nesta terça-feira (28).

Em meio à pressão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela redução dos juros, o colegiado do BC falou duas vezes no documento sobre a necessidade de ter "serenidade e paciência" ao longo do processo e fez acenos ao Ministério da Fazenda.

"O comitê destaca que a materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos", disse.

Segundo o BC, o desenho, a tramitação e a implementação do marco fiscal que será apresentado pelo governo e votado no Congresso continuarão sendo acompanhados. "O Copom enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal, uma vez que a primeira segue condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos", ponderou.

Sala do Copom (Comitê de Política Monetária), onde diretores do BC se reúnem em Brasília - Pedro Ladeira - 24.fev.23/Folhapress

Na última quarta-feira (22), o BC não cedeu à pressão pela redução dos juros, contrariou Lula e manteve a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano.

Embora tenha mantido o alerta no trecho final do documento sobre a possibilidade de voltar a elevar os juros caso o processo de desinflação não transcorra como esperado, o BC fez eco ao discurso do ministro Fernando Haddad (Fazenda) sobre harmonia entre as políticas monetária e fiscal e seus efeitos positivos.

"O comitê reforçou que a harmonia entre as políticas monetária e fiscal reduz distorções, diminui a incerteza, facilita o processo de desinflação e fomenta o pleno emprego ao longo do tempo", disse. "Nesse aspecto, o comitê reforça a importância de que a concessão de crédito, público e privado, se mantenha com taxas competitivas e sensíveis à taxa básica de juros."

O Copom mostrou preocupação com a possível retorno da política de crédito subsidiado e mandou recado ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), ainda que não tenha citado a instituição explicitamente.

"Ao avaliar os fatores que poderiam levar à materialização de cenário alternativo caracterizado por uma taxa de juros neutra [que não estimula nem contrai a economia] mais elevada, enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas, que têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária, como já observado em comunicações anteriores do Comitê", disse.

O colegiado do BC destacou ainda que o processo de desinflação requer "serenidade e paciência" na condução dos juros, uma vez que a dinâmica movida por excesso de demanda se deslocou para o setor de serviços.

"Observa-se assim uma dinâmica inflacionária movida por excessos de demanda, inicialmente em bens e que atualmente se deslocou para o setor de serviços, e que, portanto, requer moderação da atividade econômica para que os canais de política monetária atuem", disse.

"Tal processo demanda serenidade e paciência na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas."

Nesta terça, Haddad disse que a ata do Copom "veio com termos mais condizentes" que o comunicado divulgado logo após o encontro, classificado pelo ministro na ocasião como "muito preocupante".

"Acredito que [a ata] está em linha com o comunicado, mas da mesma forma que aconteceu no Copom anterior, a ata com mais tempo de preparação veio com termos que eu diria mais condizentes com as perspectivas futuras de harmonização da política fiscal com a política monetária. Que é o nosso desejo desde sempre", disse o ministro.

A decisão do colegiado do BC e o tom duro do comunicado da última semana foram alvo de críticas do presidente Lula, que disse que "a história julgará" as decisões do BC, e de membros do primeiro escalão do governo.

A ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) disse na semana passada que esperava uma ata "imparcial e justa com o Brasil" e que era preciso aguardar. Já nesta segunda-feira (27), véspera da divulgação do novo documento, ela afirmou que o comunicado mandou um recado equivocado.

Sua crítica pública se somou ao comentário do ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), que classificou a Selic em 13,75% ao ano como "desproporcional".

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), chegou a ir às redes sociais questionar, de forma retórica, se o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, não entendeu o "compromisso" dele com o Brasil. As centrais sindicais também reagiram de forma negativa.

Ao analisar a conjuntura internacional na ata, o BC ponderou que a crise bancária nos Estados Unidos e na Europa tem, até o momento, efeito limitado sobre a economia brasileira.

"Desde a última reunião do Copom, houve a liquidação de alguns bancos regionais nos Estados Unidos e a fusão de dois bancos suíços de grande porte, com aumento das preocupações em torno do sistema bancário nas economias centrais", disse o BC em referência ao colapso do SVB (Silicon Valley Bank) e outras instituições e à compra do Credit Suisse pelo UBS.

"O comitê seguirá acompanhando de forma atenta essa situação, analisando os possíveis canais de contágio, mas avalia que o impacto direto sobre os sistemas financeiros doméstico e de outros países emergentes é, até o momento, limitado, sem mudanças na estabilidade ou na eficiência desses sistemas financeiros."

Quanto ao cenário de crédito no país, os participantes do Copom expressaram opiniões divergentes. Para alguns membros, "deve-se esperar ainda um aumento da inadimplência e uma desaceleração na concessão do crédito". Já outros observam que "o aperto nas concessões de crédito foi mais intenso do que o esperado, mas focalizado em alguns mercados específicos".

Apesar das diferenças, o BC ressaltou que possui instrumentos de liquidez para lidar com eventuais fricções no mercado de crédito.

De acordo com o colegiado, a deterioração adicional das expectativas de inflação foi bastante debatida na reunião, visto seus efeitos sobre o processo inflacionário e sobre a estabilidade de preços.

"À medida que se projeta inflação mais alta à frente, empresas e trabalhadores passam a incorporar tal inflação futura em seus reajustes de preços e salários. Assim, há uma maior elevação de preços no período corrente, e o processo inflacionário é alimentado por essas expectativas", afirmou o BC.

A autoridade monetária destacou ainda que a "credibilidade das metas perseguidas é um ingrediente fundamental do regime de metas de inflação e contribui para o bom funcionamento do canal de expectativas, tornando a desinflação mais veloz e menos custosa."

Essas discussões foram incorporadas ao balanço de riscos para inflação. Entre os fatores que puxariam os preços para cima, está a piora das expectativas de inflação para prazos mais longos. Na direção contrária, está uma redução mais abrupta da concessão de crédito doméstica ou global impactando a atividade econômica.

"O Copom enfatizou que a execução da política monetária, neste momento, requer serenidade e paciência para incorporar as defasagens inerentes ao controle da inflação através da taxa de juros e, assim, atingir os objetivos no horizonte relevante de política monetária", reforçou.

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