Descrição de chapéu Folhainvest Selic juros

'Pornográficos', 'chocantes': Evento do BNDES vira palco para crítica a juros às vésperas do Copom

Mercado espera manutenção da Selic em 13,75% em anúncio desta quarta-feira

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Rio de Janeiro

Às vésperas da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) iniciou nesta segunda-feira (20) um seminário que virou palco para críticas à política monetária do Banco Central.

Economistas, empresários e políticos se revezaram na ofensiva contra o patamar da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

As manifestações vêm na esteira da recente pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o BC corte as taxas e evite uma desaceleração mais forte da economia.

O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, chegou a dizer que as taxas de juros no Brasil são "pornográficas" e incompatíveis com a situação fiscal do país.

Presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva discursa em seminário no BNDES - Eduardo Anizelli/Folhapress

"É inconcebível a atual taxa de juros hoje no Brasil", afirmou Josué, alegando que um país com dívida bruta equivalente a 73% do PIB (Produto Interno Bruto) e com reservas internacionais de US$ 370 bilhões (R$ 1,9 trilhão) não pode ser considerado com problema fiscal.

"Não é uma boa explicação para as pornográficas taxas de juros do Brasil", disse o presidente da Fiesp. Essa avaliação, contudo, é rebatida por economistas que defendem a política monetária mais apertada como forma de frear a inflação.

"Se não abaixarmos [os juros], de nada adiantará fazermos políticas industriais. Porque as principais políticas industriais, aquelas que são mais horizontais e, portanto, atingem o conjunto da economia, são justamente uma taxa de juros compatível e, obviamente, uma reforma tributária que crie isonomia entre os setores."

Josué cobrou ainda uma reforma tributária que reduza a carga sobre a indústria, equiparando a cobrança a níveis mais próximos aos hoje oferecidos ao agronegócio. "Da renda adicionada da indústria, 45% representam impostos. O agro, que é pop, que é tech, que é tudo, paga 5%."

Segundo ele, o agronegócio ainda dispõe de um plano de financiamento com subsídios que somam R$ 13 bilhões por ano. "Só nos ofereçam as mesmas condições que são oferecidas ao agro que teremos uma indústria pop, tech e tudo", disse.

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), também presente no seminário, disse esperar que a apresentação do novo conjunto de regras fiscais pelo Ministério da Fazenda viabilize o corte da Selic pelo Copom.

A nova reunião do comitê do BC começa nesta terça (21) e termina na quarta (22). O seminário no BNDES, chamado "Estratégias de Desenvolvimento Sustentável para o Século 21", segue nesta terça.

"Nós acreditamos no bom senso. Acho que o Brasil não tem uma inflação de demanda, pelo contrário, nós precisamos é estimular a economia. O mundo inteiro passa por um momento mais difícil, hoje grande parte dos países do mundo tem juros negativos. Então acredito que, como disse bem o ministro [Fernando] Haddad, tem uma gordura muito grande", afirmou Alckmin.

Para o vice-presidente, "não há nada que justifique" um juro real (acima da inflação) de 8% quando não há pressão pelo lado da demanda. "Então acreditamos no bom senso de que nós vamos ter aí redução da taxa de juros."

Outro nome a discursar em defesa de um afrouxamento da política monetária foi o economista Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel em 2001.

Para o professor da Universidade de Columbia (EUA), os juros altos não combatem as causas atuais da inflação no mundo, que estariam mais associadas a gargalos de oferta causados pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia.

"De fato, são chocantes os números de 13,75% ou de 8% em termos reais", disse Stiglitz, em uma crítica à Selic. Para ele, esse nível é capaz de "matar" uma economia como a brasileira.

O painel com o vencedor do Prêmio Nobel foi mediado pelo economista André Lara Resende, um dos mentores do Plano Real. Ao abrir o debate, Lara Resende também questionou a política monetária.

"A combinação de juros muito altos e impostos muito altos é profundamente recessiva e impede o crescimento da economia", afirmou.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, negou que o seminário tenha sido agendado em razão da proximidade da reunião do Copom.

Segundo ele, o evento foi marcado para a segunda quinzena de março para alinhar a programação à agenda de Stiglitz, que viajou do exterior para comparecer à sede do banco, no Rio de Janeiro.

Ao abrir o seminário, Mercadante voltou a falar em defesa da diversificação das taxas de juros do BNDES, que hoje usa como referência a TLP (Taxa de Longo Prazo), atrelada ao custo da dívida do Tesouro com prazo de cinco anos.

O argumento do BNDES é que os financiamentos não necessariamente seguem esse mesmo horizonte, o que acaba criando certo descompasso no custo dos empréstimos e dificultando o acesso ao crédito pelo setor produtivo.

"O banco não pode ter uma única taxa de juros. Temos de ter mais flexibilidade", afirmou o petista.

Em nota sobre o evento, o próprio BNDES enfatizou as críticas às taxas de juros. "Para todos, a taxa de juros está excessivamente alta no país e precisa ser revista, junto com uma política de investimento que propicie reindustrialização e crescimento sustentável, ambientalmente responsável e socialmente inclusivo", publicou o banco em seu site.

Em pesquisa feita pela Reuters, economistas acreditam que o Copom vai manter a atual postura, deixando a taxa Selic no nível mais alto em seis anos, ao mesmo tempo em que provavelmente afastará as esperanças de qualquer afrouxamento iminente da política monetária.

Nesta segunda, o boletim Focus do Banco Central trouxe avaliação semelhante. Os analistas consultados fizeram pequenos ajustes às suas projeções econômicas, mas seguem vendo manutenção da taxa básica de juros no atual patamar de 13,75% tanto na reunião desta semana quanto na de maio.

As previsões se mantêm mesmo diante das turbulências que passaram a afetar o setor bancário global nos últimos dias e diante das expectativas sobre o novo arcabouço fiscal, que vem sendo debatido entre a área econômica e Lula.

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