Mercadante quer dobrar tamanho do BNDES até 2026

Plano é elevar percentual de desembolsos de 1% para 2% do PIB; petista critica ainda nível de repasses ao Tesouro Nacional

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Rio de Janeiro e Brasília

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante, falou nesta terça-feira (14) em dobrar o nível de financiamentos do banco até 2026 e defendeu uma redução do patamar de repasses ao Tesouro Nacional.

Uma das propostas é reduzir em até R$ 14 bilhões o valor a ser pago em dividendos à União no ano de 2023. A proposta está em discussão com o Ministério da Fazenda, uma vez que a eventual diminuição desse montante tem impacto direto nos planos do ministro Fernando Haddad (PT) de amenizar o rombo nas contas públicas.

Segundo Mercadante, o menor repasse de recursos ao Tesouro é necessário para manter o banco capitalizado para ampliar desembolsos e faz parte do projeto de um "BNDES forte". Ele também criticou gestões anteriores e disse que a instituição não estava cumprindo sua função de atuar como indutora do crescimento da economia.

Além disso, o petista defendeu subsídios no crédito a setores específicos, como os voltados à inovação.

Logo do BNDES na sede do banco no Rio de Janeiro - Sergio Moraes - 8.jan.2019/Reuters

"Não é só o problema de encolher, é o banco não cumprir sua função, que é induzir o crescimento. Nós não podemos continuar transferindo recursos nessa escala para o Tesouro Nacional", afirmou Mercadante.

Segundo informações divulgadas pelo BNDES, de 2015 a 2022, o banco transferiu R$ 873 bilhões para o Tesouro Nacional, entre devoluções de aportes, pagamento de dividendos e recolhimento de tributos. O montante é R$ 227 bilhões acima do que os R$ 646 bilhões desembolsados pelo banco em financiamentos no mesmo período. O cálculo considera valores nominais.

Ainda de acordo com a instituição, entre 2016 e 2022, a média de desembolsos para projetos representou 1% do PIB (Produto Interno Bruto).

Isso significa aproximadamente metade do nível verificado no período de 1995 a 2007 (1,9% do PIB), antes do impulso a financiamentos nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT).

A meta da atual direção do banco é elevar a proporção para 2% do PIB até 2026, disse Mercadante.

"O que queremos é rever essa relação para que o banco possa resgatar seu papel histórico. Qual é o nosso projeto? Voltar ao patamar histórico que tínhamos depois do Plano Real, de 2% do PIB", afirmou o petista.

"Significa que, até 2026, queremos dobrar o tamanho do BNDES. É muito menos do que era de 2008 a 2015", acrescentou.

As declarações ocorreram durante a apresentação do balanço do banco referente a 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro (PL). Em outro momento, Mercadante ressaltou que não estava falando de voltar ao "BNDES de 4% do PIB".

Alcançar a meta de desembolsar 2% do PIB, porém, vai depender da pactuação com o governo de medidas para manter o BNDES capitalizado, disse o presidente.

Nos últimos anos, o banco de fomento repassou 60% de seu lucro líquido em dividendos à União. Caso o percentual seja mantido, o BNDES precisaria pagar R$ 24 bilhões em 2023, referentes ao lucro do ano passado.

Segundo Mercadante, a proposta em discussão é voltar a pagar apenas o patamar mínimo obrigatório, que é de 25%. Isso daria o equivalente a R$ 10 bilhões —ou seja, o banco poderia manter R$ 14 bilhões em seu caixa para usá-los em futuros desembolsos.

Outra opção seria equiparar a proporção de dividendos do BNDES ao patamar pago pelo Banco do Brasil, que é de 40% do lucro líquido (cerca de R$ 16 bilhões).

Mercadante reconheceu que a medida pode ter um efeito negativo sobre as receitas da União, uma vez que os dividendos são contabilizados no resultado primário do governo federal, mas destacou que o próprio presidente Lula tem defendido o papel do BNDES na economia.

"Isso é receita [para a União], é verdade. Eles têm uma responsabilidade fiscal importante para a macroeconomia do Brasil. Nós estamos trabalhando fortemente com eles. Discutimos com todas as áreas técnicas", disse.

"Agora, o presidente Lula vem cobrando publicamente o papel do BNDES. Ele falou na reunião com os governadores que o BNDES vai entrar forte. Ele falou na reunião com a Defesa que há uma demanda na linha de reindustrialização. Ele falou na América Latina. Falou aqui na minha posse da fé e expectativa que ele tem em relação ao banco. Então, o governo tem uma visão que o BNDES tem que ter um papel de fomento ao desenvolvimento", afirmou.

