Esta semana, foi veiculada na Folha de S.Paulo parte do conteúdo da carta que o Ministro da Fazenda recebeu da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a forma de julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A carta expressa ser atípico ou raro o sistema de julgamento do Carf, no qual participam pessoas da iniciativa privada na segunda instância. Além disso, aponta ser inadequado que, em caso de empate na decisão, o voto de minerva seja atribuído ao representante dos contribuintes e, finalmente, demonstra estranheza no fato do Fisco não poder discutir no Judiciário, caso saia perdedor.
A carta afirma que esse sistema só existe praticamente no Brasil. Simplificando, diz que a forma de julgamento dos casos no Carf é mais uma "jabuticaba" brasileira e aconselha a modificação do modelo.
Há que se ressaltar que nem toda "jabuticaba" é algo de má qualidade ou indesejável para o país. Veja o exemplo das urnas eletrônicas. Não existem no mundo, só aqui. O Sistema Único de Saúde (SUS) também não existe na maioria dos países.
Não há como comparar países da OCDE com o Brasil. Aqueles são países ricos, este é um país pobre. Pergunte-se ao signatário da carta se eles têm a Receita Federal que nós temos aqui (outra "jabuticaba"). Pergunte ao signatário da carta se lá o fiscal pode autuar como bem entender sem passar por uma supervisão a respeito.
No Brasil, o fiscal tem autonomia funcional. Ele autua conforme a sua visão de mundo e valores o que pode ser totalmente diferente da interpretação correta da lei.
Pergunte se o fiscal de lá pode ganhar o salário conforme o volume de autos de infração que ele faz (essa é a pretensão da categoria no Brasil com a criação do bônus de eficiência). Pergunte se eles aplicam multas (75%, 150%, 220%) e os juros (14% ao ano) mais altos do mundo.
Critica-se que, no Brasil, o tempo para julgar um caso no Carf é de sete anos, enquanto, em países da OCDE, é de 3 meses. Há que se questionar quantos autos de infração são realizados no Brasil e quantos são realizados nesses países. Será que, nesses países, eles têm 10 mil processos? Ou 100? Será que eles conseguiriam julgar os processos em três meses se o número fosse igual ao do Brasil?
Erro é comparar cenários distintos, leis e culturas diferentes como se fossem iguais. Esses países não têm o contencioso tributário que nós temos: entre 60% e 70% do PIB. Não podemos atribuir só ao empresário a culpa por esse contencioso. O governo e, em especial a Receita Federal, tem responsabilidade também, já que há muitas "jabuticabas" na máquina tributária.
É necessário um pacto tributário nacional, por intermédio do qual governo e contribuinte sentem à mesa para discutir o sistema tributário brasileiro.
Veja-se o bom exemplo do acordo realizado entre o governo, OAB e algumas entidades empresariais quanto à regulamentação do voto de qualidade. Houve sensibilidade por parte do governo e dos contribuintes e chegou-se a um meio termo razoável: na hipótese de empate, caem as multas e os juros e permanece o valor do tributo principal. Não é a melhor alternativa para o contribuinte e governo, mas também não é a pior. Negociando, chega-se a um lugar comum.
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