Tributação de dividendos terá nova proposta do governo com compensação no IRPJ

Secretaria da Reforma Tributária lista princípios do projeto em elaboração

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São Paulo

O governo federal irá enviar uma nova proposta de reforma do Imposto de Renda ao Congresso, que deve prever tributação de dividendos compensada pela redução do imposto corporativo, descartando a possibilidade de utilizar o projeto sobre o tema que está atualmente no Senado, afirmou nesta sexta-feira (17) o secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.

Durante debate realizado pelo Insper sobre tributação da renda e patrimônio, Appy e Daniel Loria, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, listaram cinco princípios da nova proposta: progressividade, isonomia, neutralidade, competitividade internacional e segurança jurídica.

Os dois ressaltaram diversas vezes que a proposta do governo não está pronta, mas que há "uma possibilidade razoável" de ter um novo projeto que trate da tributação do dividendo na pessoa física com redução dos tributos na pessoa jurídica (IRPJ/CSLL).

"Em princípio a ideia é elaborar um novo projeto do Imposto de Renda para mandar para o Congresso no segundo semestre. O projeto que está hoje no Senado [já aprovado na Câmara] tem muitos problemas e não é uma boa base para avançar com o debate", disse Appy,

"Não há uma decisão do governo sobre isso, mas é um cenário provável, com base no que falamos com o presidente [Lula], caminhar para a tributação de dividendos e reduzir a alíquota corporativa", afirmou Loria, que está trabalhando nessa proposta dentro do ministério. Ele esclareceu posteriormente não ter falado pessoalmente com Lula, mas ter se referido às falas do presidente sobre o tema.

Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) - Adriano Machado-13.mar.2023/Reuters

Eles destacam que não há na literatura internacional um modelo ideal de tributação da renda e que há diferenças grandes nas regras adotadas em cada país. Na tributação do consumo, por outro lado, já está estabelecido o formato de tributação por meio de um imposto sobre valor agregado.

"Se é possível ter um sistema mais justo, mais progressivo e que não prejudique a eficiência, a gente deve buscar esse modelo. Desenhos que foram pensados para o Brasil 30 anos atrás talvez não sejam os ideais hoje em dia", disse Appy.

"O Brasil tem uma série de distorções para corrigir e que fogem desse parâmetro, que fazem com que parcela relevante das pessoas de alta renda seja menos tributada."

Em relação ao princípio da isonomia, Loria citou como exemplo a diferença na tributação da renda do aluguel de imóveis, que pode chegar a 27,5% na pessoa física, mas é de 11% quando o bem é transferido para uma pessoa jurídica e zero em fundos imobiliários.

Os dois também citaram a questão da competitividade internacional, ao afirmar que nada que for feito no Brasil pode ser visto isoladamente, lembrando as discussões na OCDE sobre imposto corporativo mínimo.

"O desafio é como conseguir um sistema que seja o mais eficiente do ponto de vista econômico, o mais justo possível, que arrecade e, ao mesmo tempo, lide com essa competição internacional", disse Appy.

O economista Sérgio Gobetti, do Ipea, afirmou que a média de tributação do lucro nos países da OCDE é de 41% (sendo 23% na pessoa jurídica e 24% na pessoa física). Entre os países desse grupo econômico, apenas Letônia e Estônia isentam dividendos.

"A tributação exclusiva na PJ não contribui para o crescimento e é pior para a distribuição de renda. Não consegue diferenciar a renda dos acionistas e da empresa, e a incidência econômica pode diferir da incidência legal, ou seja, o tributo ser repassado para o consumidor em vez de recair sobre o acionista", disse.

Patrimônio

Em relação ao patrimônio, Appy manifestou apoio a mudanças que estão atualmente no relatório da PEC 110, que serve de base para a reforma dos tributos sobre o consumo, e que tratam de IPTU, IPVA e ITCMD. Afirmou que também está na pauta da secretaria algumas medidas no nível infraconstitucional na tributação do patrimônio que serão trazidas a público, na hora adequada.

O colunista da Folha Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e executivo da Julius Baer Family Office, afirmou ver mais empecilhos para a aprovação da reforma do IR do que da proposta de mudança na tributação do consumo, citando a quase unanimidade do Congresso na defesa de proteções ao Simples Nacional. Afirmou também que, no Brasil, todo mundo acha que é classe média e que já paga muito imposto.

Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, e Leonel Pessôa, organizador do livro "Qualidade dos Gastos Tributários no Brasil: o Simples Nacional", afirmaram que as propostas de reforma dos tributos sobre consumo e renda podem ajudar a resolver a questão das distorções criadas pelos regimes especiais, o que inclui também o lucro presumido.

"A gente precisa deixar o sistema simples para que o Simples seja desnecessário", disse Canado, que prevê uma migração voluntária das empresas quando o sistema da reforma do consumo estiver implantado.

Imposto sobre grandes fortunas

De acordo com levantamento do Insper, há 37 projetos no Congresso prevendo a criação de um imposto sobre grandes fortunas. Desses, 13 foram apresentados em 2020. São 10 propostos por parlamentares do PT e 5 do PSDB.

Internacionalmente, o tributo existe em poucos países. Em alguns casos, como substituto de tributos que já existem no Brasil, como ITCMD (sobre heranças), IPVA (veículos) e IPTU (imóveis). Em geral, as alíquotas são baixas e a arrecadação representa menos de 1% das receitas tributárias.

Também não há consenso sobre o que deve ser tributado, sendo que há experiências que consideram faixas de isenção, outras que focam em tipos de ativos e também aquelas que usam como base a diferença entre patrimônio e dívidas.

Recentemente, impostos com essas características foram implantados na Bélgica, Argentina, Espanha e Bolívia, além de haver estudos nos EUA e no Reino Unido. "Esse é um assunto vivo, que foi reaquecido por conta da pandemia e dessas últimas iniciativas", disse Frederico Bastos, do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper.

Daniel Zugman, também do Insper, afirmou que é mais simples trabalhar em cima dos tributos que já existem no Brasil sobre renda e patrimônio para aumentar essa arrecadação do que criar mais um imposto.

Preocupações do agro e serviços com o IVA

Durante os debates, o deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE), membro do grupo de trabalho da reforma, falou sobre as resistências da agropecuária e do setor de serviços em relação às mudanças na tributação do consumo.

"Há uma possibilidade, politicamente, conversando tecnicamente com a equipe, de, além da alíquota de referência, ter uma ou duas alíquotas que possam absorver a essa primeira pressão [dos serviços], sobretudo educação, saúde e transporte coletivo", afirmou o parlamentar.

Segundo ele, o setor agro tem duas demandas relevantes: exportações e crédito presumido.

"Com o IVA, todos os incentivos legais vão acabar. Eles alegam que compram de 180 mil produtores rurais que não emitem nota e acham que vão perder esse crédito que têm hoje, mas a gente vai encontrar uma maneira de deixá-los mais calmos."

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