Além da redução no repasse de dividendos, o banco de fomento também pleiteia uma isenção de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em algumas linhas que hoje sofrem a incidência do tributo, além de mecanismos para permitir a diversificação das fontes de financiamento da instituição.

Lucro recorrente chega a R$ 12,5 bilhões em 2022

No ano passado, o banco teve lucro líquido recorrente de R$ 12,5 bilhões. O resultado equivale a uma alta de 46,2% em relação a 2021 (R$ 8,6 bilhões).

O valor de R$ 12,5 bilhões foi obtido a partir do lucro contábil líquido de R$ 41,7 bilhões deduzido dos efeitos de caráter extraordinário, que não devem ser repetidos nos anos seguintes.

Entre os efeitos citados estão a receita de dividendos da Petrobras (R$ 17,2 bilhões), o recebimento de valores obtidos da Oi, a venda de ações e as mudanças no registro contábil da participação na JBS.

Conforme o BNDES, tanto o lucro recorrente quanto o contábil atingiram patamares recordes em 2022.

A gestão de Gustavo Montezano, que presidiu o banco na maior parte do governo Bolsonaro, foi marcada por medidas como a venda de ações de grandes empresas.

O argumento era de que essas companhias já haviam se desenvolvido e não precisavam mais do suporte da instituição.

Ao mesmo tempo, o banco público buscou estruturar concessões e privatizações, além de devolver recursos para o Tesouro.

Subsídios podem incluir inovação

O novo comando do BNDES sinaliza uma posição mais atuante da instituição como financiadora de projetos. Nesta terça, Mercadante confirmou que o banco estuda subsídios a setores específicos da economia, mas com características diferentes das verificadas em outros governos petistas.

A recriação do crédito subsidiado seria voltada a segmentos considerados estratégicos, sob autorização do CMN (Conselho Monetário Nacional) e com limites de valores para evitar um "cheque em branco".

Esse plano havia sido citado pelo diretor de Planejamento do BNDES e ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, em entrevista publicada pela Folha neste mês.

"Há desafios que exigem subsídios, como, por exemplo, inovação. Inovação é risco. Você tem de estimular. Inovação é o que faz o salto tecnológico em uma economia", disse Mercadante.

O petista voltou a criticar a taxa de juros do banco, a TLP (Taxa de Longo Prazo). Esse mecanismo foi criado no governo Michel Temer (MDB) para impedir que o BNDES emprestasse recursos a clientes a taxas menores do que o custo de captação do Tesouro.

"Estamos prisioneiros a uma única taxa, e uma taxa muito volátil", disse Mercadante.

A nova direção ainda indicou que planeja diversificar fontes de financiamento do banco. Uma das ideias é lançar um novo instrumento para captar valores no mercado e reduzir a dependência do Tesouro. Essa questão também havia sido mencionada por Barbosa em sua entrevista à Folha.

A Letra de Crédito de Desenvolvimento (ou LCD), como vem sendo chamada, poderia receber investimentos até mesmo de pessoas físicas, com formato e remuneração semelhantes a opções financeiras existentes hoje, incluindo LCI e LCA (letras de crédito imobiliário e agrícola, respectivamente).

O BNDES também discute com a Fazenda a possibilidade de um aporte adicional no FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) para destravar financiamentos a empresas do setor de varejo, após o caso Americanas, em que a descoberta de uma fraude contábil desnudou um montante de débitos bem maior do que se tinha conhecimento, ampliou a aversão ao risco e contribuiu para dificultar o acesso ao crédito.

Hoje o FGI não tem mais recursos disponíveis para garantir novas operações —o fundo opera como uma espécie de fiador, honrando a dívida em caso de inadimplência do tomador. Segundo Mercadante, cada R$ 1 adicional injetado no fundo seria suficiente para alavancar R$ 5 em novos empréstimos.

"Precisamos fortalecer o fundo garantidor para reduzir a aversão ao risco dos fornecedores e poder retomar as linhas de crédito, reverter esse ambiente que ficou após o impacto, que foi muito grande, dos indícios de manipulação de balanço das Lojas Americanas", disse o presidente.

Outra medida em estudo para dar sustentação ao varejo é um fundo garantidor para estimular que empresas âncoras captem recursos e financiem seus fornecedores sem repassar os custos adicionais envolvidos.

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